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24: Legacy | Crítica

A substituição de personagens é um processo complexo e delicado – nas séries mais do que no cinema. E, no caso de 24 Horas, torna-se algo mais difícil ainda. A produção original bateu o recorde de série sobre espionagem mais longa e mais prestigiada, fazendo de Jack Bauer (Keifer Sutherland) sua marca registrada. E é justamente esse o desafio de 24: Legacy – como vender um spin-off de 24 Horas sem Bauer?

24: Legacy conta a história de Eric Carter (Corey Hawkins), um membro do Exército Americano que regressa para casa depois de concluir com êxito uma missão secreta no Oriente Médio. Tudo começa mudar, entretanto, quando Carter recebe a notícia que os parceiros de missão estão sendo assassinados a mando de Bin-Khalid. Com tempo apenas de salvar sua mulher, Carter percebe que só pode confiar na sua antiga chefe, a ex Diretora Nacional da UCT, Rebecca Ingram (Miranda Otto).

Logo no primeiro episódio, descobrimos que o desafio da troca de protagonistas é driblado com certa facilidade, ainda que nos cause uma leve estranheza inicial. De fato, Hawkins nos dá certas impressões duvidosas no início do primeiro capítulo. É difícil enxergar um “herói de guerra” no homem que nos é introduzido. Seu desempenho, felizmente, melhora no decorrer dos dois episódios. É quase impossível responder pelo resto da temporada (que contará com 12 episódios), mas se o ator não desviar do caminho que está tomando, dificilmente teremos problemas com Eric Carter.

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Enquanto Hawkins segue no caminho certo (e não sejamos duros, sua tarefa de substituição já é difícil por natureza), Otto já aparece em cena no ponto. Ela nos dá uma ex Diretora da UCT poderosa e independente, que coloca sua autonomia em primeiro lugar e não se deixa governar nem mesmo por seu marido, que aspira à presidência. É empolgante ver Rebecca colocando a mão na massa e, ainda que por meio de ligações, interagindo em perfeita sincronia com Carter.

A direção do piloto foi por conta de Stephen Hopkins, que foi produtor executivo de 24 Horas em 2001. Aqui, ele prova que realmente sabe o que faz. O episódio segue a linha da série de origem, marcado pelas horas correndo em um relógio digital. É um episódio que, ainda que tenha pouco mais de 40 minutos, corre e não dá tempo para o espectador respirar – o que no caso é muito bom. Até mesmo nos minutos iniciais, quando o dia a dia de Carter é introduzido, não conseguimos ficar tranquilos por saber que algo está prestes a acontecer.

A câmera sutilmente tremida em momentos de fuga dá espaço, por vezes, a tomadas cinematográficas que enchem os olhos. Destaque para a cena inicial, para a invasão dos homens de Bin-Khalid na casa de Carter e para a sequência do rolo de concreto, quase no final do primeiro episódio, que por mais que soe extremamente conveniente, ainda assim cumpre sua função de impressionar o espectador com muita qualidade.

Corey Hawkins como Eric Carter em 24: Legacy
Corey Hawkins como Eric Carter em 24: Legacy

A questão do timing

Assim, podemos dizer que o universo 24 Horas não é sobre Bauer, mas sim sobre tensão, adrenalina e pressão política. Tanto a direção de Hopkins (no caso do piloto) quanto o bom entrosamento e convencimento de Hawkins e Otto nos trazem todos os modelos da série original para dentro de 24: Legacy com muita maestria. Tanto que é justamente aí que a série cai em seu primeiro erro até agora: a velha armadilha da generalização, e tempos como esses talvez não peçam generalizações.

24: Legacy se inspira em uma série que surgiu sob a luz do 11 de setembro e a chamada Guerra ao Terror. A televisão e o cinema, então, passaram a desenvolver cada vez mais produções com temáticas guerrilheiras, enaltecendo o nacionalismo americano contra o “muçulmano terrorista”.

É sobre isso que 24 Horas fala, e só isso: todo muçulmano é um terrorista em potencial. E, anos depois, em um mundo já diferente, é justamente sobre isso que 24: Legacy vai falar. Desde que o espectador saiba discernir que essa generalização é errônea e injusta, não há nada de errado no enredo – ou com o roteiro, muito menos com a dupla protagonista.

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O erro seja, talvez, de timing. Ao assistir 24: Legacy, podemos nos perguntar o quão esse tipo de abordagem é saudável em tempos de guerra na Síria, de refugiados ao redor do mundo; em tempos de Donald Trump, de muros divisórios e do fechamento dos EUA para imigrantes de sete países muçulmanos.

Tal questionamento não é pertinente apenas a 24: Legacy, mas com quaisquer produções, na TV ou no cinema, que abusem do formato de exaltação no nacionalismo norte americano em detrimento da generalização pejorativa de outro povo. Não há como mudar a realidade de 24: Legacy. Entretenimento é entretenimento. Mas, e torno a repetir, o quão esse tema pode ser delicado no atual momento?

No mais, 24: Legacy tem uma ótima estreia, mostrando que não deixa nada a desejar em comparação com sua antecessora. Acelerada sem perder o fio da meada, chegamos a nos questionar quais os absurdos cinematográficos que veremos nos próximos capítulos – isto é, se eles seguirem as mesmas linhas de qualidade dos dois primeiros episódios. E, de certo modo, é exatamente isso que esperamos.

24: Legacy
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