O primeiro papel de Sylvester Stallone não foi Rocky Balboa, o lutador de boxe que lhe rendeu o Globo de Ouro no último domingo (10), na cerimônia de premiação da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. Famosamente, seu primeiro crédito em longas-metragens é O Garanhão Italiano (1970), um pornô softcore em que Stallone interpreta metade de um casal que trás três amigas para uma “festinha” no apartamento.
O título dessa pequena curiosidade do início de sua carreira seria depois usado para apelidar o personagem Rocky, que ele mesmo criou em 1976, depois de alguns outros papeis em filmes (o mais famoso deles sendo o clássico cult Corrida da Morte, refeito em 2008 com Jason Statham no papel que fora de Stallone). Escrito por Stallone e dirigido por John G. Alvidsen (Karate Kid), Rocky foi um furacão na temporada de 1976 – tendo custado muito pouco, rendeu mais de US$ 100 milhões de bilheteria só em terras americanas, e levou 10 indicações ao Oscar (das quais ganhou três, incluindo Melhor Direção e Melhor Filme). A partir daí, um astro nasceu.
Seis anos e mais dois filmes de Rocky depois, Sylvester Stallone nos deu sua segunda criação icônica: John Rambo. O filme de 1982, intitulado no Brasil Rambo – Programado Para Matar, deu origem a uma franquia bem mais criticada por sua violência exagerada e pelo seu simbolismo bélico. Gerando o pico da popularidade de Stallone, Rambo sobrevive hoje como a representação maior de uma época de heróis de ação anabolizados, mesmo que o tom de seu primeiro filme, co-escrito por Stallone, tenha sido bem mais sóbrio e bem-desenvolvido.
Juntas, as franquias estreladas por John Rambo e Rocky Balboa colecionam a marca notável de 11 filmes (4 Rambos, 7 Rockys), ocupando a maior parte da carreira de Stallone durante os anos 80, e sendo revividas novamente pelo astro mais recentemente – com Rocky resistindo bem melhor ao teste do tempo, há de se dizer.
Nos anos 90, Stallone arriscou se tornar uma paródia de si mesmo, mas não são todas as coisas dos anos 90 uma paródia ruim das coisas dos anos 80? Principalmente no cinema. Ele se arriscou em comédias lamentáveis, entre as quais talvez a mais lembrada seja a ridiculamente intitulada Pare, Senão Mamãe Atira!, de 1992. Era a moda da época, heróis de ação fazendo comédias, e Stallone já admitiu em entrevista que a competição entre ele e Arnold Schwarzenegger na época era tão acirrada que, se ele ouvisse falar que Arnold estava fazendo determinado tipo de filme, ele iria fazer também.
Com bilheterias correspondendo cada vez menos às expectativas, Sylvester Stallone se permitiu um tempo de folga durante os anos 2000, com raras aparições (como o memorável vilão de Pequenos Espiões 3-D) antes de Rocky Balboa, que chegou em 2006 para ressuscitar não só o personagem mais clássico do ator 16 anos depois de seu último filme, mas também a carreira de Stallone. A bem-sucedida franquia Os Mercenários, um gostoso pastiche que reúne todos os astros de ação do passado e do presente, garantiu ao ator a estabilidade, enquanto filmes como Rota de Fuga (2013) e Ajuste de Contas (2013) o uniram com velhos amigos (e, de certa forma, rivais) das décadas anteriores, como Robert De Niro e Arnold Schwarzenegger.
Há quem diga que é patético o fato da carreira de Stallone ser, atualmente, tão apoiada na nostalgia (já cansada) dos anos 80. Prestes a completar 70 anos de idade (no próximo dia 07 de Julho), ele é o exemplo mais claro, hoje em dia, da forma como Hollywood usa e descarta seus astros de ação. Nos anos 80, época dos excessos, época em que a cultura pop parecia viver de anabolizantes, Stallone era um símbolo – hoje, é apenas um ator, diretor e roteirista, de talento tremendo e pouco apreciado, querendo sobreviver. Talvez por isso seus filmes ressoem tanto emocionalmente hoje em dia, e talvez por isso seu talento tenha voltado à temporada de premiações esse ano, com Creed: Nascido Para Lutar (derivado da franquia Rocky(, que lhe garantiu o Globo de Ouro.
Em sua mistura de metalinguagem e franca nostalgia, o eterno Rocky Balboa nos parece muito mais próximo agora do que parecia quando ainda era o Garanhão Italiano.