Uma das melhores “sitcoms” atuais da televisão americana, One Day at a Time chega com sua terceira temporada ao Netflix sem o mesmo impacto emocional das duas primeiras, mas com um roteiro que continua trabalhando temas delicados com uma abordagem digna de louvor.
One Day at a Time é uma comédia familiar baseada em uma série de mesmo nome que durou nove temporadas no canal CBS, nos anos 70 e 80. Na época, a produção focava nos obstáculos enfrentados por uma mãe divorciada com duas filhas. Esta nova versão manteve tal premissa, mas adiciona uma camada de complexidade ao reimaginar a série com uma família latina, abordando, então, diversos temas comuns aos latinos nos EUA.
O alcance e a identificação da série não se limita à este grupo, no entanto, proporcionando diversos momentos de reflexão sobre a vida em família e debatendo temas sociais em evidência no mundo atual com descontração e naturalidade. As duas primeiras temporadas da série trouxeram episódios cuja relevância estava justamente na abordagem com que tais temas eram trabalhados, sempre de forma acessível e pouco afrontosa para o espectador. Os personagens de One Day at a Time não tem seus defeitos suavizados pela atmosfera cômica típica de uma sitcom. Ao invés disso, seus problemas são colocados em evidência pelos episódios, geralmente com a intenção de dialogar abertamente sobre obstáculos considerados “polêmicos”.
Elena (Isabella Gomez) e sua constante reflexão sobre identidade sexual e Penélope lidando com seu stress pós-traumático (um assunto importante nos EUA, relacionado aos veteranos de guerra que, assim como Penélope (Justina Machado), retornam com consequências psicológicas após a guerra) são apenas alguns exemplos do serviço social que a série se propõe a prestar, discutindo estes tópicos com a seriedade necessária, mas sempre com um equilíbrio notável entre tal seriedade e uma descontração envolvente.
Até mesmo Schneider (Todd Grinnell), que sempre serviu para mostrar uma perspectiva equivocada (ainda que inocente) de quem enxerga muitos destes tópicos de fora, teve seus próprios problemas para tratar nesta nova temporada. Igualmente importante de ser discutido, o alcoolismo também é um tópico cuja abordagem nem sempre é devidamente condizente com a realidade de quem passa por este obstáculo (sendo, muitas vezes, romantizado ou usado gratuitamente para tornar o personagem mais denso). Mais uma vez, One Day at a Time procura olhar para o problema de diferentes ângulos, e proporcionar, de forma abrangente, interações que explorem a situação de forma edificante para o espectador.
Esta terceira temporada começa lidando com seus personagens com menos momentos de definição, com as crianças mais velhas e Penélope melhor estabelecida, além de Lydia (interpretada pela maravilhosa Rita Moreno) toda jovial novamente, depois do susto da última temporada. Depois de tantos eventos intensos, este novo ano traz uma sensação de maior estabilidade para os protagonistas, e embora novas circunstâncias tenham sido implementadas para tentar manter uma certa tensão (como Alex e seu consumo recreativo de maconha), a série já começa a adentrar um terreno de pragmaticidade em que a grande maioria das “sitcoms” americanas costuma se acomodar.
Mas por mais que o aspecto mais memorável de One Day at a Time seja a sua abordagem de temas sensíveis, esta temporada continua sendo tão divertida e comicamente eficiente quanto as anteriores. Muitas das piadas e alívios cômicos surgem justamente da desenvoltura com que a série trata seus personagens. A complexidade com que Elena trata assuntos relacionados à identidade sexual, por exemplo, é apresentada com a devida importância pela série, mas também gera diversos momentos embaraçosos por conta de sua rigidez exagerada.
One Day at a Time é uma série que poderia ser classificada como “politicamente progressiva”. O “politicamente correto” que permeia tantas discussões sobre comédias, atualmente, é constantemente colocado sob uma ótica mais relevante por aqui, com a série se atendo aos princípios básicos do que é ofensivo ou não, mas também questionando os equívocos e contradições que o apego excessivo à este progressismo também pode gerar. Em um cenário completamente protegido e livre de confrontos, não seria possível discutir os defeitos destes personagens com a envolvente honestidade que a série procura manter em cada episódio.
Muitos episódios poderiam ser utilizados para exemplificar a maneira como a série estrutura seus debates em meio a comédia de uma forma marcante e, ao mesmo tempo, leve de se acompanhar. O segundo episódio aborda toxicidade masculina com um notável uso da dinâmica familiar, por exemplo. Mas, para mim, o posto de favorito fica com o nono episódio desta temporada, onde Penélope precisa lidar com seus frequentes ataques de ansiedade (outro tópico tão comum às discussões atuais, e ainda assim, tão mal ilustrado em várias produções).
Desde o uso de representações visuais, com a cena ficando em preto-e-branco toda vez que a personagem começa a imaginar os piores cenários em sua cabeça, até o último momento do episódio, quando o roteiro propõe um paralelo entre a meditação de Penélope e a reza de Lydia, em sua própria forma de lidar com a ansiedade. Tudo sempre tratado com leveza, para que o espectador assimile essas mensagens, mesmo que nem que esteja procurando por elas, e enaltecendo as diferentes perspectivas de seus personagens de forma inclusiva.
Nas últimas duas temporadas, o último episódio trouxe momentos de grande impacto emocional, primeiro com Elena em sua festa de quinze anos, e depois com Lydia em sua conversa com Berto no quarto de hospital. Esta temporada nem mesmo tentou reproduzir este tipo de clímax em seu último episódio (o que, convenhamos, seria uma tarefa difícil), e manteve-se segura em suas conclusões, deixando, apenas um divertido gancho para sua próxima temporada.
One Day at a Time continua demonstrando que possui total capacidade de providenciar debates relevantes para um público abrangente, e uma versatilidade invejável que colocaria a série como uma produtiva adição para a programação de vários canais, além de funcionar tão bem quanto, no acervo da Netflix. Novas temporadas devem continuar lidando com os tópicos em evidência no mundo, conforme os anos passam e providenciam ainda mais material para a série. Mas é justamente por conta de seu diálogo ponderado, que One Day at a Time dificilmente se tornaria cansativa ou datada. Se o envolvimento com os personagens vai conseguir se manter tão intenso quanto vinha sendo, até então, já é algo a se discutir daqui para frente.