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Crítica | Star Trek: Discovery - 1ª Temporada

Quando um projeto audiovisual, seja filme ou série de TV, mira explorar a galáxia e moldar o universo de acordo com mitologias próprias e uma narrativa que visa enaltecer as divergências culturais e características de cada povo, a probabilidade de produzir uma empatia é cintilante. Cintilante como são as estrelas que fazem parte do nosso sistema solar e também os de outras galáxias. Mas como descobrir como são estas galáxias e o que elas possuem de planetas e povos? Star Trek: Discovery, assim como todas as produções do mesmo nome predecessoras fizeram, ganhou destaque nos últimos dois meses, visando justamente estruturar e garantir a identidade própria de cada personagem novo, cultura nova e principalmente as já conhecidas. Dadas as diferenças e os conflitos internos e externos, Discovery eleva novamente uma produção episódica de Star Trek ao nível das séries clássicas.

Protagonizado por Michael Burnham (Sonequa Martin-Green), Discovery a colocou em imediato já em um posição conflitante com sua moralidade. Humana, foi criada pela sociedade Vulcana, a mesma raça alienígena de Spock. Guiados pela ideologia da lógica e da erradicação dos sentimentos, Michael foi a primeira tentativa de fazer uma coligação entre as duas espécies, o que não acabou acontecendo, devido ao fato de que Michael falhou em buscar os padrões estabelecidos pelos Vulcanos. É interessante já de imediato perceber que este conflito pessoal sobre a busca pela perfeição mas sem deixar de lado o sentimentalismo humano é o que guia Michael por suas motivações e especulações em torno de ações. Quando por exemplo, condenada por motim após não seguir ordens de sua ex-capitã Georgiou (Michelle Yeoh), e iniciar a atual guerra entre a Frota Estelar com a ameaçadora raça Klingon.

Ao longo de quinze episódios, há uma panorâmica exclusiva sob Michael utilizando duas camadas narrativas: a da personagem com si mesma, seus conflitos, arrependimentos e aceitação do fracasso e a da personagem com os outros personagens, sejam eles os tripulantes da nave que a acolhe, Discovery, ou os remanescentes da antiga viagem à bordo da Shenzou, quando a mesma caiu na emboscada Klingon, perdendo sua capitã. Apesar das semelhanças que a personagem de Michelle tenha com Capitão Kirk da série clássica – o que perpetua as concisas homenagens às produções clássicas – ela se torna uma espécie de mentora e passa de amiga para uma espécie de protetora e mãe. Michael, então, lida com a ideia de que sua impulsão e emoção podem comprometer novamente outras pessoas, por isso, si coloca dentro de uma casca protetora, se eximindo das responsabilidades que podem trazer novamente respostas emotivas. Parte disso fora treinado por seu antigo mentor Vulcan, Sarek (James Frain), que após uma situação de perigo, precisa ser resgatada por Michael, agora em nova nave e nova tripulação: Tilly (Mary Wiseman), Ash (Shazad Latif), Stamets (Anthony Raap) e o Capitão Gabriel Lorca (Jason Isaacs).

Mas nem todos são novos. Saru (Doug Jones), antigo cadete da nave Shenzou e agora, o segundo em comando da Discovery é o que traz um peso bastante complexo. Aos poucos, revela seu remorso e inveja pelo fato de tentar alcançar um posto maior por parte de Michael. No começo da série, ela se torna uma ameaça não-letal à ele, mas nada que o impeça de se orientar perante seus níveis de bondade e visualizar que há algo sempre acima de si próprio. É importante ressaltar que há uma disposição do roteiro em diluir as características de cada personagem dentro de seus mini-núcleos, micro-transações e missões próprias, com o intuito de garantir que o conflito desenvolvido do meio da série para o final tenha coesão e participação ativa de cada um deles, que ganham determinada importância ao longo da estruturação da linha narrativa.

A relação homossexual de Stamets com o Dr. Culber (Wilson Cruz) busca emancipar o contrabalanço para o próprio cientista: antes monossilábico e frio, se torna alguém mais amável e sentimental, disposto a fazer sacrifícios carregados de altruísmo e respeito para com os outros. Não que tenha sido conivente ou um gatilho de mudança, tanto que a situação se altera em um tempo inesperado e até mesmo rápido, o que pode ter feito com que o personagem se perdesse em meio às suas próprias considerações, entretanto, saiu como um dos personagens mais carismáticos, justamente por possuir em suas revelações, uma aura de identificação com outras criaturas e até mesmo, a si próprio. A remeção às séries clássicas se iniciam nele, começam a tomar corpo, reservando um espaço para uma reviravolta ao final da série, trazendo novamente Michael para o centro da história, afinal, é através dela que são exaltadas não somente as semelhanças enfáticas a um humano, preso e situado dentro de um ambiente não muito propício, mas também as divergências tão separadas.

E na situação clara de diferenças, os Klingons possuem um contrassenso que evoluiu a cada ponto, mesmo que a vilania em si seja genérica e pautada em motivações não muito originais. É necessário e, assim foi durante a série, representar um povo tão diferente, com sua própria cultura militar e armamentista e dentro disso, suas estratégias e narrações sobre o mundo e a convivência com outros seres. Pouco a pouco, o destaque não somente em relação à civilização mas também referente aos seus pontos mais incomuns cresce e permite criar um senso de estabelecer um povo também em crise, que moldado a partir de estatutos e normas antigas, em parte não acompanha o fluxo da contextualização, por mais inteligentes e estratégicos em segmento militar possam ser. Não há uma permissão, pelo menos nos mais vis do grupo, em ultrapassar esse limite simplório de tirania e vilania.

Evidente que Star Trek: Discovery não precisou disso. Seria somente um capricho a mais para elencar o desfecho da série. A produção conseguiu provar que não carrega somente similaridades às produções antigas – e as executando bem -, como conseguiu estabelecer um sentido mais original ao estabelecer em seu núcleo de personagens principais, características que as fazem ter total conhecimento de si mesmas, compreender as situações de emergência e presenciar acontecimentos importantes sem nunca perder o que há de mais singular dentro de si. É um idealismo cru, mas que serve e se relaciona bem com a narrativa e com seu desfecho, possuidor de um semblante clássico e familiar.

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