É muito prático assumir que obras do tipo ‘slasher’ – gênero de filmes de terror envolvendo um assassino perseguindo e matando um grupo de pessoas, geralmente pelo uso de ferramentas laminadas – são apenas e exclusivamente sobre matança e sanguinolência.
Essa parte é mais do que óbvia. Porém, não se enganem! Existe muito mais do que gritos e rios de vermelho no centro de tudo isso.
Peguemos o original O Massacre da Serra Elétrica (1974), dirigido por Tobe Hooper (1943 – 2017) e visto como um dos melhores e mais influentes filmes de terror já feitos, que continha um comentário “sutil” sobre o clima sociopolítico da época, no caso, o capitalismo industrial que tornou obsoleto o trabalho de tantos funcionários americanos diante os avanços tecnológicos.
Na realidade, o serial killer Leatherface e sua família foram vítimas desse sistema capital canibal. Dali surgiu o mal que assolou à vida de alguns jovens enquanto estavam a caminho de visitar uma antiga herdade.
Agora, testemunhamos a plataforma mundial Netflix ressuscitar o maníaco que cobre seu rosto usando de pele facial humana em O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface, nono filme da franquia de terror, a respeito de um grupo de amigos que vão em direção à remota cidade de Harlow, no estado do Texas, para iniciar um novo empreendimento idealista. Mas seus sonhos logo se transformam em um pesadelo quando eles acidentalmente perturbam a residência de Leatherface – serial killer enlouquecido cujo legado encharcado de sangue continua a assombrar os moradores da área – incluindo Sally Hardesty (Olwen Fouéré), a única sobrevivente de seu infame ataque no ano de 1973, que hoje em dia está determinada a buscar vingança pela morte de todos os seus amigos.
Comentário social (muito) equivocado
Caso conseguirem comprar a premissa dessa nova versão da série de filmes de terror – algo um tanto complicado desde o início. Certamente, verão uma tentativa de repetir o original de 1974, imbuindo comentários sociais relevantes com os tempos que vivemos.
Entretanto, erraram o alvo! Feio!
Logo na chegada dos jovens forasteiros à cidade de Harlow, observaremos uma bandeira dos Estados Confederados, usada pelos estados do sul dos Estados Unidos durante à Guerra de Secessão, entre 1861 e 1865. No conflito, os estados do sul, que defendiam a manutenção da escravidão, queriam romper com os estados do norte do país.
Lembrando que apesar da distância de mais de cento e cinquenta anos daquele trágico momento da história americana, ainda vemos tal bandeira hasteada na frente de algumas casas americanas. Atualmente, a bandeira é usada por grupos racistas e supremacistas brancos. Muitos deles residentes na parte sul da América.
Levando em consideração que estamos diante de um argumento generalizado, incapaz de cobrir toda à realidade e verdade da situação americana dos últimos cinco anos, ainda analisamos um roteiro escrito por Chris Thomas Devlin manifestar sua simplista proposta social, também tratar sobre traumas, exemplificando situações daqueles que sobreviveram tiroteios em massa nas escolas americanas.
Tudo isso como parte de um filme ‘slasher’ que tem como gatilho para toda a matança: um ato de vingança pessoal.
Nada ideológica.
Percebem o erro, aí?!
Vermelho ‘gore’
Diante tamanho equívoco, sobrou o que se espera de uma obra produzida pelo cineasta uruguaio Fede Álvarez, responsável pela direção na competente versão atualizada de A Morte do Demônio (2013), assim como o tenso O Homem nas Trevas (2016): muito, mas muito sangue!
O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface teve uma direção sem qualquer traço de criatividade por parte de David Blue Garcia, que parecia mais interessado nas mortes do que qualquer conceito ou ideia existentes na base dessa história. Basta analisar a cena do serial killer invadindo um ônibus cheio de gente, pintando o interior do veículo na cor vermelha para constatar as limitações técnicas e climáticas dessa produção original da Netflix.
Tirando a mais recente edição do clássico Pânico (2022) que de maneira esperta escorrega com naturalidade para o humor mais do que o terror, ganhamos mais uma versão atualizada de obras clássicas do gênero que nada entretêm, acrescentam ou renovam suas devidas franquias, assim como foi o caso de Halloween (2018) de David Gordon Green.
Daqui a pouco, voltaremos a ver aquele cenário do início do século, quando testemunhamos o surgimento de crossovers protagonizados por alguns dos serial killers do cinema mais queridos entre os fãs.
Preparados para Freddy x Jason x Michael x Leatherface?!