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Crítica | Happy Hour: Verdades e Consequências

Há filmes que buscam a coerência narrativa, há outros que buscam uma coerência estética e há outros que procuram na total incoerência uma espécie de unidade. Incoerente, Happy Hour: Verdades e Consequências procura, procura e procura, mas não acha em meio à enorme bagunça que criou para si mesmo em suas pouco mais que 1 hora e meia de duração.

Desde o início do longa de Eduardo Albergaria, nota-se o excesso de elementos narrativos, tons e registros diferentes forçados a conviver entre si, com o perigo do todo ser anulado. Tudo começa com a introdução de um bandido-aranha, cujos atos de delinquência tem chocado o Rio de Janeiro, cidade onde o filme foi rodado – trata-se de uma co-produção Brasil-Argentina.

Por pura coincidência, Horacio (Pablo Echarri), um escritor frustrado – que novidade! – acaba se envolvendo em um acidente com o aranha, que cai de um prédio diretamente em seu carro. Mas como que todos acham se tratar de um atropelamento, Horacio é considerado um herói municipal, tendo então que lidar com a consecutiva atenção da mídia. Esta, por incrível que pareça, não é a premissa.

A esposa de Horacio, Vera (Letícia Sabatella), é por sua vez uma deputada que concorrerá agora ao cargo de prefeita, sob o conselho de outros políticos duvidosos. Para conseguir o cargo, deve manter sua imagem pública limpa, e isso inclui a relação com o marido herói, que justo agora quer abrir o relacionamento devido às muitas garotas que começam a desejá-lo nas ruas. A relação vai por água abaixo.

Pegando carona no estrangeirismo de Horacio, pode-se dizer que os primeiros minutos de Happy Hour são como uma mala de viagem na qual o proprietário tentou encaixar todas as roupas e itens que tinha, sem nunca conseguir fechá-la. Embora condiga com a farsa, o excesso de elementos a serem estabelecidos por Albergaria adiam, por sua vez, o estabelecimento de sua real premissa, que é o casamento.

Albergaria, desde então, emprega técnicas antagônicas para tratar de cada um desses pontos em um só pacote. Para desenvolver o arco do aranha e da fama indesejada de Horacio, ele investe no farsesco e na comédia escrachada, reforçada pelos comentários de apresentadores de TV – todos interpretados por comediante, Fernando Caruso entre eles. A farsa também é parte do arco de Vera como política.

Porém, para construir o núcleo do casal, o registro é outro. Capta as discussões deles com uma câmera na mão imediata e faz uso constante de uma trilha dramática para comunicar a melancolia que se exaspera entre os dois. Há ainda o fato de que eles tem um filho juntos, fato que o próprio longa parece esquecer, que também é usado como artifício manipulador – artifício, aliás, é uma palavra chave.

Albergaria troca de forma repetitiva entre as duas chaves, sem estabelecer um ponto de ancoragem convincente que as torne compatíveis. Por mais que falem disso em diálogos, não há uma relação natural de causa e efeito entre as esferas pública e privada de suas vidas. Porém, o pior dos problemas é a falta de química de Echarri e Sabatella e os frouxos diálogos, que transparecem zero intimidade.

Para comprar o conflito, temos que ao menos nos importar com aqueles que serão afetados, e este não é o caso em Happy Hour. Horacio, mais do que tudo, mostra-se um sujeito tóxico, mesmo que o longa tente embelezar ou justificar suas atitudes em uma desculpa de amor livre. Sua redenção é questionável, já que se pauta em uma reviravolta gratuita – aí está o artifício de ser um escritor frustrado.

Pois bem, se tudo o que ocorreu estava em sua imaginação – algo reforçado pela sequência dos créditos finais -, porquê Horacio não imaginou uma história melhor? Talvez sua falta de disciplina na escrita seja a causa para um roteiro tão atrapalhado e indeciso, que ainda não possui nenhuma noção de ritmo interno – a introdução estufada e acelerada, seguida de um meio repetitivo, faz o todo parecer interminável.

O que o torna insuportável, no entanto, é o olhar alienado que Albergaria revela do solo brasileiro. O Rio de Janeiro, segundo ele, está cheio de macacos nas ruas e ninfetas à procura de sexo – quase um remake de Feitiço do Rio. Para retratar o político de Chico Díaz, aliás, usa uma cafona deixa musical com instrumentos de sopro indígenas, recurso batido nos longas da década de 80 e 90 rodados em nosso país ou na América Latina.

Happy Hour: Verdades e Consequências é incoerente com seu título original, já que não há nada que remeta ligeiramente a esse período do dia – ok, talvez o filme seja congestionado como as vias. É incoerente com seu tempo, já que apresenta uma visão retrógrada e já muito criticada do Rio. É incoerente com os conflitos amorosos, já que não há química nem amor. Entre tantos aspectos, é a definição de incoerência.

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