Sexo, drogas e rock ‘n roll! Que clichê, não? Pode até ser, mas o que alguns veem como algo abominável, outros estabelecem isto como uma aspiração. Existem diferentes níveis de o quanto se almeja mergulhar neste lema que guiou a música por boa parte do final do século passado, mais especificamente dos anos 70 em diante. Alguns conseguem pegar mais leve, e levar isso tudo como uma curtição “sadia”, já outros pisam no acelerador até o fim sem medir quaisquer consequências, e adentram o mundo do caos abjeto e amoral completo. E, aí entra o Mötley Crüe mostrando que é possível fazer ainda pior na produção original Netflix The Dirt – Confissões do Mötley Crüe.
Dirigido por Jeff Tremaine, cocriador do programa de televisão Jackass, em sua estreia na função com uma história ficcional, narra parte da trajetória de uma das bandas de hard rock mais populares da história, com mais de 40 milhões de álbuns vendidos mundialmente. Nikki Sixx, Tommy Lee, Mick Mars e Vince Neil elevaram o grau do que é ser um rockstar na década de 80, com todo o seu glamour, e também com os vícios destrutivos, químicos ou de comportamento.
Falar de The Dirt, exige antes pontuar quem foi Mötley Crüe no cenário rockeiro dentro da história musical. Surgida em 1981, após o baixista Nikki Sixx sair da banda London, e se juntar com o baterista Tommy Lee, a banda viria a se tornar uma sensação nas casas de show de Los Angeles com apresentações enérgicas lideradas por um dançante Vince Neil, vocalista do grupo. Mais a guitarra veloz do membro mais velho entre eles, Mick Mars, nascia banda e música que seriam um farol de um estilo de vida que mirava excessos, em todos os sentidos.
Um erro grave que se comete, geralmente, ao analisarmos a carreira do Mötley Crüe é a de definir que o grupo sempre foi mais estilo que música. Pensamento equivocado, mesmo considerando que os quatro integrantes usavam quase tanta maquilagem quanto drag queens, além de cabelos volumosos como a atriz Cláudia Raia na telenovela Rainha da Sucata. Os quatro jovens foram a representação mais festeira do que era a vida na famosa rua Sunset Strip e todo o cenário musical que tomou Los Angeles nessa época.
Assim, cai como uma luva o envolvimento de Jeff Tremaine no projeto, diretor de TV já acostumado com feitos absurdos, excessivos e até grotescos. Apesar dos primeiros vinte minutos centrados em lugares-comuns, além de uma resolução frouxa demais para uma banda tão elétrica como eles são, dá para se tirar algo de notável no trabalho de Tremaine dirigindo sua primeira ficção. Com apenas dois minutos, o diretor consegue apresentar a identidade do que será seu longa, atraindo aqueles que admiram testemunhar ou ser parte de um estilo de vida descomedido, e afastando os que sentem repulsa nestas atitudes infames.
Outro acerto em The Dirt – Confissões do Mötley Crüe vem pelo roteiro de Tom Kapinos, Amanda Adelson e Rich Wilkes que soube equilibrar bem uma narrativa que cobre a vida de quatro pessoas. Todos os integrantes têm a sua vez na obra de Jeff Tremaine, até narram e quebram a quarta parede em breves momentos. Um fio narrativo que atira para tudo o que é lado, assim como o próprio grupo.
O enredo ainda faz melhor, consegue definir com boa caracterização e clareza quem são cada um dos membros na banda. Nikki Sixx é o desajustado da vida, porém egocêntrico e por vezes, tirano; Tommy Lee é o mais imaturo e brincalhão, elementos extremamente perigosos quando enervados; Mick Mars é o cínico, irônico esquisitão; e o frontman Vince Neil é o narcisista sem limites. Todos eles exibem construção e tratamento adequados em cada uma de suas jornadas pessoais dentro do grupo.
Também todos os atores executam um bom trabalho em cena, com destaques para Douglas Booth como o baixista Nikki Sixx, e Daniel Webber como Vince Neil. E, surpreende o trabalho de Colson Baker, mais conhecido como o rapper Machine Gun Kelly interpretando o frenético baterista Tommy Lee.
Para um trabalho de iniciante na ficção, Jeff Tremaine não fez feio nesta produção original da Netflix sobre o Mötley Crüe. Foi capaz de apresentar os dois lados bem extremados da loucura caótica que é a vida e estilo de um rockstar. E, poucos conseguiram ser isto no mesmo nível que eles até os dias de hoje!