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As 15 melhores atuações femininas na TV em 2017

O ano de 2017 foi terrível em muitos sentidos para a indústria do entretenimento – seja pela consolidação de um monopólio, pela exposição de um abismo de impropriedades sexuais ou pelo êxodo em massa de espectadores do cinema, que preferiram assistir filmes em casa.

Para a televisão, no entanto, a Era de Ouro continua a todo vapor, com mais produções do que nunca, de forma que é impossível para qualquer crítico ou jornalista (incluindo este que vos fala) assistir a tudo que é considerado como “TV imperdível” durante o espaço de um ano.

A lista que você encontra abaixo elenca as 15 melhores atuações femininas que eu tive o prazer de ver em 2017, e não se pretende um review completo do mundo da televisão no ano. Tudo o que podemos fazer, em plena Peak TV, é tentar explorar da melhor forma possível, fazendo escolhas de qualidade.

Foi o que tentei fazer. Confira o resultado:

15. Susan Sarandon (Feud: Bette and Joan)

É difícil não ser ofuscada por Jessica Lange, uma das grandes atrizes americanas vivas, especialmente quando Ryan Murphy dá a ela o que é sem dúvida o papel mais emocionalmente aberto e vulnerável da série. Para encarar esse desafio, só uma intérprete consistentemente desafiadora como Susan Sarandon, que dá vida a uma Bette Davis não só completa em trejeitos e voz como também surpreendentemente profunda nos motivos de sua atitude blasé projetada para a indústria. Sarandon encontra inesperada virtude na sutileza, expressando os abismos de ressentimento que deram poder às performances espetaculares de Davis nas pequenas expressões, tudo enquanto construindo um exterior infinitamente envolvente e familiar para qualquer um que conhece a personagem real.

14. Fiona Dourif (Dirk Gently’s Holistic Detective Agency, 2ª temporada)

A energia visceral de Fiona Dourif como Bart Curlish na apropriadamente caótica adaptação de Dirk Gently’s Holistic Detective Agency para a BBC America é a melhor tradução do que faz a série funcionar tão bem, mesmo que não seja exemplarmente fiel ao material original. Isso porque, por baixo dos toques surreais de sua performance, seu visual e premissa inacreditável, Dourif esconde uma jornada de personagem muito mais convencional e envolvente, em uma dimensão realista, do que as pessoas podem supor. Especialmente nessa segunda temporada, a Bart como interpretada por Dourif é sempre a melhor parte da série criada por Max Landis – uma alma perdida, levada pelo rio poderoso do destino e do acaso, pela “interconexão de todas as coisas”, que aos poucos toma consciência de sua agência, seu poder e seu livre arbítrio em meio ao caos patenteado da ficção cômica de Douglas Adams. Ela é tudo o que amamos mais nas criações do escritor de O Guia do Mochileiro das Galáxias, uma performance profunda e profundamente identificável, mas que esconde essa profundidade por baixo do cabelo sujo e da existência absurda de alguém como Bart.

13. Ann Dowd (The Handmaid’s Tale, 1ª temporada)

Se Elisabeth Moss (que está mais abaixo nessa lista) é a consciência moderna de The Handmaid’s Tale, Ann Dowd é a âncora mais pesada que arrasta as referências regressivas de Gilead na série do Hulu. Como excelente intérprete de sempre foi, Dowd sabe que, para interpretar Tia Lydia, precisa expressar uma gravidade e severidade constante que esconde o que é inconfundivelmente remorso e incerteza. Os olhos permanentemente marejados, a voz projetada, a postura de quem contem dentro de si uma fúria incontrolável, um desprezo do mundo que a deixou para trás, está tudo nos detalhes da interpretação vencedora do Emmy de Dowd. Após décadas nas sombras de papéis que não a mereciam, uma das intérpretes mais talentosas e subestimadas de Hollywood finalmente encontrou o reconhecimento em uma personagem que, nas mãos de outra, poderia ser puro exibicionismo e devorar de cenários.

12. Issa Rae (Insecure, 2ª temporada)

Issa é o coração e a alma de Insecure, literalmente – criadora e estrela da série, que ainda é levemente autobiográfica, a melhor virtude de Rae é confrontar cenas desafiadoras com naturalidade. O olhar da atriz para a câmera nas cenas em que Issa se vê na frente do espelho é franco e calculado ao mesmo tempo, expondo cada uma das camadas de sua insegurança (está no título da série, afinal) a fim de construir uma das protagonistas mais expressivas e comunicativas da TV hoje em dia. A arte de Rae consiste em nos vender a complicada mistura de realismo e exagero cômico da série, seu tom ensolarado e a forma precisamente despojada com a qual aborda questões importantes e ausentes das outras séries do gênero. Como atriz, ela faz isso com destreza e precisão, e já sinalizou que, com o passar das temporadas, só vai ficar melhor.

11. Hayley Atwell (Howards End)

Desde seus dois anos como a Agente Peggy Carter da série da Marvel, era óbvio que Hayley Atwell era um grande talento – o que tornou um prazer ainda maior ver esse talento confirmado na pele de um papel tão icônico como o de Margaret Schlegel, a protagonista de Howards End. Interpretada por Emma Thompson na versão cinematográfica de 1992, essa mulher gentil e heroica, típica da literatura de época britânica, ganhou um lado feroz e determinado com a presença sempre cativante de Atwell. É no arco dramático e de expressão que desenha, no entanto, no sutil “desabrochar” dessa mulher confiante e completa, que mora a arte de sua interpretação, que explode em expressividade na hora final da minissérie da BBC, apresentada em 4 episódios. É memorável assistir a Atwell no pleno domínio de seu talento, criando (e recriando) uma personagem inesquecível.

10. Reese Witherspoon (Big Little Lies, 1ª temporada)

É fácil entender a grandeza da interpretação de Nicole Kidman em Big Little Lies, mas sua companheira de produção e elenco, Reese Witherspoon, escolhe um caminho mais difícil. Sua Madeline, na superfície, é a mãe irônica e ultra-estressada que todos nós conhecemos, com o tempero do timing cômico perfeito de Reese. Nessa capacidade, a excepcionalidade da atriz já a transforma na melhor fonte de entretenimento da série, mas é ao expor as neuroses e vulnerabilidades de Madeline que Reese brilha de verdade, construindo e desconstruindo, em todos os detalhes, a mulher real por trás desse estereótipo. Reese faz humor com os hábitos mais fúteis e as respostas mais sarcásticas de Madeline sem demonstrar desdém pela “estirpe social” da qual ela faz parte em todas as suas idiossincrasias, e encontra o drama no coração da personagem com a mesma habilidade que não deixa demonstrar o esforço que é habitá-la.

9. Robin Wright (House of Cards, 5ª temporada)

O mandato de Robin Wright como a melhor “rainha gelada” da TV americana é enganoso – a arte de sua performance não é só a de se tornar cada vez mais excelente em um estereótipo de mulher “durona” e fria, mas de subverte-lo aos poucos, no passar de cada temporada. Sua Claire Underwood, que a essa altura conhecemos tão bem em suas hipocrisias e fragilidades, ainda é uma adversária política formidável e uma mulher de ambiguidade morais intermináveis, mas é também um livro aberto para quem sabe lê-lo. Wright costura ao redor da personagem com a destreza da grande atriz que é, e domina a arte de se comunicar com o espectador (diretamente, com quebra da quarta parede, ou não) tanto quanto a arte de manter partes de Claire escondidas do mundo que a cerca. House of Cards nunca mergulhou tão fundo no íntimo de sua “rainha gelada”, e Wright nunca elaborou emoções tão complexas para combinar com ela.

8. Laura Linney (Ozark, 1ª temporada)

Não é novidade que Laura Linney é uma grande atriz. Indicada a 3 Oscar, 4 Tonys e 5 Emmys (dos quais ganhou quatro!), ela é uma das artesãs mais subestimadas da dramaturgia americana, e encontrou um pote de ouro ao assumir o papel de Wendy Byrde em Ozark. Seria fácil transformar a personagem em uma daquelas “esposas odiadas” de séries com anti-heróis ambíguos, e talvez alguns fãs ainda a leiam assim, mas Linney faz um esforço hercúleo (e frutífero) para afastá-la do estereótipo. A forma como ela dança em torno do tom da série, que passeia com habilidade entre o humor negro e o thriller dramático, faz com que seja impossível desgrudar os olhos de Wendy, ou se virar contra ela – é uma performance que demanda atenção, e que, quando a consegue, mostra cores emocionais complexas, um leque de detalhes que criam uma mulher tão ou mais viva do que qualquer uma na ficção pode sonhar em ser.

7. Bianca Lawson (Queen Sugar, 2ª temporada)

Bianca Lawson passou tanto tempo em papéis que não a mereciam (e, especialmente, papéis adolescentes que não a mereciam) que foi um choque ver o poder de sua atuação em Queen Sugar. Com o sentimentalismo da série mais refinado na segunda temporada, a californiana de 38 anos finalmente pode habitar uma mulher (adulta) complexa, e lidar com as emoções fortes de um período revelador na vida dela. O resultado foi um trabalho sensível, inteligente, que muitas vezes empurra, sozinho, a série para longe da pieguice ou da manipulação fácil – nada parece barato na história de recuperação, na honestidade brutal, no orgulho ferido de sua Darla. Em par com o excepcional Kofi Siriboe, ela foi frequentemente a melhor parte de uma das séries mais essenciais da nossa época.

6. Jessica Lange (Feud: Bette and Joan)

Quando o mundo achou que Jessica Lange não poderia criar mais uma variação sublime das personagens orgulhosas, venenosas e de personalidade monumental que interpretou para Ryan Murphy em quatro temporadas seguidas de American Horror Story, ele a escalou como Joan Crawford em Feud. Foi um golpe de mestre, no melhor dos sentidos – desde o começo da série, nós achamos que conhecíamos a Joan de Lange, porque conhecemos tão bem mulheres similares encarnadas por ela. Foi quando a grande atriz puxou o tapete do público com uma atuação que deixou transparecer a fragilidade por trás do orgulho, a necessidade patética por validação que invariavelmente foi alimentada pela indústria esmagadora machista que a recebeu de braços abertos para depois enterrá-la sem piedade. Lange não só nos fez olhar com olhos diferentes, mais compassivos, para uma personagem que, em muitas variações, passou os últimos 10 anos interpretando – ela também reformou a lenda de Crawford, uma das grandes damas da Hollywood clássica, que merecia melhor do que ser lembrada na forma do estereótipo da “megera”.

5. Keri Russell (The Americans, 5ª temporada)

Tal e qual outras companheiras de lista, o trabalho de Keri Russell em The Americans nunca caiu em qualidade com o passar das temporadas, mas atingiu um novo patamar nesse ano excepcional para as mulheres na TV. Na quinta temporada, a Elizabeth de Russell, assim como muitos dos outros personagens da série, encarou de frente a própria mortalidade e a finitude do tempo, seja o seu tempo nessa vida ou na missão que começou décadas atrás ao ser enviada sob disfarce para os EUA com o marido, Phillip. Russell traduziu esse momento pivotal em uma performance tão minuciosa quanto de costume, encontrando inclementemente as rachaduras do exterior de ferro de Elizabeth, e deixando a luz brilhar por entre elas sem nunca deixar que subestimemos a personagem por causa disso. É um ato de equilibrista em forma de atuação, criando uma mulher perpetuamente prestes a desmoronar, mas obstinadamente sólida, temível e excepcional.

4. Tatiana Maslany (Orphan Black, 5ª temporada)

O talento de Tatiana Maslany nunca ficou menos impressionante com o passar dos anos de Orphan Black, mas ao dar um final às suas múltiplas personagens na ficção científica a atriz mostrou que ainda tinha cantos inesperados para explorar em cada uma delas. O destaque precisa ser sua performance severa e complexa como Rachel, a proverbial “vilã” entre os clones protagonistas da série. Nas mãos de Maslany, assim como a jornada de Allison para se libertar das amarras de sua vida suburbana, o arco de Rachel é imediatamente reconhecível, desenhado com pinceladas de emoção fortes, mas nunca grosseiras. A canadense é o raro talento que impressiona pela quantidade tanto quanto pela qualidade, pela variedade tanto quanto pela profundidade – vale a pena ficar de olho nos próximos passos de sua carreira.

3. Maggie Gyllenhaal (The Deuce, 1ª temporada)

Sem Maggie Gyllenhaal, seria difícil gostar de The Deuce. A série da HBO sobre o mundo da prostituição e da pornografia na Nova York dos anos 1970 foi criada por dois homens, David Simon e George Pelecanos, dois roteiristas talentosos que criam personagens (masculinos e femininos) complexos e interessantes, buscando explorar as ambiguidades do universo que exploram o tempo todo. No entanto, a sensação distinta é que a atuação de Gyllenhaal força o espectador a entender o abuso inerente à atividade da prostituição. Não é uma performance especialmente emotiva, mas não precisa ser – Gyllenhaal sopra vida em sua Eileen/Candy com o brilho da ambição no fundo dos olhos e a inteligência para entender o predicamento de sua profissão, mas também o coração e o espírito quebrado pelas reentrâncias mais sombrias dela. Ela evita que a personagem seja alguém de quem sentimos pena sem pintá-la, tampouco, como acima das indignidades da prostituição. É um trabalho completo e imediatamente envolvente, que nos faz ver Candy por quem ela é e ofegar com ela a cada passo de um caminho cheio de obstáculos.

2. Nicole Kidman (Big Little Lies, 1ª temporada)

É impressionante o quão rápido nos esquecemos do poder de Nicole Kidman como intérprete. Quase uma década e meia depois do seu Oscar por As Horas, o auge de um período em que era fácil descrevê-la como “a melhor atriz de sua geração”, Kidman saiu de seu período obscuro, com algumas grandes atuações que passaram despercebidas em projetos menores, e outras escolhas (A Feiticeira, estou olhando para você…) injustificáveis de carreira. Big Little Lies deu a ela a personagem complexa, com a mensagem importante, que ela precisava para recuperar os holofotes – como Celeste, Kidman criou um retrato detalhista, físico e visceral de uma mulher que sofre abuso doméstico. Sua postura, seus pequenos gestos de evasão, a catarse de se libertar, mesmo que por breves segundos, da sensação de opressão com a qual ela convive, tudo isso apareceu à flor da pele e como um soco no estômago do espectador. No futuro, é bom que não a subestimemos mais – Kidman é o tipo de força cinemática que não pode ser contida, um furacão de intérprete que trabalha um degrau de consciência acima dos meros mortais que dividem a tela com ela.

1. Elisabeth Moss (The Handmaid’s Tale, 1ª temporada)

Nenhuma outra jornada emocional na TV em 2017 foi tão completa, agonizante e à flor da pele quanto a da June (para usar o nome correto) de Elisabeth Moss em The Handmaid’s Tale. Moss, que já havia se mostrado atriz excepcional em Mad Men e Top of the Lake, entre vários outros projetos, entende que interpretar a protagonista de Margaret Atwood não é só sobre expressar a humilhação e o trauma pelo qual ela passa de forma imediata – ao contrário, a June construída pela escritora e pela equipe de roteiristas liderada por Bruce Miller é uma mulher ferozmente moderna mesmo nos momentos mais desesperançados da narrativa. Moss a interpreta com a fagulha no fundo dos olhos de uma mulher esmagada no dia a dia pelas circunstâncias, um estandarte para mulheres oprimidas e abusadas, mas cujo espírito, humor, sexualidade e inteligência ainda brilham em seu âmago, prontas para escapar em cada frestinha aberta na janela sufocante do mundo distópico de Gilead.

Menções honrosas

O universo amplo da TV de hoje em dia significa que não conseguimos “espremer” nessa listinha todo mundo que queríamos. Eis algumas performances que quase entraram: Mandy Moore (na foto) transcende seus dias de ídolo teen para entregar uma atuação intensamente tocante em This is Us; sua colega de elenco, Chrissy Metz, desenhou um dos arcos mais complexos e interessantes da TV entre a primeira e a segunda temporadas; Allison Janney segue sendo uma das forças mais inesperadas da comédia televisiva em Mom; Vera Farmiga reinventou sua Norma com habilidade para o quinto ano de Bates Motel; Millie Bobby Brown não só cresceu como amadureceu muito no papel de Eleven em Stranger Things; Yvonne Strahovski é o elemento mais subestimado do elenco de The Handmaid’s Tale; Rita Moreno rouba cenas a torto e a direito em One Day at a Time; Carly Chaikin é tão excepcional quanto Rami Malek em Mr. Robot; e Samantha Colley faz um retrato poderoso de uma mulher ignorada em Genius: Albert Einstein.

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