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Jack Ryan | Crítica - 1ª Temporada

Jack Ryan é um personagem que não tem passado muito tempo longe dos holofotes nos últimos tempos. A criação do venerado escritor Tom Clancy já foi vivida nos cinemas por astros de Hollywood como Harrison Ford, Alec Baldwin (possivelmente, o melhor), Ben Affleck e, mais recentemente, Chris Pine. Cada versão procura abordar o personagem com os valores e perspectivas mais característicos de suas épocas, e a nova série da Amazon, que traz John Krasinski assumindo o papel principal, não fica longe deste padrão. (Lembrando que Krasinski também foi responsável por estrelar e dirigir o sucesso de bilheterias “Um Lugar Silencioso”, compondo um ótimo ano para a carreira do ator)

O maior atrativo de Jack Ryan, em toda a sua trajetória por entre as mídias, é o fato do personagem não ser um típico espião ou agente secreto, mas sim um analista relutante. Esta sempre foi sua distinção de outras produções do mesmo gênero, e costuma proporcionar um engajamento maior com o personagem, acessibilizando-o para o público. Sendo assim, é claro que, em uma narrativa de quase oito horas, a melhor execução incluiria a exploração deste aspecto dramático interno. Heróis relutantes são sempre mais interessantes de se acompanhar, e não é difícil pensar que a escolha de Krasinski tenha tido a ver justamente com esta proposta da série de construir o protagonista como um herói charmoso e pouco intimidador. Misturando a graça e a inocência de personagens como Jim Halpert (de The Office) com sua experiência em produções mais dramáticas como 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi, o ator acaba atingindo um bom equilíbrio em sua interpretação, entregando uma personalidade obstinada, porém simpática.

A jornada do personagem em si, por outro lado, apresenta desenvolvimentos menos instigantes do que deveria para tornar-se memorável. A moral de Ryan é sua maior força motora, e a série constantemente estabelece os valores incorruptíveis do personagem, mas personagens bem-resolvidos e incorruptíveis raramente conseguem proporcionar uma experiência satisfatória para os espectadores. E Embora a série tente retratar alguns momentos de atormentação e realização, eles não soam relevantes o suficiente para um crescimento digno do protagonista.

O que não quer dizer que o personagem torna-se necessariamente chato de acompanhar. A série segue diversos aspectos estruturais comprovadamente eficientes dentro de seu gênero, e vai cumprindo estes requisitos como se os riscasse de uma lista, entregando as situações necessárias para manter o engajamento do espectador com o protagonista. O resultado é uma trama com ritmo consistente, e certas situações bem exploradas que rendem cenas de tensão relativamente eficientes. Não é sempre que a direção e a montagem da série são capazes de ilustrar todo o potencial que intrigas internacionais carregam como tema, mas, ocasionalmente, conseguem entregar alguns momentos em que a tenacidade de Jack Ryan acaba elevando a emoção da narrativa.

Os aspectos estruturais que citei também abrangem a maneira como as subtramas da série são construídas e executadas. Em diversas ocasiões, estas histórias secundárias destoam do clima de apreensão que a série busca manter, e são posicionadas apenas com a sua função técnica em mente. O envolvimento romântico de Ryan com a médica Cathy Muller (Abbie Cornish) tem poucos ápices sentimentais genuínos, e servem mais para humanizar o personagem, apenas. Os dramas do piloto de drone e dos reféns médicos, também, não tem tanta relevância na trama principal, e estão ali para expandir a consciência e o contexto da história. Como é comum em produções semelhantes (24 Horas e Homeland vem à mente), a série procura retratar o medo causado pelo terrorismo em sua imprevisibilidade, buscando instigar este temor de que o terror pode surgir de qualquer lugar.

Embora as principais cenas de ação não sejam tão presentes quanto muitos espectadores poderiam preferir (Ainda assim, o orçamento da série figura entre os maiores já produzidos pela Amazon), a série consegue manter a empolgação episódio a episódio, em parte graças à escala de sua história, que é bem caracterizada por suas implicações políticas. Diversas produções que abordam os conflitos no Oriente Médio costumam tender para as perspectivas mais conservadoras dos EUA. Neste caso, a série se esforça para abordar este cenário de maneira que seja mais abrangente, porém sem perder o público que mais consome este tipo de história, adotando um discurso tradicional e sem muito aprofundamento nas questões mais polêmicas sobre a região.

Mas a questão é que, não importando a perspectiva ou a referência do público, a trama nunca se desenvolve de maneira surpreendente, ou foge de convenções comuns deste tipo de obra. Os personagens, em sua maioria, praticamente já foram vistos em outras séries que tentam aproveitar os mesmos estereótipos e arquétipos. E a grande ameaça pode não girar em volta do super-explorado “cyberterrorismo”, mas também não se mostra muita inventiva com o uso do (muito temido) “bioterrorismo”, repetindo clichês e entregando resoluções fáceis ao longo da série.

Com um protagonista relutante, cujas as grandes ações precisam ser construídas de maneira cadenciada, a série se dispõe a gastar um tempo com o personagem Suleiman (Ali Suliman), o grande líder terrorista, encaixando alguns flashbacks que compõem sua trajetória até o extremismo, e exibindo seus valores morais para com os inimigos e aliados. Embora, novamente, não haja nada de muito criativo ou intrigante na maneira com o antagonista é construído, ou como este põe seus planos em prática, este é o papel com mais espaço para uma interpretação mais profunda e complexa, que acompanhamos durante a narrativa (seguido de perto pela esposa de Suleiman (Dina Shihabi), que tem objetivos muito mais relacionáveis, e adiciona uma camada de humanidade muito bem vinda à história).

Jack Ryan é uma série que adequa bem o seu protagonista ao formato televisivo, ainda que não seja capaz de causar o mesmo impacto ou a mesma emoção que outras versões do personagem já trouxeram nos cinemas. Para espectadores que estão acostumando ao gênero, há pouco para se impressionar por aqui. Uns podem ficar pelo carisma de John Krasinski, outros podem se sentir empolgados o suficiente pelas sequências de ação contemporâneas, mas tal execução genérica precisará ser repensada em temporadas que estão por vir. Se prezar a consistência e se dispor a colocar seu protagonista em situações mais difíceis, pode ser que tenha um futuro próspero pela frente.

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