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Em Star Wars, as mulheres sempre ficaram em segundo plano - mas Os Últimos Jedi muda isso

Era uma daquelas piadas meio sérias, meio debochadas, que Carrie Fisher costumava sempre soltar em suas aparições em talk shows por aí: “A Princesa Leia é a única mulher da galáxia”. Ela se referia a falta de personagens femininas marcantes em Star Wars, saga criada por George Lucas em 1977 e na qual ela havia estrelado como uma das personagens mais marcantes da história da cultura pop.

Analisar a história de Leia na trilogia original hoje em dia, no entanto, mostra que todo o atrevimento e coragem que Fisher emprestou à personagem era virtualmente só dela – especialmente levando em conta o quanto sabemos, agora, sobre a influência da atriz no roteiro dos filmes. Leia ainda era a personagem que via seu planeta explodir e sua família morrer, mas cujo luto não era abordado pelo filme, e ainda era o “pivô” de um triângulo amoroso que, nos filmes posteriores, ganhou tintas perturbadoras quando descobrimos que Luke era seu irmão. Em suma, a personagem feminina de Star Wats, a “única mulher da galáxia”, ainda era a prisioneira em um biquíni metálico sumário na corte de Jabba.

Carrie Fisher como Leia

Talvez ainda pior é o papel de vedete romântica de Padme Amidala (Natalie Portman) na trilogia seguinte, lançada por George Lucas entre 1999 e 2005. As coisas só ameaçaram mudar, mesmo, quando vimos Rey (Daisy Ridley) surgir como a protagonista heroica com passado misterioso em O Despertar da Força (2015), que trouxe a saga de volta aos cinemas (e à boa forma) nas mãos da produtora Kathleen Kennedy. No mesmo filme em que Leia fazia a transição de Princesa para General, Rey surgia como uma protagonista feminina cujas narrativas de destino e poder normalmente eram reservadas para personagens como Luke, Anakin e, em um olhar mais amplo na cultura pop, Harry Potter e outros “Escolhidos” por aí.

Essa insurgência feminina em Star Wars continua no longa Os Últimos Jedi, que chega aos cinemas em 14 de dezembro próximo, e cujos materiais promocionais pareciam mais dominados do que nunca por mulheres – a bem da verdade, elas provavelmente ocupavam 50% do espaço, e somos nós, espectadores, que estamos desacostumados com essa divisão justa.

Rose, personagem de Kelly Marie Tran em Star Wars: Os Últimos Jedi.

Novas guerreiras

O filme introduz duas novas personagens femininas, que ganham muito o que fazer durante as 2h30 do longa de Rian Johnson. A primeira é Rose (Kelly Marie Tran), uma soldado da Resistência que é mandada com Finn (John Boyega) para uma missão perigosa em Canto Bight, cidade-cassino em um canto escuso da galáxia – a personagem não é só a primeira protagonista de origem asiática em Star Wars, como também desempenha um papel ativo, de iniciativa e enfrentamento, na sua trama.

Colocá-la como par de Finn na trama, aliás, já a empurra para isso. O ex-Stormtrooper demonstrava, desde O Despertar da Força, uma grande hesitação em assumir seu lugar na Resistência, ao invés disso procurando fugir do perigo junto com Rey, com quem havia desenvolvido uma conexão profunda. Rose serve não como sua incentivadora ou sua carcereira, mas como uma espécie de inspiração, reafirmando sua coragem a cada passo do caminho e criando um novo arquétipo de “heroína gente como a gente” para a franquia.

Almirante Holdo (Laura Dern) em Star Wars: Os Últimos Jedi

Enquanto isso, Laura Dern veste uma peruca rosa para encarnar a Almirante Holdo, que assume o comando da Resistência quando (alguns spoilers a partir daqui) Leia se vê incapacitada temporariamente. Holdo tem constantes conflitos com um rebelde Poe Dameron (Oscar Isaac), mas sua liderança é constantemente independente, ousada, responsável e inteligente – e a contestação dessa liderança é vista como um erro imaturo da parte de Poe.

Dern é a escolha perfeita para o papel – persistente em sua energia única durante uma carreira que passou por muitos altos e baixos, essa grande atriz sabe como interpretar uma mulher desafiadora, que se sente confortável no comando de qualquer movimento ou organização. Holdo tem um momento de glória e sacrifício perto do final do filme que não é normalmente reservado para personagens femininos, reafirmando não só sua coragem como sua sabedoria – é a líder rebelde feminina que precisávamos ver em Star Wars, e que Rogue One não conseguiu entregar com sua Jyn Erso.

Capitã Phasma

Seguindo o caminho

Enquanto as duas novas adições forjam caminhos novos para as mulheres em Star Wars, Os Últimos Jedi também dá espaço para velhas conhecidas brilharem com elas. A começar pela vilã Capitã Phasma, interpretada por Gwendoline Christie, que consegue ocupar um lugar de antagonismo puramente físico normalmente reservado para personagens masculinos. Sua personagem, cujo passado ou personalidade são pouco desenvolvidos, representa um desafio óbvio para os heróis, e Christie saúda sua experiência interpretando a vilã.

“Convencionalmente, não é comum ver uma personagem feminina que tem esse tipo de violência saindo de dentro dela”, diz a atriz. “É algo que parece proibido na nossa sociedade, que não é como as mulheres devem se comportar. Por isso, fazer uma personagem que não tem vergonha desse sentimento, que sabe que essa é sua motivação, é algo muito animador para mim”. Enquanto Os Últimos Jedi não dá a Phasma exatamente milhões de coisas para fazer, ela ainda é uma personagem instantaneamente icônica, uma vilã por quem os fãs de Star Wars se verão infinitamente intrigados.

Rey em Star Wars: Os Últimos Jedi

Enquanto isso, Rey segue sua jornada destinada com muito mais iniciativa do que demonstrou em O Despertar da Força. Talvez parte disso seja efeito do “arco de amadurecimento” da personagem, mas essa é mais do que uma crise de adolescente rebelde – é uma tomada de controle total e imediata sobre o próprio destino, muito mais convicta do que aquela pela qual Luke passou em O Império Contra-Ataca (1980), mesmo porque Ridley, como atriz, entende essa jornada melhor do que o jovem Mark Hamill entendia na época.

Por fim, Os Últimos Jedi diz adeus a Carrie Fisher, que faleceu em dezembro de 2016, e a sua General Leia, de forma digna e poderosa. Nessa nova fase, a personagem que abriu caminho para um leque de heroínas de ação e ficção científica é líder e mentora, uma comandante militar de casco duro e resiliência provada, cuja firmeza moral e estratégica ainda deixa espaço para Fisher mostrar o luto e o âmbito emocional de sua construção. É outro papel arquetípico que normalmente não é ocupado por mulheres, mais uma injustiça que Leia, a pioneira original, e Fisher, a maior rebelde da galáxia de Hollywood, ainda tem a honra de desfazer mesmo após nos deixar.

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