ATENÇÃO: SPOILERS A SEGUIR
Por Fernando Berenguel
Para explicar a natureza dos anfitriões do parque, no último episódio da 1ª de temporada de Westworld, Robert (Anthony Hopkins) faz uma leitura particular da obra A Criação de Adão de Michelangelo. Na pintura em questão, Robert explica para Dolores (Evan Rachel Wood) que o fato de Adão estar contornado por uma figura similar a um cérebro humano no momento em que foi criado por Deus representa que “o dom divino não vem de um poder maior mas de nossa mente”.
Este empoderamento em virtude da razão pôde ser observado na estreia da 2ª temporada da série especialmente através de Bernard (Jeffrey Wright). É este personagem que está no centro de ação da reestreia e que passará a comandar os principais acontecimentos no parque. Se na temporada anterior o ponto de partida era o universo de Dolores, nesta temporada a gênese dos acontecimentos se dá através de um confuso Bernard. Neste episodio de estreia, Westworld retoma seu elogiado existencialismo tão bem construído pelo roteiro e reinventa seu jogo de gato e rato com as máquinas passando a adquirir um novo papel na narrativa.
Logo na sequência inicial, o engenheiro da empresa Delos (Bernard) revela em um diálogo com Dolores que teve um sonho com ela para em seguida ter um dos questionamentos existenciais que dão o tom de toda a série “Sonhos não são reais mas na verdade o que seria o real? Somente aquilo que é insubstituível?”. A seguir, Bernard desperta em uma praia sendo resgatado por funcionários de Delos em meio a uma retaliação e um contra-ataque dos humanos. Comandados por um novo personagem chamado Karl Strand (Gustav Skarsgard da série Os Vikings), os humanos passam a assassinar a sangue frio todos anfitriões tentando assim conter a rebelião das máquinas. Este verdadeiro “mar de mortos” gerado pela guerra entre humanos e androides irá render uma das sequências mais emblemáticas da estreia com Bernard aos poucos recobrando sua memória e retomando seu legítimo papel na direção dos acontecimentos do parque.
Enquanto Bernard aos poucos vai tendo um despertar de consciência para uma natureza mais hostil, é Maeve (Thandie Newton) quem demonstra maior humanidade arriscando-se em prol da filha que continua a existir em um dos parques de Westworld. Seu comportamento em buscar a mentira na narrativa de que um dia ela foi uma mãe funciona aqui como um contraponto ao despertar racional dos demais anfitriões que passam a se orientar somente pelo instinto de luta por sobrevivência. Enquanto os androides se revoltam ao perceberem que foram criados apenas para servir a interesses escusos dos seres humanos, Maeve deixa o instinto materno falar mais alto partindo em busca da filha e conseguindo cooptar inclusive o rebelde Hector Escaton (Rodrigo Santoro) em sua jornada. As alterações na abertura da série que passam a incluir uma mãe andróide e seu bebê dão a dica do que pode estar por vir nesta segunda temporada. É Maeve também quem rende um dos diálogos mais inspirados da estreia em uma discussão fálica e metalinguística com o seu próprio diretor narrativo Lee Sizemore (Simon Quarterman).
Por fim cabe a Dolores a retomada dos acontecimentos do último episódio da temporada anterior, quando em meio a um discurso do criador do parque na festa de lançamento de uma nova narrativa, a criatura se rebelou contra seu próprio criador assassinando-o com um tiro na cabeça. Nesta estreia muitos convidados da festa passam a ser vítimas dos androides sendo assassinados ou feitos de reféns por eles. Alguns destes reféns inclusive passam a ser vítimas dos questionamentos éticos de Dolores que é quem melhor sintetiza o despertar de consciência dos androides. A personagem que se resumia a comportar-se como a inocente filha de um fazendeiro, novamente inverte o jogo de vítima e algoz desta vez colocando cordas nos pescoços de executivos da Delos ameaçando enforcá-los enquanto os questiona sobre suas atitudes escusas de dominação. Também é Dolores quem resume melhor a condição dos anfitriões rebeldes ao explicar que se lembra de tudo o que aconteceu com ela em todas suas vivências e que agora está disposta a interpretar “um último papel”: o papel de ela mesma. Resta saber se os próximos passos deste maior racionalismo dos androides os colocará no mesmo papel de dominadores ou até de vilões antes limitado somente aos dos seres humanos.