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Crítica | Onde Nascem os Fortes marca época com elenco impecável e trama inovadora

Por Lucas Felipe

Fundado em 2011 com a estreia de O Astro, o horário das 23h da Rede Globo tinha o intuito de ser como uma ressurreição do bem-sucedido horário das 22h das décadas de 80 e 90. Tendo a proposta de poder ousar e inovar devido ao horário mais tardio e a seu público mais seleto, a obra de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro garantiu sucesso e o horário passou a ser acompanhado de perto por uma boa parcela dos telespectadores, apresentando uma trama por ano.

Com uma sinopse pautada pela emoção e pela violência, Onde Nascem os Fortes estreou como a segunda “supersérie” do horário, que até Liberdade, Liberdade, exibida em 2016, denominava as obras como novelas das 23h. A mudança de classificação ocorreu em 2017, com a exibição de Os Dias Eram Assim.

Logo em seu primeiro capítulo, a obra de George Moura e Sérgio Goldenberg exibiu um excepcional modo de dramaturgia, apresentando a trama de cara e com uma condução impecável, ficou claro que estávamos diante de algo inovador.

A ideia da supersérie era acompanhar a saga de Cássia (Patrícia Pillar) de volta à Sertão, sua cidade natal, com suas chagas e segredos do passado, para investigar o desaparecimento de seu filho, Nonato (Marco Pigossi), após uma discussão com o temido “Rei do Sertão”, Pedro Gouveia (Alexandre Nero). Junto com sua filha, Maria (Alice Wegmann), irmã gêmea de Nonato, e com o apoio do misterioso juiz Ramiro (Fábio Assunção), ir em busca de justiça e da verdade sobre o que aconteceu com seu filho.

Em 53 capítulos, sendo a segunda obra mais curta do horário (perdendo para O Rebu, com 35 capítulos), Onde Nascem os Fortes criou um novo estilo de dramaturgia, pautado no silêncio, na emoção. Mérito da direção, na maior parte. A condução estilizada da fotografia de Walter Carvalho, combinada à direção artística de José Luiz Villamarim torna a cidade a personagem principal da obra. É como se estivéssemos em todos os cômodos. Sempre observando as situações a alguma distância dos personagens. Foi encantador ver todo o cuidado atribuído à obra, que chegou ao fim nesta segunda-feira (16).

O elenco de Onde Nascem os Fortes, sem dúvidas, foi o ponto mais forte desta obra. Com performances impecáveis e dignas de aplauso, foi uma série que, acima de tudo, soube valorizar os nomes que tinha à disposição. Mas deve-se dizer que Alice Wegmann roubou a cena toda para ela. Chamada de última hora para dar vida a Maria, a atriz se entregou de corpo e alma, e cativou todos os telespectadores com toda a força, intensidade e garra da heroína recifense vítima de todas as circunstâncias possíveis. Palmas a ela.

Mas não foi apenas Alice Wegmann que mostrou seu nome em Onde Nascem os Fortes. Patrícia Pillar, como a leoa maternal e intensa Cássia, deu show em cena com sua bela interpretação. Alexandre Nero conquistou o público com o inicialmente mal compreendido e enternecedor Pedro Gouveia. Gabriel Leone, Enrique Diaz, Jesuíta Barbosa, Irandhir Santos, Lara Tremoroux, Carla Salle e Fábio Assunção entram no panteão da trama, entregando performances igualmente singulares e apaixonantes. Em cada um dos capítulos eles brilharam e encantaram os que assistiam, provocando os mais mistos sentimentos no público, desde o ódio à compaixão. Mais um mérito do texto interpretativo e único dos autores.

O maior problema de Onde Nascem os Fortes residiu na trama. Com um arco muito bem definido nos primeiros dez capítulos, a trama perdeu força e ficou durante algum tempo sustentada apenas nas performances de seu elenco, o que foi uma aposta arriscada que deu certo, e errado ao mesmo tempo. Enquanto afastava alguns telespectadores e provocava críticas devido à pausa em acontecimentos da trama, por outro lado aflorava os talentos de seu elenco. O ritmo passou a aflorar na reta final, nos últimos vinte capítulos, quando a trama realmente teve sua reviravolta, com a descoberta do corpo de Nonato e seus desdobramentos.

Com poucas subtramas, um dos personagens que mais chamou atenção foi o Ramirinho de Jesuíta Barbosa. Complexo, foi dono da maior reviravolta da trama. Foi o assassino de Nonato, após ser forçado por seu carrasco, que deveria ser seu maior alicerce, seu pai. A “Shakira do Sertão”, como ficou conhecido dentro da trama, deu um show com sua performance. Grandioso.

A trilha sonora de Onde Nascem os Fortes também é digna de parágrafo. Composta por canções de nomes como Rubel, Gal Costa, Fagner, Johnny Hooker e Caetano Veloso ditou o tom das cenas e contribuiu para o clima “sensorial” da supersérie. Com direto a uma interpretação de “Mal Necessário” na voz de Jesuíta Barbosa.

Repleto de silêncios, tempos e espaços, o texto complexo da série soube utilizar o trabalho dos atores em sintonia com a direção de maneira a tornar tudo ainda mais grandioso.

Em sua reta final a trama cresceu de modo incomensurável. Todos os conflitos foram inflados e o peso da trama ganhou ares de épico. Com um último capítulo aberto a interpretação, Onde Nascem os Fortes concluiu sua jornada do modo que propôs desde o início, de ser inovadora e levar o público a experiências raramente apresentadas na televisão aberta. Vai deixar saudades.

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