Economia Solidária de Japeri: filme de Celina Torrealba traz história inspiradora de Gilza Rosa

(Foto: Divulgação)
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Com cerca de 96 mil habitantes, conforme censo de 2022 do IBGE, Japeri é um dos municípios mais pobres da Baixada Fluminense e da região metropolitana do Rio de Janeiro. Devido aos desafios econômicos da cidade, muitos moradores precisam se deslocar para a grande Rio em busca de trabalho. Por muito tempo essa foi a realidade diária de Gilza Rosa, a atual coordenadora do grupo de economia solidária de Japeri que protagoniza o novo curta-metragem de Celina Torrealba e da sua produtora Donna Features.

A partir da história de vida inspiradora de Gilza e seu atual papel como agente de mudança social, o filme “Economia Solidária de Japeri”, sobre o qual se discute a seguir, mostra o poder da iniciativa de economia solidária no município de Japeri. A obra de Celina Torrealba ressalta o exemplo de Gilza para apresentar o modelo de economia solidária, já formalizado por leis e projetos, aos moradores de Japeri, a fim de que a população participe desse movimento de apoio comunitário e geração de renda.

Um pouco sobre Japeri

Delimitada pelos municípios de Nova Iguaçu, Paracambi, Seropédica, Queimados e Miguel Pereira, Japeri é conhecida por abrigar a última estação do maior ramal da Estrada de Ferro Central do Brasil. Desde a sua emancipação da condição de distrito do município de Nova Iguaçu, Japeri vem enfrentando inúmeros desafios que abarcam as mais diversas áreas, desde habitação e educação, até o transporte, abastecimento de água e saneamento básico.

Em 2021, o PIB per capita do município de Japeri era de R$ 14.395,69, de acordo com dados do IBGE. Pelo menos naquele ano, Japeri tinha o menor PIB per capita no estado do Rio de Janeiro, ficando também entre as cidades mais pobres do Brasil. Relatos dos moradores apontam como causas desses problemas a corrupção, violência e inércia política.

Apesar disso, há indícios de melhoras, com um crescente incentivo às atividades industriais e à economia solidária, temática central do documentário produzido e dirigido por Celina Torrealba

“Filmar em Japeri me ensinou que, embora as adversidades sejam profundas, o poder de mudança está no coletivo. O engajamento de Gilza com os conselhos municipais e sua insistência em envolver a comunidade é um exemplo de como a organização local pode transformar realidades,” afirma a diretora.

Trajetória de Gilza Rosa até a Economia Solidária

“Meu nome é Gilza Rosa Moraes dos Santos. Sou moradora do município de Japeri. Resido aqui há 50 anos, no bairro São Jorge, em Engenheiro Pedreira. Sou diarista na Zona Sul, sou artesã.” É assim que começa a se apresentar Gilza, no filme recentemente lançado por Celina Torrealba.

A história de Gilza, personagem do curta-metragem “Economia Solidária de Japeri”, não é incomum, refletindo a experiência de muitas mulheres negras da periferia. Desde os 18 anos, Gilza saía cedo de casa para a capital, vivendo uma rotina desgastante que não lhe dava tempo para aproveitar ou contribuir para o município onde reside. Trabalhando como empregada doméstica, ela enfrentava diariamente as dificuldades de longas viagens à Zona Sul, assim como grande parte da população japeriense.

Contudo, a partir de 2014, Gilza passou a participar de forma ativa nos conselhos municipais de Japeri, onde descobriu novas facetas da sua cidade, como a rica produção rural e a quantidade de agentes culturais. Foi assim que a artesã desenvolveu um profundo sentimento de pertencimento e responsabilidade para com o seu município.

Gilza conhece a economia solidária

A convite de Adriana, uma amiga, Gilza passou a se envolver nas ações da economia solidária local. Com isso, começou a estudar sobre os planos estaduais de economia solidária e participar de reuniões em busca de apoio governamental. Dois anos após iniciar a sua luta pela economia solidária em Japeri, em 2016, Gilza e sua amiga, Adriana, finalmente conseguiram suporte da Secretaria de Esporte, Turismo e Lazer.

Com isso, a economia solidária floresceu em Japeri, e os seus participantes conseguiram espaço para a exposição de produtos artesanais. Fazendo um trabalho voluntário exemplar no Fórum de Economia Solidária, Gilza passou a conhecer a iniciativa de outros municípios circunvizinhos. Ela também se dedicou a aprender diferentes tipos de artesanato, como plantas ornamentais, ecodesign de bijuterias e o uso de material reciclado no seu artesanato, e a coordenar o grupo local de economia solidária, organizando as feiras e mantendo a disciplina nos locais de exposição.

O trabalho de Gilza passou a ser ainda mais valorizado pelos chefes de secretarias e lideranças municipais com a sua participação contínua nos conselhos do município. No entanto, durante o período da pandemia, as reuniões e eventos foram reduzidos, o que possibilitou que Gilza começasse a trabalhar na Lei Municipal da Economia Solidária. Redigida em 2020, a lei foi aprovada após um ano e publicada em 2022, garantindo uma maior visibilidade ao projeto.

Além de ganhar o respeito dos gestores, a nova legislação fortalece o envolvimento de Gilza e de outros artesãos e artesãs com causas sociais em Japeri. Atualmente, Gilza permanece engajada nos projetos e feiras da economia solidária, mas sem abandonar o seu trabalho como empregada doméstica e acompanhante na zona sul do Rio. No documentário dirigido por Celina Torrealba, o espectador entende parte do impacto dessa mulher e das suas ações na vida de outras pessoas, que hoje veem na economia solidária uma forma de fazer renda e se sentir parte integrante de algo maior.

Economia Solidária em Japeri

Conforme o site da Economia Solidária do Rio de Janeiro, esse modelo econômico é uma maneira alternativa de produzir, vender, comprar e trocar. Como o nome sugere, a economia solidária se volta para a solidariedade: os próprios trabalhadores são donos e precisam tomar, em conjunto, as decisões sobre como liderar o seu negócio e repartir os trabalhos e os resultados.

A economia solidária é um movimento nacional que envolve cooperativas de agricultura familiar, associações e grupos de produtores e artesãos, cooperativas de coleta e reciclagem, clubes de trocas, entre outros grupos. Além de fomentar o comércio local onde é aplicado, esse modelo econômico motiva e empodera os trabalhadores, criando um senso de comunidade.​

Por isso, a iniciativa da economia solidária é uma alternativa de geração de renda e qualidade de vida dentro do município de Japeri, sendo considerada uma porta de entrada para o cidadão participar das políticas públicas. Com ela, Japeri vem se tornando um ambiente acolhedor, onde agentes culturais se encontram em feiras que, além de comércios, são eventos de comunidade e cultura, interligados ao turismo local.

Através do documentário de Celina Torrealba, Gilza e outros representantes da economia solidária inspiram a comunidade japeriense, encorajando o seu envolvimento. “Descobri, através de Gilza, que a economia solidária vai além da simples geração de renda. É sobre criar uma rede de apoio onde as pessoas se sentem valorizadas e pertencentes. Isso mudou minha própria visão de como podemos pensar em soluções sustentáveis para o futuro,” conta Torrealba.

Japeri: pioneira na economia solidária

Japeri vem se tornando um exemplo de economia solidária nacionalmente devido às novas leis e políticas que vêm sendo implementadas com a ajuda da sociedade civil e de figuras como Gilza Rosa. Em abril de 2022, foi criada a lei nº 1.471, estabelecendo o Conselho Municipal de Economia Solidária.

“Quando você tem uma lei, fica o legado para os trabalhadores da economia solidária”, afirma Gilza durante o filme dirigido por Celina Torrealba.

Desde então, foram diversos os projetos e iniciativas articulados por Gilza e outros integrantes do conselho. Em maio de 2024, por exemplo, foi publicada no Diário Oficial do município de Japeri a convocatória para a primeira conferência municipal de economia solidária da cidade. Com a temática “Economia popular e solidária como política pública: construindo territórios democráticos por meio do trabalho associativo e da cooperação”, a conferência aconteceu no mês de junho.

Na ocasião foram organizados grupos de trabalho para a discussão de temáticas atreladas às políticas públicas que afetam a economia solidária e às ações para o desenvolvimento e fomento de atividades econômicas populares em Japeri. Um exemplo de ação retratada no filme recém-lançado é o desfile de moda de crochê que aconteceu em junho. O projeto, criado a partir do financiamento do edital da lei Paulo Gustavo, teve Gilza Rosa como proponente. Além dela, estiveram presentes mais de 80 membros do Fórum de Economia Solidária de Japeri.

Ao contar essa história, o curta-metragem de Celina Torrealba busca inspirar a comunidade de Japeri, com ênfase nas mulheres negras da periferia, como Gilza e Adriana, que muitas vezes enfrentam desafios significativos em suas vidas. Através do filme, os japerienses descobrem que podem viver melhor e que, através do artesanato e outras atividades da economia solidária, é possível encontrar não apenas uma fonte de renda, mas também de satisfação, alegria e propósito.

Sobre a diretora: Celina Torrealba

Fundadora da produtora audiovisual Donna Features, Celina Borges Torrealba Carpi já dirigiu e produziu documentários e longas-metragens aclamados. Sua filmografia engloba obras como “Arte da Diplomacia”, “Criando Campeões”, entre outros filmes com temáticas ligadas a identidades, ancestralidade e representação. No âmbito da ficção, Celina Torrealba se destaca por ter co-produzido “Port Authority” (2019), “Wasp Network — Prisioneiros da Guerra Fria” (2019) e “O Farol” (2018).

As obras de Celina Torrealba, como “Economia Solidária de Japeri” e “Petrópolis de Cada Um”, além de explorarem a história de locais e movimentos sociais, abordam o papel do indivíduo na formação da identidade cultural de uma cidade ou região. Quando questionada a respeito do seu trabalho com “Economia Solidária de Japeri”, Torrealba comentou: “Dirigir este filme foi uma experiência de profunda humildade. Eu me vi diante de mulheres que, com pouco, fazem muito. A beleza disso é algo que tento transmitir na estética do filme: simplicidade, potência e uma força silenciosa que, aos poucos, transforma tudo ao seu redor.”

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