Após muitas especulações, essa quinta feira (14) marcou o anúncio oficial de que a Walt Disney Pictures comprou os estúdios de cinema e TV da 21st Century Fox pelo valor de US$ 52.5 bilhões (ou R$ 173 bilhões) – saiba detalhes.
Como muitos sites por aí sem dúvida já te disseram, esse é um acordo que muda definitiva e significativamente a paisagem de poder em Hollywood, e a enésima compra de grande porte da Disney em pouco mais de uma década. O estúdio do Mickey Mouse adquiriu, nos últimos anos, a Marvel Studios, a Lucasfilm e a Pixar, em um esforço claro para aumentar a concentração de poder dentro da terra do cinema.
A compra da Fox não inclui todas as propriedades do estúdio comandado por Rupert Murdoch – a emissora de notícias Fox News, uma das mais vistas (e odiadas, por seu conteúdo conservador) dos EUA, continua nas mãos do magnata; assim como a TV aberta Fox, que exibe séries como New Girl, Brooklyn Nine-Nine, Arquivo X e The Gifted. Já a emissora fechada FX, que exibe Legion, The Americans, American Horror Story e outras séries, será transferida para a Disney.
Mesmo com todas essas ressalvas, no entanto, o movimento da Disney em comprar a maioria das propriedades da Fox é descaradamente monopolista. No campo do cinema, o estúdio do Mickey, já dominante em muitos sentidos da paisagem financeira de Hollywood, continuará tendo rivais em estúdios como a Warner, a Universal e a Sony, mas dessa vez esses competidores se verão ainda mais “minimizados” pela sombra gigante da Disney.
Contabilizando as 20 maiores bilheterias mundiais de 2017, Fox e Disney distribuíram, juntas, 50% delas (A Bela e a Fera, Guardiões da Galáxia Vol. 2, Thor: Ragnarok, Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar, Logan, O Poderoso Chefinho, Planeta dos Macacos: A Guerra, Viva: A Vida é Uma Festa e Kingsman: O Círculo Dourado). Em um ano fraco como esse, o que sobra para os outros três grandes estúdios dividirem são migalhas, o que pode enfraquecer seus negócios e, nos anos futuros, levar a um monopólio ainda maior conforme eles procuram formas de juntar forças ou se render à Disney.
Em suma, essa é uma má notícia, e eu sei que é complicado dizer isso para um público que espera há quase dez anos pela oportunidade de ver personagens como X-Men e Quarteto Fantástico interagirem com outros heróis da Marvel, localizados no universo compartilhado criado pela editora a partir de Homem de Ferro (2008). A perspectiva de Wolverine e Tempestade chegando para salvar o dia ao lado de Capitão América e Hulk é excitante para qualquer fã de quadrinhos – mas não somos também fãs de cinema?
Para o cinema, a compra da Fox pela Disney é a pior coisa que poderia acontecer – e quando digo cinema, digo cinema de super-heróis também. A franquia X-Men como administrada pela Fox teve seus muitos tropeços pelo caminho, mas consistentemente demonstrou uma maior liberdade criativa do que o universo cinematográfico Marvel, para o bem ou para o mal. É inconcebível que um filme como Deadpool (2016), com um anti-herói mercenário sangrento, boca suja e sexualmente ambíguo, chegasse aos cinemas sob a batuta da Disney, que se mostrou seguidamente o estúdio mais conservador de Hollywood.
Mais até do que remoer o passado, é bom olhar para o futuro – e os planos futuros da Fox para os X-Men pareciam, com toda a sinceridade do mundo, para lá de excitantes. O ano que vem ainda verá, muito provavelmente, o lançamento de um longa de terror dos Novos Mutantes, de uma continuação de Deadpool, e de um novo capítulo na saga principal com X-Men: Fênix Negra. Além disso, veremos segundas temporadas de Legion e, estou disposto a apostar, de The Gifted, duas das melhores séries baseadas em quadrinhos no ar atualmente.
A integração dos mutantes no universo Marvel, no entanto, pode significar que, depois disso, eles estejam caminhando para um reboot total, especialmente se Kevin Feige colocar as mãos nos X-Men definitivamente. Eu não seria particularmente contra isso se não significasse uma versão do supergrupo de mutantes que se encaixe perfeitamente à “caixinha” do universo Marvel, maravilhosa para certos temas e aventuras, mas tão, tão limitada. Ver uma versão dos X-Men sem o sub-texto sobre discriminação e preconceito que é tão essencial a eles é uma perspectiva deprimente.
Logo, se o Deadpool virar mania infantil e um Quarteto Fantástico pouco imaginativo aportar nos cinemas, não diga que eu não avisei – não vai demorar muito até que sintamos falta dos tropeços da Fox e passemos a amaldiçoar a “linha de produção” da Disney. Em qualquer negócio, menos variedade significa um mercado menos justo – no cinema, significa também menos arte.