O casal disfuncional favorito da Netflix está de volta na segunda temporada de The End of the F World, com seu humor negro ainda tão afiado quanto antes, e evoluções atraentes para seus protagonistas problemáticos.
A primeira temporada de The End of the F World chegou de surpresa dois anos atrás, conquistando mais fãs mundo afora do que qualquer um seria capaz de prever. E para todos que estavam esperando ansiosamente a continuação da jornada de James e Alyssa, este segundo ano consegue, felizmente, ser mais do que apenas uma temporada de consequências.
Foi um longo hiato para a série, ainda mais quando se considera a curta duração dos episódios, mas percebe-se que os roteiristas tiveram espaço suficiente para encontrar a história que gostariam de contar, ao invés de apenas continuar empurrando estes personagens em uma mera temporada encomendada. A dinâmica da série se encontra consideravelmente alterada, mas os temas e propósitos que podem ser observados no desenvolvimento de James e Alyssa, continuam evidenciados para o espectador acompanhar em meio aos absurdos cometidos pelo casal.
Logo no início, The End of the F World nos apresenta a nova personagem, Bonnie, interpretada por Naomi Ackie, que tornará a dinâmica entre os protagonistas ainda mais tensa. A personagem ganha destaque neste o primeiro episódio, narrando a sua perspectiva sobre os eventos da primeira temporada, e nos revelando sua relação com o professor maníaco que, no fim, foi assassinado pelo casal. Alheia (ou em negação) aos horrores do professor, Bonnie fica devastada pela morte no namorado, e parte em busca de vingança contra os protagonistas.
Aqui, já temos um ótimo exemplo de como o humor negro desta série britânica (britânicos costumam ter abordagens peculiares para humor) consegue alcançar um equilíbrio produtivo para que o espectador acompanhe tramas realmente desconcertantes, nem um pouco engraçadas na superfície, mas com um tom narrativo que permite o distanciamento necessário para gerar comédia. A situação de Bonnie, então, chega a ser tão absurda, que a falta de reconhecimento deste absurdo chega a ser incomodamente cômica.
A delicadeza de se construir piadas em cima de contextos como este não deve ser subestimada, e quando bem trabalhada, merece a atenção de que está acostumado com o estilo americano de se fazer humor negro através de transgressões e choques descarados. Basta observar os dois protagonistas, cujas trajetórias são marcadas pela tragédia, e a série não procura abstrair este sentimento melancólico, mesmo quando propõe momentos de redenção ou de superação otimista. A graça por aqui, não está no quão provocativos são estes personagens, mas sim no quão cínica é a aceitação de suas mentalidades pela série.
Perto do final, há uma cena onde um policial menciona o assassinato que estava investigando, e diz que não pode falar muito sobre, mas claramente está morrendo de vontade de impressionar a ouvinte com detalhes violentos. Há aqui, talvez, uma observação da série sobre seu cenário de absurdos aceitos, apontando uma hipocrisia entre repudiarmos os aspectos mais violentos e sádicos de nossas personalidades, mas ainda assim, pararmos para observar um acidente na estrada com grande interesse e curiosidade. E esta, provavelmente, também é uma justificativa para o sucesso da série com públicos tão diferentes, além dos britânicos.
Mas é preciso notar, também, como The End of the F World retorna para esta segunda temporada tentando manter a atmosfera de tensão que funcionava em seu primeiro ano. Antes, no entanto, esta tensão vinha por conta dos pensamentos de James, que poderia assassinar Alyssa a qualquer momento (enquanto Alyssa, por sua vez, mal parecia se importar com a possibilidade). Desta vez, James já não possui mais os mesmos impulsos, e Alyssa já não é mais tão despreocupada, depois de ambos terem passado pela experiência traumática com o professor.
Mas com Bonnie atrás do casal, e eventualmente viajando com eles, voltamos a ter a sensação de perigo que proporciona aquele nosso “riso nervoso” conforme a história avança. As narrações continuam sendo essenciais para gerar a comédia em cima desta tensão, com os protagonistas expondo seus pensamentos, complementando e direcionando a perspectiva de cada cena (geralmente, em direções preocupantemente desdenhosas).
Apesar da curta duração de cada temporada, a trama de The End of the F World parece se estender bem mais do que costuma ser o caso em episódios de vinte minutos. Em parte, isso se deve ao fato da série ser construída como um filme de quase três horas, e consequentemente, uma maratona pode trazer a sensação de se estar assistindo a um filme longo demais. De forma episódica, no entanto, a narrativa torna-se mais palatável, porém perde impulso em certas viradas essenciais do roteiro.
Esta segunda temporada também nos traz algumas mudanças de cenário, mas nada que seja suficiente para mudar a estética da série como um todo. E é preciso reconhecer que, visualmente, a produção britânica não chama tanta atenção de quem está procurando comèdias tão excêntricas quanto a proposta da série poderia dar a entender. Britânicos estão acostumados a visuais menos espalhafatosos, mesmo em uma comédia baseada em HQs, mas acho curioso notar como o resto do público internacional foi capaz de abraçar uma atmosfera tão simples quanto esta.
È claro que The End of the F World só consegue tirar o melhor proveito de seu cinismo e de seus absurdos, por conta das interpretações do casal Jessica Barden e Alex Lawther, que canalizam a misantropia de seus personagens de forma mesmerizante. Apesar de seus comportamentos condenáveis, é fácil se identificar com Alyssa quando esta se estressa com um estranho lhe dizendo para “sorrir mais” (e nos faz querer agir com tanta franqueza quanto ela), ou simpatizar com o sentimento de não-pertencimento de James.
Mas no fim, ambos os protagonistas passam por um transformação ainda mais relevante do que no primeiro ano, e apesar de suas personalidades destrutivas, conseguem reconhecer caminhos mais construtivos um no outro. A relação do casal é o toque essencial de uma série que está constantemente tirando sarro das emoções alheias, mas que no fim, só tem olhos para a resolução emocional de dois personagens que não necessariamente precisam um do outro, mas que com certeza estão melhor juntos.