Bem vindos à segunda edição do Fala Série!, nossa coluna quinzenal dedicada ao mundo da TV, e bem vindos também a junho, aquele mês mágico em que todo seriador para de pensar em season finales e afins para começar a pensar em só uma coisa: Primetime Emmys.
Com a virada do mês, o prazo para as emissoras exibirem as suas séries elegíveis ao Emmy 2016 também termina – apesar dos indicados ao prêmio só serem anunciados dia 14 de julho, toda série que for exibida depois do dia 31 de maio já será elegível apenas para o ano de 2017.
Isso não significa que episódios restantes de temporadas como a sexta de Game of Thrones e a segunda de Penny Dreadful não serão considerados – de acordo com uma regra recente da academia de TV americana, se uma série exibiu metade ou mais de seus episódios da temporada até o prazo, os episódios posteriores da mesma temporada são considerados junto com os outros.
Conhecido por suas regras complicadas, ao menos nessa o Emmy aliviou para a gente – em um exemplo prático: Game of Thrones, que exibiu 6 de seus 10 episódios, está concorrendo, enquanto o segundo ano de Wayward Pines, que exibiu só 2 de seus 10, não.
Com o prazo absolutamente fechado, portanto, chegou a hora de começar a fazer as apostas sobre quem vai levar o principal prêmio da televisão para casa esse ano. Velhos favoritos como Mad Men, Parks and Recreation e Breaking Bad não estão mais entre nós, abrindo espaço para novatos ao mesmo tempo em que alguns pesos pesados, como The Good Wife, Downton Abbey e Mike & Molly, ganham força após alguns anos ausentes exatamente por estarem em seus últimos anos elegíveis. A academia notadamente gosta de reconhecer quando uma série de longa data se despede, então não conte esses títulos para fora da disputa.
Será que, pelo segundo ano seguido, Westeros vai chegar com seus dragões e tramoias políticas para roubar os prêmios de todo mundo? Ou será que o novato Mr. Robot pode surpreender e trazer uma noite inesquecível para a geralmente ignorada emissora USA? Tem também gente lutando pelo quinto Emmy seguido (Julia Louis-Dreyfus, de Veep) ou pelo oitavo da carreira (Allison Janney, de Mom e Masters of Sex) no campo das comédias. Tem Netflix em peso com House of Cards, Master of None e Unbreakable Kimmy Schmidt, buscando uma vitória inédita para os serviços de streaming nas categorias principais. E tem muito mais também – dá só uma olhada no nosso dossiê completo a partir de agora:
Os Sete Reinos mais fortes
Não pense que os votantes do Emmy são completamente alheios ao gosto do público e da crítica (embora eles façam um trabalho até bom demais em parecer que são). Se no ano passado, com uma temporada polêmica que dividiu opiniões entre fãs e não-iniciados, Game of Thrones ainda assim venceu uma quantidade impressionante de 12 Emmys, esse ano a aclamadíssima sexta temporada chega ainda mais forte para a disputa, tendo ao seu lado também as probabilidades: historicamente, é difícil para uma vencedora de Melhor Série Dramática no Emmy ganhar o troféu apenas uma vez em sua trajetória.
Essa história pode estar em processo de transformação, no entanto, visto que nos últimos anos tanto Homeland quando Mad Men, duas das mais celebradas séries da atualidade, levaram o Emmy apenas uma vez (e apesar da renovação de Homeland para mais temporadas, fica difícil vislumbrar um futuro em que a série estrelada por Claire Danes leve de novo). Isso se deve, obviamente, ao puro volume de produção da atualidade, em que novas tramas de qualidade surgem em profusão vindas de uma série de plataformas diferentes, seja no streaming ou em canais anteriormente pouco prestigiados.
Espere indicações para Game of Thrones em: Melhor Série Dramática, Melhor Ator Coadjuvante em Série Dramática (Peter Dinklage), Melhor Atriz Coadjuvante em Série Dramática (Lena Headey).
É o caso da USA e de Mr. Robot, a série estreante que pode estragar a festa para a HBO, que levou os dois prêmios principais no ano passado. A emissora fundada em 1977, uns bons anos depois da maioria das estações estabelecidas dos EUA, até esse ano teve sua maior vencedora de Emmys com a série Monk, sobre o detetive obsessivo-compulsivo interpretado por Tony Shalhoub, que venceu 8 prêmios em sua trajetória de 2002 a 2009. O restante das produções do canal não só passavam regularmente sem indicações como eram consideradas pelos críticos (com raras exceções) como títulos descartáveis.
Mr. Robot, que estreou no finalzinho de junho do ano passado, ganhou o coração dos críticos internacionais no Globo de Ouro e dos críticos americanos no Critics Choice Awards, e seu impacto sobre espectadores e jornalistas parece ter sido duradouro o bastante para resistir a quase nove meses fora do ar – porque sim, a época do ano em que a série é exibida também influi na possibilidade de ela ganhar uma indicação, visto que os votantes terão uma temporada mais recente (como Game of Thrones, ainda em curso) mais fresca na memória do que uma que terminou meses atrás.
Isso talvez determine que essa não vá ser a vez de Mr. Robot ganhar o prêmio principal da noite, mas espere indicações abundantes para o drama da USA, o que pode cimentar um caminho para outras séries de pegada alternativa e experimental quebrarem o bloqueio acadêmico do Emmy no futuro. Fica a nossa torcida por Rami Malek, Christian Slater e companhia, sempre dando um jeito de ir contra o sistema.
Espere indicações para Mr. Robot em: Melhor Série Dramática, Melhor Ator em Série Dramática (Rami Malek), Melhor Ator Coadjuvante em Série Dramática (Christian Slater).
A segunda vez é ainda melhor
No ano passado, a primeira temporada de Better Call Saul saiu de mãos abanando da premiação mesmo com 7 indicações na disputa. Não conte com o mesmo acontecendo esse ano em que Jimmy McGill e companhia não tem Mad Men para encarar – apesar da força de Game of Thrones e Mr. Robot, a vitoriosa da vez pode muito bem ser a série spin-off da AMC, que ainda chega com chances reais e imediatas de levar Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante para seus protagonistas Bob Odenkirk e Jonathan Banks. Como de costume, não é uma boa ideia subestimar Jimmy McGill.
Assim como não se deve contar para fora os Pfefferman, a família principal de Transparent, encabeçada por Maura, papel pelo qual Jeffrey Tambor já levou o Emmy no ano passado (e provavelmente levará de novo esse ano). Apesar da premiação de Veep, da HBO, em 2015, Transparent chegou com um segundo ano ainda mais celebrado e mais importante em 2016, e pode entrar na frente da série de Julia Louis-Dreyfus para levar o primeiro troféu principal do Emmy para uma plataforma de streaming – o que seria gigantesco para a Amazon, sempre á sombra do Netflix nesse mercado.
Espere indicações para Better Call Saul em: Melhor Série Dramática, Melhor Ator em Série Dramática (Bob Odenkirk), Melhor Ator Coadjuvante em Série Dramática (Jonathan Banks).
Espere indicações para Transparent em: Melhor Série Cômica, Melhor Ator em Série Cômica (Jeffrey Tambor), Melhor Atriz Coadjuvante em Série Cômica (Judith Light).
Outras séries em seu segundo ano brigam por um lugarzinho nas indicações, mesmo que provavelmente apareçam de forma menos destacada. Unbreakable Kimmy Schmidt, que teve uma segunda temporada exponencialmente melhor que a primeira, só não deve repetir o combo série/atriz/ator coadjuvante/atriz coadjuvante do ano passado porque Lena Dunham (Girls) voltou a ganhar força e pode tirar a vaga de Ellie Kemper, a Kimmy da série do Netflix. Ainda na comédia, Anthony Anderson (Black-ish), Will Forte (The Last Man on Earth) e Lily Tomlin (Grace and Frankie) querem a segunda nominação em dois anos de série.
Já no drama, o “retorno” mais aguardado é o de Viola Davis (How to Get Away with Murder), que segue virtualmente sem competição na categoria Atriz Dramática, embora Taraji P. Henson (Empire) possa estragar a festa, dada a sua vitória no Globo de Ouro desse ano. Enquanto isso, Regina King, vencedora do ano passado por American Crime, deve garantir a única indicação de The Leftovers por seu segundo (e penúltimo) ano no ar. Esses títulos, por sua natureza, são marcas que estão começando a estabelecer, e das quais falaremos como veteranos no futuro – vale ficar de olho neles.
Chegadas e partidas
Se no ano passado a grande despedida era para Mad Men, e no ano retrasado para Breaking Bad, as séries mais amadas a dizerem adeus ao Emmy em 2016 são a britânica Downton Abbey, após seis temporadas que renderam 11 troféus, e The Good Wife, finalizando com sete temporadas e 5 vitórias no Emmy. Abbey deve ganhar o banho de atenção dessa vez, embora não seja provável que ganhe muita coisa – indicações, no entanto, estão garantidas tanto em série dramática quando para os veteranos Maggie Smith e Jim Carter, já lembrados anteriormente pelo Emmy.
Já The Good Wife não deve conseguir cavar uma vaga na categoria principal dos dramas, especialmente porque o final da série foi criticado por quase todos os fãs e uma boa parte da crítica. Julianna Margulies, Alan Cumming e Christine Baranski, no entanto, devem levar suas nominações de costume – e podem surpreender quem achar que eles estão fora da disputa pelo prêmio. Em situação semelhante deve se encontrar Mike & Molly, que só deve conseguir indicação para Melissa McCarthy, a estrela do cinema revelada pela série, que ficou fora da lista ano passado, mas deve voltar para fechar bem a trajetória.
Outras veteranas que devem receber indicações incluem: House of Cards (Série, Ator, Atriz, Ator Coadjuvante), Homeland (Série, Atriz), Veep (Série, Atriz, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante), Sillicon Valley (Série), Modern Family (Série, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante), Girls (Série, Atriz), Orphan Black (Atriz), Orange is the New Black (Atriz Coadjuvante), The Big Bang Theory (Ator), Brooklyn Nine-Nine (Ator Coadjuvante), Key & Peele (Ator Coadjuvante), Inside Amy Schumer (Atriz), Saturday Night Live (Atriz Coadjuvante) e Mom (Atriz Coadjuvante).
Espere indicações para Downton Abbey em: Melhor Série Dramática, Melhor Ator Coadjuvante em Série Dramática (Jim Carter), Melhor Atriz Coadjuvante em Série Dramática (Maggie Smith).
Espere indicações para The Good Wife em: Melhor Atriz em Série Dramática (Julianna Margulies), Melhor Atriz Coadjuvante em Série Dramática (Christine Baranski), Melhor Ator Coadjuvante em Série Dramática (Alan Cumming).
Mas e as comentadas series estreantes? Vai ficar só com Mr. Robot? De fato, a quantidade de boas séries estreantes é tanta que é bem possível que Mr. Robot acabe sendo a única que alcance um número grande de indicações esse ano. Mesmo assim, sobram algumas migalhas para outras, e essa discreta renovação acaba sendo a marca do Emmy 2016. Antes de qualquer coisa, será que esse é o ano de The Americans? A FX, esperta, “atrasou” um pouco a temporada desse ano, movendo-a da janela Janeiro-Abril para a janela Março-Junho, o que faz com que o burburinho sobre a série esteja muito urgente na cabeça dos votantes.
Não seria a primeira vez que o Emmy espera para reconhecer uma série elogiada. How I Met Your Mother entrou pela primeira (e única) vez em seu quarto ano, enquanto Big Love, Boston Legal e Parks and Recreation começaram a ser reconhecidas na terceira temporada. Às vezes, a audiência do Emmy é menos sensível à séries de qualidade que existem abaixo do radar da super-popularidade, e talvez por isso demore um pouco de tempo, uma consistência de crescimento, para a academia nota-las. 2016 pode muito bem ser o ano de estreia de The Americans no Emmy, logo quando a série se prepara para suas duas últimas temporadas.
Entre os outros estreantes, espere por boas indicações para Master of None, do Netflix, e para seu protagonista Aziz Ansari; para Bobby Cannavale, um veterano do Emmy que estreou esse ano em Vynil; para Paul Giamatti e Damien Lewis, a elétrica (e absolutamente espetacular) dupla principal de Billions; para Constance Zimmer, da elogiadíssima UnREAL, que só não deve entrar em mais categorias porque o Emmy ainda não está pronto para premiar a Lifetime; e para os atores Gael Garcia Bernal (Mozart in the Jungle), Louie Anderson (Baskets) e Rachel Bloom (Crazy Ex-Girlfriend).
A vitória de Marcia Clark
American Crime Story: The People v O.J. Simpson é a minissérie do ano. Fargo, American Crime e Show Me a Hero devem apresentar um pouco de resistência, mas eventualmente perderem o jogo contra a gigantesca série de Ryan Murphy e companhia, que deve render à Sarah Paulson o seu primeiro e merecidíssimo Emmy, e ainda levar em Melhor Minissérie. Se Fargo chegar para estragar a festa, aposte alto em Kirsten Dunst, que levou o Critics Choice Awards em sua categoria, em Jesse Plemons (Ator Coadjuvante), e em Jean Smart (Atriz Coadjuvante), que pode tirar a oportunidade de Regina King (American Crime) vencer pelo segundo ano seguido.
Entre os filmes televisivos, a briga vai ser entre velhos conhecidos: Bryan Cranston (o Walter White de Breaking Bad), que estrela All The Way como o ex-presidente americano Lyndon B. Johnson, e Kerry Washington (a Olivia Pope de Scandal), que interpreta a primeira juíza negra do supremo americano em Confirmation. Os favoritos do público devem se digladiar enquanto American Horror Story deve ter seu pior ano na história, aparecendo apenas, provavelmente, na segunda indicação do ano de Sarah Paulson.
Espere por aparições de outros astros nessas categorias, como Oscar Isaac (o Poe Dameron) por Show Me a Hero, Idris Elba (o Heimdall) por Luther, Benedict Cumberbatch (o Doutor Estranho) por Sherlock, Tom Hiddleston (o Loki) por The Night Manager, Anthony Mackie (o Falcão) por All The Way e John Travolta por American Crime Story.
Ainda esquecidos
O Emmy, assim como o Oscar, é melhor descrito por aqueles que o acompanham de perto como aquele filho mal-criado que nunca toma jeito. Nós sabemos das falhas dele, das limitações dele, e sabemos que certos preconceitos e problemas estarão incutidos nele para sempre. No entanto, é sempre um prazer vê-lo avançar (dois passos para frente, um para trás) em direção àquilo que consideramos ideal, mesmo que pelos caminhos tortos que ele escolheu. Ah, e só nós podemos realmente falar mal dele, também – não nos venha difamar o nosso filho.
A inclusão de uma Mr. Robot no radar da premiação, e as boas chances de The Americans são os passos na direção certa – mas ainda falta ampliar horizontes. Falta reconhecer que existe excelência na televisão de terror, especialmente em Penny Dreadful e Hannibal, duas das melhores séries da atualidade. Hannibal, em uma espetacular trajetória de três anos, passou sem nenhuma (nenhuma) indicação ao Emmy – adoraríamos ver Hugh Dancy e Mads Mikkelsen entre os indicados desse ano, mas sabemos que não vai acontecer.
Vai faltar também Matthew Rhys e Keri Russell, a dupla formidável de The Americans, que há quatro anos constroem duas das performances mais complexas e fascinantes do cenário televisivo – a cada ano melhores, eles não podiam passar mais uma temporada sem reconhecimento. E que tal Sense8, a ambiciosa e bela ficção científica do Netflix? A impressão que fica é que essas séries são “nicho demais” para o Emmy, dirigidas a um público fã de determinado gênero ou estilo, mas será que isso deveria significar que elas deveriam ficar de fora de uma premiação de credibilidade mundial?
No campo da comédia, vale lembrar que Mom, da CBS, vem sendo uma das sitcoms mais adoráveis e contundentes da TV americana há três anos, e passou sem indicações a não ser as de Allison Janney. E aí tem as pérolas internacionais também, que expõem um lado feio e exclusivista do Emmy, teoricamente dirigido só à TV americana – mas e Vicious, And Then There Were None, Deutschland 83 (que é alemã)? Esses títulos mereciam entrada na premiação mais prestigiada de suas mídias, e está na hora da academia abrir seus horizontes para tal.
E aí, a sua preferida entrou na nossa lista de previsões? Ou ficou entre as esquecidas? O Emmy pode muito bem ser imperfeito e, por vezes, nos deixa furiosos – mas todos nós sabemos que estaremos assistindo no dia 18 de setembro, quando Jimmy Kimmel entrar no palco para começar o show.
O Fala Série! retorna no próximo dia 17.