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Crítica: Clickbait – 1ª Temporada

Série de mistério da Netflix comete pequenos exageros, mas é arrojada e clara nos argumentos

Durante a primeira década do século, fomos apresentados à terminologia Web 2.0, que se refere a sites que enfatizam o conteúdo gerado pelo usuário com facilidades para o uso, cultura participativa e interoperabilidade (ou seja, compatível com outros produtos, sistemas e dispositivos) para usuários finais.

Um pouco complicado de entender, não?

Vamos simplificar: um site da Web 2.0 permite que os usuários interajam e colaborem uns com os outros por meio do diálogo nas mídias sociais como criadores de conteúdo digital gerado por estes mesmos usuários em uma comunidade virtual.

Melhorou?

Então, tal definição mostra exclusivamente o lado positivo disponível às pessoas. Obviamente, nem todos pensam e enxergam desta maneira, como é o caso de Andrew Keen, autor e empreendedor britânico-americano que é um crítico ferrenho à Web 2.0, particularmente conhecido por sua visão de que a cultura atual da Internet pode estar degradando a própria cultura.

Alguns tantos contra-argumentam Keen, afirmando que o escritor é extremamente unilateral em suas dissertações assertivas. Comentários devidamente justos, porém, não dá para negar que seus pensamentos servem como uma verificação de realidade da Web 2.0 muito necessária, ainda mais em tempos recentes.

Entra em campo Clickbait, nova produção original da Netflix, que exerce um belo papel ao argumentar ambas as frentes de pensamento, abrindo o terreno virtual como uma área para todas as possibilidades, assim, deixando seu assinante matutando como tem lidado com suas próprias redes sociais, por exemplo.

A minissérie encabeçada pela dupla Tony Ayres e Christian White, nos envolve em mistério quando o homem de família Nick Brewer (Adrian Grenier) é sequestrado em um crime com uma reviravolta on-line sinistra, fazendo com que as pessoas mais próximas dele corram para descobrir quem está por trás disso e por quê.

Um suspense envolvente

Não é novidade que o mínimo necessário para se elaborar um suspense convidativo, vem pela construção de personagens que sejam capazes de movimentar suas ações, enquanto revelam-se novos elementos que alteram aos poucos nossa percepção de como testemunhamos tais acontecimentos propostos pelo enredo.

Considerando que este é o conceito mais básico, é possível afirmar que Clickbait cumpre à risca tais preceitos, instalando um mistério do tipo ‘whodunit?’ (no traduzido, ‘quem é o culpado?’), ao mesmo tempo que comenta alguns dos males da internet, de modo inteligível, empático, e principalmente, viciante como forma de entretenimento.

Será muito fácil para o assinante Netflix, clicar rapidamente para o episódio seguinte e, acompanhar esta história de um homem que vai se revelando cada vez mais, enquanto encontra-se desaparecido de sua vida cotidiana.

Talvez Clickbait não consiga se equiparar aos parâmetros da ótima série espanhola O Inocente, também uma produção original Netflix, mas acerta ao estabelecer seus episódios de uma forma onde podemos acompanhar detalhes específicos de cada uma destas peças do tabuleiro.

Cada movimento, não nos aproxima mais da verdade, e sim, da dúvida sobre o quê acreditávamos era verdade. Lembrando que contos de mistério não são sobre descobrir a sombra por de trás da interrogação, mas curtir a jornada sinuosa ao passo que se vê questionando as razões para algumas atitudes tomadas pelas figuras em cena, e talvez, se não fez ou faria exatamente como estas.

Internet do bem Vs. Internet do mal

Retornando aos conceitos dissertados por Andrew Keen, observamos que uma das propostas desta produção criada por Tony Ayres e Christian White, era de alertar sobre os perigos da chamada World Wide Web, especialmente com as redes sociais, que abrem espaço para alguns dos piores comportamentos humanos atualmente.

O autor britânico-americano questiona como mídias sociais, normalizam atos de violência simbólica ou verbal através da obscuridade de nossas identidades virtuais, que nos permitem manifestar quaisquer pensamentos tivermos, mesmo os mais sórdidos, sem arcar com as consequências de nossos atos, já que não estamos lá para ver qual o impacto de nossas palavras e ações nas vidas daqueles que sofreram tal ataque. A infame frase “faço o que quero, dane-se o resto!”

São vários os momentos em que Clickbait repete a criticada, porém madura Sex/Life, série da Netflix que abordou com clareza, nossas escolhas e as consequências decorrentes destas.

Só para citar alguns exemplos: no episódio ‘O investigador’, testemunhamos vários jovens fazendo uma daquelas brincadeiras de muito (!) mau gosto, atormentando Pia (Zoe Kazan), irmã de Nick Brewer, enquanto filmam com seus celulares na tentativa de viralizar vídeos da pobre moça tentando não ter um ataque de pânico a céu aberto; agora, em ‘O repórter’, observamos os resultados de um profissional do jornalismo que cruza os limites do bom senso e respeito, tudo para conseguir a matéria perfeita que pode alavancar sua carreira.

Também muito inteligente por parte dos criadores escrever ‘O filho’, onde vemos o outro lado da moeda. Quando uma rede social consegue aproximar dois seres dignos, mas que sofrem para encontrar seu lugar no mundo real.

“Cabeça vazia, oficina do Diabo”

A maior surpresa, tanto como cinema de gênero quanto pela temática intencionada, veio no episódio derradeiro ‘A resposta’, onde será revelado quem estava por de trás de tamanhos infortúnios assistidos em Clickbait, assim como uma quebra de paradigma muito bem-vinda!

Quando percebemos em uma cena ‘flashback’, um dos personagens jogando as cartas de Paciência (em inglês, Solitaire, que significa “Solitário”), notamos que os responsáveis pelo texto dessa minissérie, também souberam detalhar que um dos piores inimigos da solidão e vazio existencial agem por meio da Internet e suas milhões de possibilidades alcançáveis.

São mais afetados, geralmente, aqueles que se sentem mais vulneráveis e carentes de qualquer forma de afeto em suas vidas reais.

Em Clickbait, o que começou apenas como uma inocente brincadeira de faz de conta, transferiu-se para a realidade de maneira destrutiva. Exaltando, mais uma vez, que o maior perigo aqui não é a Web 2.0, mas, nossas inseguranças e fobias.

É como dizem, mais perigoso que a arma, é o indivíduo com o dedo no gatilho, ou neste caso, a mão que leva o mouse e o indicador que aperta o ‘Enter’.

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