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Mostra SP | Crítica: Culpa

Depois de brilhar nos festivais de Rotterdam e Sundance, angariando alguns prêmios, além de ter sido o pré-selecionado filme dinamarquês para concorrer ao Oscar, a ser realizado no próximo ano, Culpa de Gustav Moller é uma grande revelação. Intrigante que essa grandiosidade da obra dinamarquesa se dá no uso de poucos elementos, elaboradas e montadas com mínimas ferramentas. Muito similar a outra expressiva obra também exibida na Mostra SP, o filme Trem das Vidas Ou A Viagem de Angélique de Paul Vecchiali. O diferencial está no fato que o filme de Vecchiali é mais propenso à reflexão do ser humano como uma entidade em desenvolvimento contínuo e, inacabado.

Já Culpa, consegue fazer o mesmo de direcionar a uma reflexão, mas com o intento do momento da quebra, da catarse. De se encontrar surpreendentemente e aleatoriamente com a redenção em um filme de mordaz entretenimento capaz de deixar a pessoa na poltrona contraindo os membros inferiores e superiores tamanha a tensão.

O longa de Gustav Moller nos apresenta o policial Asger Holm, que cuida das chamadas de emergência em uma delegacia na Dinamarca. Perto de acabar o seu turno, Asger atende uma ligação de uma mulher que foi sequestrada. Quando a chamada é desligada repentinamente, o policial começa, apenas usando do telefone e um computador, uma busca implacável para encontrar vítima e sequestrador. Correndo contra o tempo para salvar a vida desta mulher, logo, Asger percebe que está lidando com algo inesperado que o afeta intimamente.

É de impressionar as habilidades demonstradas por Moller no filme. A simples ideia de se construir um thriller tão imaginativo e elaborado como é Culpa, com eletrizante corrente, e ainda ser capaz de colocar sob análise o estado do ser humano perante as instituições que, supostamente, deveriam trabalhar a favor da justiça por uma resolução ponderada e racional, e em cima disso, acentuar humanizando o emparelhamento de nossas angústias, raivas e medos em busca de compaixão. Isso tudo, junto e misturado, funcionando como uma máquina devidamente lubrificada faz da obra exibida na Mostra SP algo de amplo impacto emocional, ao mesmo que meditativo.

No meio destas engrenagens, um destes elementos que mais se destaca, e também é o que seria colocado maior carga no fio narrativo, é o protagonista Asger Holm, em uma estupenda performance de Jakob Cedergren. Ajuda o fato do roteiro favorecer, de sólida construção a uma fluente e especulativa linha de tratamento.

A melhor palavra para definir a atuação de Cedergren em Culpa é: cirúrgica. Sem exageros, sempre no ponto certo. O ator sueco dinamarquês, em aproximadamente 90 minutos, passa por uma montanha-russa de emoções que espetam seus conflitos mais íntimos e questionam seu julgamento lógico, além do temperamento esquentadinho. Moller deixa a câmera sempre próxima do ator, com grandes close-ups, ou planos detalhe de suas mãos trepidantes sob o mouse do computador ou telefone. Essa escolha narrativa serve para nos aproximar do personagem, no seu melhor e pior, e funciona, pois somos atraídos para este suspense através dele.

Outro elemento em Culpa, parte da Mostra SP, que salta aos olhos, ouvidos e quaisquer sensores do organismo humano é a experiência imaginativa que o filme provoca no espectador. Como o longa se passa inteiramente dentro de uma delegacia de polícia, mais precisamente, em dois cômodos. Muito dele, deve ser visualizado e montado em nossas mentes. Enquanto Asger Holm conversa, sempre via telefone, seja com a mulher raptada, seu sequestrador, a filha pequena da mulher, outros policiais da central ou em serviço, somos instigados, com ajuda de uma edição de som impecável, a participar do filme. Aqui, o maior mérito de Gustav Moller: sequestrar a quem assiste com nosso consentimento.

Poderia ser mais uma obra produzida na Europa a comentar sobre o mal-estar do continente, como foi outro filme exibido na Mostra SP, o sueco Um Noir nos Balcãs, mas não, Culpa apresenta uma nota final diferente do que se espera. No geral, o longa dinamarquês não é nada do que se imagina, muito pelo contrário, vai pegar de surpresa tanto quanto foi pego o protagonista da história. Nada o que parece ser é.

Culpa é cinema engenhoso capaz de lhe tirar de seu lugar, levar a outro, e ao final perguntar se está fazendo o seu melhor.

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