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Desventuras em Série | Crítica - Segunda Temporada

Por mais irônico que pareça, todos os conselhos que Lemony Snicket, o personagem narrador de Patrick Warburton, dá ao início de cada episódio como “largue isso se você quer assistir a algo mais feliz” ou “se você for esperto o bastante, dará o stop” servem como uma luva para a proposta oferecida por Desventuras em Série. Claro que, em seu segundo ano, é de se esperar que as desventuras dos irmãos Baudelaire e Conde Olaf atraiam apenas que embarcaram na proposta gótica e lúdica da primeira temporada, e que aqui prossegue no mesmo tom, se tirar nem por. Essa peculiaridade que é acompanhar Desventuras em Série, por si só, enriquece a experiência dos novos dez episódios lançados pela Netflix, por mais que o universo idealizado pelo escritor Lemony Snicket (sim, o já mencionado personagem narrador de Warburton) ainda peque pelo olhar excessivo dos envolvidos.

Era de se esperar que, após a recepção morna da adaptação estrelada por Jim Carrey em 2004 e as reclamações em relação a estrutura da primeira temporada (que agradou, principalmente, pela fidelidade aos livros), o showrunner Barry Sonnenfeld (o diretor de clássicos da estética gótica como A Família Addams e MIB – Homens de Preto) repensasse a dose com que aquele universo fantasioso era explorado, em especial na dose de violência que incomodou alguns espectadores na temporada anterior, por mais que, apesar de estrelada por crianças, Desventuras em Série seja mais cínico, sombrio e desesperançoso do que uma produção infantil permitiria.

Pensando nisto, é notável como todas estas características surgem mais equilibradas nos novos episódios, que mais uma vez adapta um livro da série a cada dois episódios, o que não impede que os roteiristas tomem suas próprias liberdades criativas em relação ao material original. De qualquer forma, a violência se torna mais amena, embora não deixe de ser cruel às crianças, enquanto algumas tiradas adultas podem facilmente passar despercebidas aos olhares dos menores graças a fina sutileza dos roteiristas, que não desejam abandonar esta característica provocadora que aquele mundo permite.

E este é o ponto mais delicioso na proposta de Desventuras em Série, ter nas próprias mãos as chaves da criatividade para explorar a bizarra realidade que cerca os irmãos Baudelaire, inundando a tela de personagens bizarros que são acompanhados por cenários diretamente inspirados no que Tim Burton reinventou para a atmosfera gótica nos anos 90, desde a estética cartunesca, exagerada e teatral conferida pela direção de arte até a paleta de cores cinzenta, fria, que mergulha em tons melancólicos a jornada dos irmãos em fugir das garras do temível Conde Olaf, ainda de olho na fortuna que Violet (Malina Weissman) herdará ao atingir a maioridade.

O que parece faltar aos roteiristas, entretanto, é a noção de que nem tudo o que há nos livros funcionará na tela, e nem todas as brincadeiras metalinguísticas/auto-irônicas/sarcásticas irão soar autênticas a todo momento. Se ao menos aqui não temos os irmãos pulando de tutor para tutor como ocorreu na primeira temporada, chega um momento em que as situações que apenas dificultam a fuga dos irmãos parecem injustificadas mesmo dentro daquela realidade fantasiosa, o que em certo momento condena os episódios a simplesmente andar em círculos, impedindo que qualquer solução real se posicione para os irmãos. Da mesma forma, as narrações de Lemony Snicket se tornam intrusivas demais e quebram a força da ironia, assim como nossa imersão nas situações das quais os Baudelaire tentam sair. Basta reparar, por exemplo, nas extensas tiradas sobre as comidas de salmão na primeira parte de O Elevador Ersatz.

Felizmente, já não há mais aqui a necessidade em gastar tanto tempo apresentando personagens e trabalhar na ambientação (um dos fatores que travou a temporada anterior), o que permite ao time de roteiristas trabalhar com as situações de forma mais acelerada, ao mesmo tempo em que dão mais espaço para que outros personagens cheguem bem perto de roubar a cena, como a bebê Sunny (Presley Smith), cheia de momentos tão inspirados que só não toma os holofotes para si devido ao excelente trabalho físico, corporal e presencial de Neil Patrick Harris como Olaf, com o ator se esbanjando na caricatura do próprio personagem e nos diversos disfarces que o conde coleciona ao longo dos episódios, um prato para uma figura notoriamente carismática e animada como Patrick Harris.

E apesar do cliffhanger final bobo (e que mais parece uma interrupção na transmissão do que um desfecho em aberto propriamente dito), o novo ano de Desventuras em Série empolga, diverte e cativa, apesar das pequenas falhas. Já caminhando para sua conclusão na próxima temporada, é de se esperar que os envolvidos se esbaldem ainda mais nas possibilidades imaginativas desse universo fantástico.

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