O fim de House of Cards e Orange is the New Black representa, também, o fim de uma era para a Netflix. Embora a primeira série original da plataforma de streaming tenha sido Lillyhammer, com Steve Van Zandt (Família Soprano), essas duas séries colocaram o canal no mapa, mostrando que a companhia poderia muito bem trazer conteúdos de peso para a indústria da Televisão e Cinema.
Desde a estreia das primeiras temporadas de ambas, no entanto, o cenário mudou drasticamente: mais estúdios e canais passaram a investir em suas próprias formas de streaming (vide a Disney), e a gama de produções originais da própria Netflix foi expandida consideravelmente.
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Com isso em mente, fica a questão: qual será o futuro da Netflix com o fim de House of Cards e Orange is the New Black? A verdade é que esse futuro já é o presente.
A vanguarda do streaming
Essencialmente, ambas as séries funcionaram para abrir caminho para futuras séries do canal. Como dito antes: colocar a plataforma no mapa, conseguindo, portanto, mais investimento, assinaturas e profissionais do mercado assinando contratos com a empresa. Dito isso, a importância desses seriados não é a mesma hoje, do que foi há alguns anos. De fato, nenhuma delas sequer está entre as mais populares da atualidade do canal e isso não deveria vir como grande surpresa.
Vale lembrar que, desde que House of Cards e Orange is the New Black estreou, vimos o surgimento de séries como Stranger Things, The Crown, BoJack Horseman, Demolidor, 13 Reasons Why, dentre muitas outras. Essencialmente, as duas se tornaram apenas uma peça a mais nessa grande máquina, com importância histórica, mas não muito além disso. E nem entraremos, por ora, nos conteúdos licenciados, como Star Trek: Discovery.
Assim sendo, a escolha certa foi acabar com tais séries. House of Cards, por exemplo, não atrai a mesma audiência dos seus primórdios desde a quarta temporada – a saída de Kevin Spacey, invariavelmente, afetará ainda mais a audiência, portanto não há por que manter o investimento nessa produção, não em um modelo como a da Netflix, que depende mais de quantidade do que efetivamente qualidade (embora isso também seja importante).
Esse modelo, aliás, é o que permite que a plataforma mantenha um fluxo constante de estreias de produções originais, mais do que qualquer outro estúdio tradicional. Entramos, portanto, no próximo ponto.
Menos parcerias, mais produções originais
Com a iminência do lançamento da plataforma de streaming da Disney, era apenas questão de tempo até que as séries da Marvel saíssem da Netflix. Luke Cage e Punho de Ferro já foram canceladas e o futuro de Jessica Jones e Demolidor ainda é incerto. A tendência é que a Disney junte tudo em seu próprio serviço, o que não deixa a Netflix exatamente em uma posição ruim, como muitos acreditam.
Para começar, os lucros de tais séries não vão integralmente para a plataforma de streaming, como era de se esperar. Estamos falando de coproduções com a Marvel Television, o que gera uma receita não tão lucrativa para a Netflix quando comparadas às outras produções do canal, especialmente no cenário atual. É de se esperar, portanto, que a gigante do streaming se afaste de tais acordos, a favor de outros tipos de modelos.
O mais óbvio, claro, é produzir tudo o que for exibido, mas há outros caminhos, como o licenciamento internacional, algo feito recentemente com Titãs, originalmente exibido pelo DC Universe. Com isso, a série será exibida, fora dos EUA, pela Netflix e não é o único exemplo que pode ser citado, Segurança em Jogo (Bodyguard), série britânica com Richard Madden também será distribuída dessa forma, colocando a Netflix como uma das principais opções de serviços de streaming que não investirão em determinados territórios.
Não podemos nos esquecer, também, de séries já em andamento que podem ser compradas (ou salvas do cancelamento) pela Netflix. A própria natureza do streaming permite que suas obras não dependam das audiências americanas, portanto, o fracasso de uma produção de emissora tradicional, não necessariamente significa o mesmo em uma plataforma global – esse é o caso de Lucifer, por exemplo, que ganhará sua quarta temporada como original da Netflix.
Já o caso de Black Mirror é diferente, trata-se de uma compra propriamente dita de outra emissora, o que provou ser bastante lucrativo para a gigante do streaming, tendo em vista a popularidade da série. Vale lembrar que produções britânicas têm certa dificuldade em chegar a países como o Brasil (por uma série de fatores), bom exemplo é Doctor Who, que muda de distribuidora no Brasil a cada ano bissexto, já tendo passado pela TV Cultura, Syfy e agora o Crackle, da Sony.
O que vem daqui para a frente
Com isso em mente, onde fica a Netflix no atual cenário? Basicamente, o que temos visto nos últimos dois anos foi um investimento forte em grandes nomes – Martin Scorsese, Ryan Murphy, Guillermo Del Toro, Shonda Rhimes, Mark Millar, Alfonso Cuarón, todos assinaram contratos com a Netflix. Alguns para uma produção apenas, outros acordo globais, que envolvem inúmeras produções exclusivas ao canal de streaming.
É de se esperar que a empresa busque o maior número de nomes grandes da indústria para compor seu quadro nos próximos anos e isso favorece tais produtores, roteiristas e diretores, já que a Netflix notadamente oferece maior liberdade criativa a eles, fugindo das amarras dos grandes estúdios, ao mesmo tempo que conquistam bons recursos para produzir seus filmes. Com isso, a quantidade de produções, invariavelmente, trará, também, qualidade – não em todos os casos, claro, mas veremos mais e mais a Netflix conquistando mais prêmios importantes, ou, ao menos, sendo indicada (vide o Emmy 2018).
Naturalmente que isso acaba atraindo mais assinantes, que passarão a ter mais e mais opções de streaming – a Disney certamente está construindo uma forte plataforma, com conteúdos de destaque como Star Wars e Marvel. Mas, como dito antes, a Netflix não está em risco, bem longe disso na verdade.
Por todas as razões acima ela não mais depende de séries como House of Cards ou Orange is the New Black. Agora as comportas já foram abertas e o canal mais que se sustenta através de inúmeras outras produções. A Maldição da Residência Hill, O Mundo Sombrio de Sabrina, La Casa de Papel, Maniac, Dark, Desencanto, todas são séries recentes, estreantes entre 2017 e 2018 que atraíram muito “buzz” em redes sociais. No cenário das premiações, The Crown é um grande destaque, isso sem falar nas um pouco mais velhas, como Stranger Things.
O futuro da Netflix está garantido. Quem precisa mesmo se mobilizar são os estúdios (e exibidores) que ainda insistem em modelos atrasados, lutando, em vão, contra o streaming. Mas isso é papo para outro dia.
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