Chega também à Mostra SP, outro projeto focando apresentar o mundo em ebulição que nos encontramos atualmente, com revolta nas ruas, gritaria, sangue e pura desolação ao final do dia. O cenário aqui é Londres, capital da Inglaterra, e o filme é Obediência do cineasta Jamie Jones, estreando na função de diretor em um longa-metragem ficcional.
Obediência narra a vida de Leon, um jovem que reside nos subúrbios do leste da cidade londrina que vê sua vida despedaçada ao se apaixonar por Twiggy, uma bela jovem moradora de bairro rico da cidade, mas que costuma frequentar os subúrbios junto de seus amigos. Enquanto Londres vive uma revolta nas ruas, iniciada pela morte de um jovem negro que se encontrava desarmado, Leon fica dividido entre os dois lados, tentar a vida ao lado da garota que está apaixonado ou lutar lado a lado de seus amigos contra a violência policial que ocorre nos bairros pobres da cidade.
Nem é possível afirmar que este tema, seja alguma novidade no cinema moderno, mas também nunca é demais, até porque, polarizado como anda o planeta, vive-se a um passo de testemunhar revoltas serem iniciadas. As cenas da obra britânica sendo exibida na Mostra SP são no mínimo, muito vigorosas e capazes de gerar tensão no espectador. A câmera repete o estilo, hoje mundialmente conhecido, de J.J. Abrams, mas especialmente, Paul Greengrass, famoso diretor dos filmes de ação da franquia de Jason Bourne.
Assim, temos cenas desfocadas, além da boa e velha trepidação, bem comum ao gênero. É duramente criticada esta forma de filmar, sendo acusada de pouco artística. Sim, este tipo de filmagem pode ser muito incômoda, e muitos cineastas exageram e se deixam levar além da conta, mas a crítica é injusta e equivocada. É uma escolha simples e de fácil compreensão usar essa câmera oscilante quando buscamos elevar tensão, mas ainda assim ajustada ao contexto da trama.
Se o longa de Jamie Jones sobrevive além da estrutura já conhecida, e situações cotidianas que acontecem nas regiões mais humildes pelas cidades do mundo, isso tudo se deve exclusivamente a um nome: Marcus Rutherford. É, uma boa possibilidade prever o jovem ator integrando parte da indústria hollywoodiana, pois têm predicativos para tal.
De grande carisma, e presença física marcante, devido principalmente sua altura, é ele quem carrega Obediência nas costas, se saindo bem nos melhores e piores momentos do seu personagem Leon, que lembra muito o trabalho de Sylvester Stallone em seu papel mais icônico, Rocky Balboa em Rocky: Um Lutador. Assim, como o personagem imortalizado na história do cinema, Leon também é um pugilista esquecido e desajustado do resto do mundo. Mesmo na fala tímida, quase que como dizendo apenas para si mesmo é possível perceber esta semelhança.
Mas, ao contrário do clássico de 1976, o filme em exibição na Mostra SP não é sobre o esporte. Não, pois ao final de Rocky: Um Lutador, eleva-se o espectador num fio de esperança de que é possível sonhar sair da situação ruim que se encontra e bater de frente com as probabilidades e terminar de cabeça erguida. Já, Obediência de Jamie Jones é uma tragédia anunciada, e infelizmente, irreversível.
O roteiro, também assinado por Jones, relata com naturalidade e dureza, a vida de quem vive a margem de todo o resto. E, principalmente, como estas pessoas estão, e se sentem muitas vezes, condenadas a esse destino sórdido. No longa, isso é exprimido via um romance improvável, entre a loira de olhos azuis Twiggy, papel de Sophie Kennedy Clark, muito competente como uma patricinha alternativa, e o protagonista da história.
Leon, vê Twiggy não apenas como uma saída, uma oportunidade. Da mesma forma, acredita que a bela moça possa instruí-lo para um mundo para o qual não se sente nada preparado, pois em sua insegurança e acanhação não saberia nem por onde começar.
Em cima disso, Jamie Jones recai sobre o típico cinema do mal estar europeu atual, e dá notas trágicas a vida de Leon. Nesta mistura de filme de viés social e adverso conto de fadas, do tipo onde o plebeu se apaixona pela princesa do castelo, tudo pode acabar ruindo, mas sabe-se que alguns tem mais “sorte” que outros. Marginal por marginal, uma calamidade.