Provavelmente já ouviram falar no nome de Shonda Rhimes, mesmo que não saibam exatamente o que ele significa, especialmente na Hollywood atual.
Para estes que desconhecem à figura, vamos lá!
Shonda Rhimes é uma produtora de televisão americana, roteirista e autora bem-sucedida. Ela é mais conhecida como a showrunner – criadora, escritora principal e produtora executiva – do drama médico televisivo Grey’s Anatomy, além de seu spin-off Private Practice (2007 – 2013) e da série de suspense político Scandal: Os Bastidores do Poder (2012 – 2018). Rhimes também atuou como produtora executiva da série de televisão Como Defender um Assassino (2014 – 2020) e o segundo spin-off de Grey’s Anatomy intitulado Station 19.
Em 2007 e 2021, Rhimes foi nomeada pela revista Time em sua lista anual das 100 pessoas mais influentes do mundo. Em 2015, ela publicou seu primeiro livro de memórias, Year of Yes: How to Dance It Out, Stand in the Sun, and Be Your Own Person (no traduzido, Ano do Sim: Como Dançar, Ficar ao Sol e Ser sua Própria Pessoa). No ano de 2017, a Netflix disse que havia firmado um acordo de desenvolvimento de vários anos com a poderosa e influente Rhimes, pelo qual todas as suas futuras produções seriam séries originais feitas exclusivamente para a plataforma de streaming.
Resumindo: Shonda Rhimes é uma mulher negra (!) na casa dos cinquenta anos de idade que conseguiu mostrar ao mundo seu real valor e talento para os negócios, conquistando o apreço e atenção de pessoas muito influentes na área financeira, assim como do público que acompanha sua carreira e escolhas com enorme carinho, vide o sucesso estrondoso de Grey’s Anatomy que está em sua décima oitava temporada!
Voltando ao acordo firmado com a Netflix em 2017: Rhimes já entregou sua primeira mina de ouro como produtora executiva através de Bridgerton, que está prestes a disponibilizar sua segunda temporada, tendo renovado o contrato, garantindo terceira e quarta temporadas para os próximos anos.
Agora, chega Inventando Anna, minissérie dramática criada e produzida por Shonda Rhimes, inspirada no artigo da revista New York intitulado “How Anna Delvey Tricked New York’s Party People” (no traduzido, Como Anna Delvey Enganou os Festeiros de Nova York) de Jessica Pressler, que conta o caso de uma jornalista (Anna Chlumsky) que resolveu investigar a prisão de Anna Delvey (Julia Garner), uma suposta herdeira alemã que é uma lenda do Instagram, responsável por roubar os corações e o dinheiro de alguns membros da elite novaiorquina.
Vivian Kent X Anna Delvey
Lendo a sinopse não fica muito difícil se interessar por essa história, uma vez que surge aquela pergunta insistente que tenta imaginar como uma jovem na faixa dos vinte anos de idade conseguiu fazer de bobo tantas pessoas da alta sociedade americana?!
É esta mesma pergunta que está tirando o sono de Vivian Kent – uma jornalista investigativa que busca se reerguer na carreira após um erro cometido no passado – assim como o nosso, assinantes da Netflix.
No entanto, após os créditos finais do último episódio da longa (!) minissérie, ainda estarão se questionando como Anna Delvey conseguiu tal façanha, principalmente porque nunca mostrou sapiência, ou mesmo algum traço de simpatia por aqueles à sua volta, ainda fazendo questão de diminuir e questionar algumas atitudes ou mesmo as personalidades destas pessoas que circundavam ela.
De todos os equívocos da criadora Shinda Rhimes, não restam dúvidas que o maior foi na apresentação e desenvolvimento da sua dupla principal, Vivian Kent e Anna Delvey, interpretadas pelas atrizes Anna Chlumsky e Julia Garner, respectivamente.
Ambas protagonistas são retratadas de uma maneira que fica dificílimo – para não dizer quase impossível – de se relacionar, ou até mesmo empatizar com elas. Suas duras batalhas para conseguirem algum espaço (independente de méritos), apenas parecem se espelhar, porém, ficam perdidas em alguns comentários intencionais de teor socioeconômicos feitos pelo texto de Inventando Anna, que falham de modo retumbante na missão de mostrar o que significa a América, assim como o povo americano.
Tal base mal estruturada afetou diretamente nas performances de suas atrizes principais, especialmente Anna Chlumsky (Meu Primeiro Amor; O Fim da Turnê; Veep). Temos aqui duas atuações estritamente monocromáticas e unidimensionais que exprimem estridência usando de duas variações de uma mesma caricatura pobremente retratada: à figura da mulher que tenta quebrar as correntes e vencer em uma sociedade estruturalmente e assumidamente machista.
Julia Garner ganha alguns pontinhos pelo sotaque puxado e algumas caras e bocas minimamente chamativas, mas não passará disso! Mesmo porque o roteiro e direção do material em Inventando Anna não cedeu espaço algum para o assinante da Netflix de se colocar no lugar da fraudadora condenada de 4 a 12 anos de prisão.
Também não ajudou nem um pouco que Shonda Rhimes empesteou essa história de personagens secundárias – principalmente, mulheres – ingênuas e facilmente manipuláveis, finalmente respondendo àquela pergunta inicial: Anna Delvey fez o que quis da elite americana, além de algumas chamadas “amigas”, porque todos à sua volta conseguiram ser ainda mais incompetentes e superficiais que a própria.
A “nova” América de Trump e o Sonho Americano
O roteiro desengonçado encabeçado por Rhimes não parou por aí!
Vimos outro ponto importante da recente história americana ter seu espaço dentro da narrativa de Inventando Anna, também apresentado de muitas argumentações questionáveis, no caso, a América “administrada” pelo gabinete de Donald Trump, hoje, ex-presidente americano.
A série original da Netflix foca na burguesia novaiorquina, que em considerável parte votou em Donald Trump nas eleições de 2016, entretanto, sabemos que este não foi o público-alvo que Trump mirava e que acabou elegendo o ex-mandachuva e apresentador de televisão à presidência americana para um mandato de quatro anos.
Apesar da incapacidade político-administrativa de Trump, devemos reafirmar que na época de sua eleição, foi o único que olhou e conversou diretamente com a classe média americana que havia perdido seus empregos nas grandes fábricas e corporações americanas, obviamente prometendo trazer seus empregos de volta. Não um novo emprego, aquele mesmo que tinha perdido, onde trabalhou por toda uma vida. Alguns anos passados, já temos conhecimento que Trump não conseguiu cumprir tal promessa, até mesmo porque um bom negócio é sempre um bom negócio, ainda mais para os acionistas, os verdadeiros patrões do sistema político e socioeconômico americano.
Devemos lembrar que muito antes das palhaçadas trumpistas: a América sempre foi e continuará sendo a América que conhecemos, seja do lado de dentro ou fora.
Portanto, não existe uma “nova” América sob a liderança de Donald Trump. É a mesma América, assim como tantos outros países de liderança econômica notável que visam fazer, exclusivamente, algo que faça aquela minúscula porção elitista crescer ainda mais, naturalmente às custas das classes inferiores da sociedade, marginalizadas internamente.
A poderosa Shonda Rhimes quis criticar diretamente à administração de Trump, porém, falhou em retratar a fatia americana burguesa que fez dele o “mandatário” do país, pouco tempo atrás. Em Inventando Anna da Netflix, rondamos pela alta classe das socialites apaixonadas por moda e arte, algo bem distante do que realmente foi o cenário americano mais recente.
Infelizmente, vimos as boas intenções do roteiro da série dramática circulando o ralo, praticamente matando sua argumentação dos perigos do chamado Sonho Americano, resultando apenas em uma longuíssima história (603 minutos, ou seja, dez horas de duração) que representam uma enorme perda de nosso tempo.