Com a estreia de Fuller House, série derivada da Netflix para a clássica Três é Demais, fica a pergunta: como criticar um produto, sem piedade, enquanto se elogia o instinto que levou a sua criação? A ambição da Netflix, cada vez mais poderosa, em criar reboots e mais reboots de séries que há muito tempo deixaram a programação das redes tradicionais de TV, nos trouxe a minissérie de Wet Hot American Summer, a ressurreição de With Bob and David e Arrested Development, e a produção de uma temporada final de Gilmore Girls. Fuller House, no entanto, é um perverso resultado desse poder de criação.
Não há melhor argumento contra a nova série do Netflix que seu piloto, resgatando a premissa do pai solteiro (John Stamos) que chama seus amigos mais próximos para morar em sua casa à fim de ajudar a criar suas três filhas – é uma premissa de sitcom clássica, uma lamentável e ainda assim estranha volta ao passado em que as comédias televisivas eram menos inovadoras (e interessantes). O piloto em seguida nos leva para 29 (?) anos no futuro, para nos mostrar que nada mudou na família que conhecemos nos anos 80, mesmo que, apesar de suas paixões e rumos de carreira não tenham evoluído muito, a família Tanner se vê obrigada a se mudar para longe de San Francisco.
Mais coisas mudaram para as crianças, obviamente: Stephanie (Jodie Sweetin) se tornou uma DJ famosa, o que causa inveja na original D.J. Tanner (Candace Cameron Bruwe), que acabou virando uma veterinária. A melhor amiga de D.J, Kimmy (Andrea Barber) também está por perto, tão sem noção quanto sempre foi – é conveniente que a família toda volte à San Francisco para D.J., tentando reconstruir sua vida após a morte do marido, Tommy. Assim, D.J. acaba tendo que lidar sozinha com os três filhos, fazendo com que a única Tanner ausente seja Michelle, visto que tanto Mary-Kate quanto Ashley Olsen recusaram retornar para o papel que as fez famosas quando crianças.
Com 35 minutos de duração, o episódio piloto parece interminável. Ao mesmo tempo, é impossível culpá-lo por isso, visto que Três é Demais (Full House) teve um fim abrupto em 1995, sem a oportunidade de dar a si mesma um series finale digno de suas 8 temporadas. O problema é que Fuller House não é estruturado como o final de uma série que desperta memórias calorosas de seus fãs, mas o começo de toda uma nova história – o humor do episódio piloto, largamente emprestado da agora datada série original, é incapaz de sustentar os 12 episódios que o Netflix encomendou, e Fuller House tem pouco a oferecer senão uma rápida olhada em uma época já passada.
A ideia de D.J. voltando à casa da família após a morte do seu marido, pedindo a Stephanie e Kimmy que ajudem a criar suas filhas, é uma mera repetição da premissa original, e não se sustenta no sentido emocional em que Full House funcionava perfeitamente como sitcom. A honestidade da série original era toda a sua virtude, mas Fuller House parece um exercício cínico de nostalgia, trazendo personagens e convidados da série original de maneiras que soam totalmente artificiais, e nunca criando uma identidade que é só sua.
A nova série tem seus bons momentos, no entanto, especialmente na performance de Andrea Barber e na construção da personagem de Kimmy, bastante engraçada ao mesmo tempo em que parece uma evolução natural da personagem que deixamos para trás duas décadas atrás. Na maior parte do tempo, no entanto, Fuller House evoca versões sexualizadas e adultas de personagens que, na memória do público, seguem eternizados como crianças.
A nova investida do Netflix em ressuscitar um elemento da cultura pop é tremendamente falha, mas ainda é preciso encorajar a atitude – afinal, o próximo Wet Hot American Summer pode estar por aí, esperando acontecer.
Fuller House terá sua primeira temporada disponibilizada pela Netflix em 26 de fevereiro.
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