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The Handmaid’s Tale | Crítica - Piloto

Pensar no futuro é uma boa maneira para se pensar o presente. Talvez seja por isso que uma série de ficções científicas possuam um forte caráter político, não é diferente na nova série produzida pela Hulu, The Handmaid’s Tale. Baseado no livro da canadense Margaret Atwood, que aqui no Brasil recebe o nome de O Conto da Aia, The Handmaid’s Tale propõe construir esse diferente e repressivo futuro, que pode muito bem estar conectado com o presente do espectador.

The Handmaid’s Tale, então, narra a história de uma sociedade futurística dividida em castas, em que muitas mulheres não podem mais se tornarem mães. Para que haja a procriação dos mais ricos, existe a classe das Concubinas, serventes que devem entregar seus corpos para a proliferação dos comandantes, estabelecendo, dessa forma, uma sociedade com uma clara divisão de direitos entre as classes, mas também entre o masculino e o feminino. Com essa breve apresentação, já se nota a vontade da série em explorar temas que tocam a sociedade atual, como as representações das mulheres, o feminino e a ascendência social, a objetificação dos corpos, as disparidades entre classes e assim por diante.

A série focará na história de Offered (Elisabeth Moss), uma dessas concubinas, que devem prover as outras classes no quesito da procriação. O episódio piloto concentra-se em dar um panorama da vida passada da protagonista e do que ela deverá encontrar nessa nova sociedade reformada, ao que tudo indica. O presente da protagonista, recheado de opressão e de regras bem estabelecidas por um governo autoritário, convive com flashs de seu passado, da sua vida em família e principalmente de sua separação com sua filha, algo que desde a primeira sequência do episódio piloto fica claro que será a grande motivação da protagonista.

O primeiro capítulo da série pede, ou deseja uma adesão emocional junto da personagem principal, além de uma mínima compreensão do novo mundo que ela habita. Para isso, o roteirista Bruce Miller cria dois artifícios extremamente fáceis e cômodos, que sem dúvida alguma não são os mais interessantes ou funcionais. Através desses flashbacks há uma tentativa de criar uma conexão com a protagonista, todavia esse recurso torna-se exagerado, pontuando diversos momentos da trama, como se a narrativa principal não fosse capaz de aproximar espectador e personagem. O pedido por alguma substância emocional existe, quase que exclusivamente, a partir dessas lembranças. A artimanha narrativa, além de grosseira e óbvia, pode muito bem atrapalhar os rumos da trama.

Além disso, o roteirista constrói a imagem desse futuro através de uma narração em off daquela personagem, explicando quase tudo que ocorre por ali – quase, pois algumas informações são claramente supridas, a fim de serem exploradas nos próximos episódios. O recurso obviamente funciona, mas parece apenas um ato desesperado diante de uma impossibilidade prática, visual e objetiva de mostrar aquela nova sociedade. Esse é mais um recurso que enfraquece a trama, que torna aquela narrativa frágil, como se seus realizadores pudessem utilizar qualquer elemento narrativo apenas para facilitar sua vida. Basta notar como essa locução volta apenas quando é necessário explicitar algo que o episódio não dá conta, sem ser uma característica da série.

Evidente que o futuro representado pela trama é o que mais exala interesse até agora. Todavia, The Handmaid’s Tale é um tipo de distopia bastante específica, claro que o termo quer dizer algo oposto a uma utopia, ou seja, um futuro que não está condizente com o sonho do presente. Mundos em disfunção, com um futuro amedrontador e nada acolhedor. No caso dessa série, a distopia é abordada através de uma visão superestrutural, ou seja, fabula-se como seria o governo estabelecido nesse futuro, como as classes sociais seriam dispostas, evidenciando as regras e constituições desse novo mundo. Assim como fazem os clássicos, Admirável Mundo Novo e 1984.

De um tempo para cá, houve uma explosão na cultura pop de obras com essa característica distópicas caso de Jogos Vorazes e da Série: Divergente. Assim, o grande desafio de The Handmaid’s Tale é diferenciar-se dessas outras produções, não ser apenas mais uma distopia. O que mais parece interessante nesse sentido é a mistura entre passado e futuro presente no desenho de produção, o futuro imaginado aqui veste o conservadorismo em seus figurinos, as roupas das concubinas parecem ter saído de uma comunidade religiosa da era Vitorina, e esse estilo démodé convive com carros de última geração, armas tecnológicas e arquiteturas modernas, um visual que diz muito sobre aquela sociedade e os temas interessantes que a cercam.

Esse primeiro episódio, na busca por relevância em meio a tantas outras séries que estreiam nesse mês, possui um forte rigor estético, concebido pela diretora Reed Morano. Conhecida por seu trabalho na direção de fotografia, a realizadora estabelece um cuidado ao construir visualmente cada sequência, cada cena e cada plano, o desenho de luz explora uma iluminação que surge através das frestas, evidenciando que todo aquele mundo possui uma brecha passível de ser espionada, relacionando a estrutura repressiva de seu futuro com a estética da série. Além disso, o passado da personagem é representado através de momentos visivelmente belos, embelezando as memórias entre a protagonista e sua filha. The Handmaid’s Tale tem um desejo por chamar atenção e uma inteligente beleza visual comprova isso.

Em seu primeiro episódio, a nova série da Hulu demonstra pontos de interesse e outros de nulidade. The Handmaid’s Tale precisará ir além dos esforços de sua diretora para comprovar seu valor. O futuro abordado pela série mostra-se interessante, cabe à The Handmaid’s Tale compor uma narrativa intensa com o material que dispõe.

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