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Paradise Police | Crítica - 1ª Temporada

Liberada a mais nova animação para adultos da Netflix, Paradise Police. Não apenas no sentido de disponibilizada para as pessoas assistirem, mas principalmente, liberada de quaisquer obrigações ou compromissos morais e éticos.

Vale um aviso: aos mais sensíveis ou defensores do humor politicamente correto, melhor passar longe desta animação criada pela dupla Waco O’Guin e Roger Black, pois provavelmente tudo o que esta série vai conseguir é revirar seu estômago, não pelas escatologias, mas pela leviandade com que aborda temas polêmicos.

Já, aos apreciadores do politicamente incorreto, ou simplesmente pessoas que os limites morais se perdem de vista no horizonte quando circulamos o mundo das expressões artísticas. Paradise Police que apresenta o pandemônio que acontece em uma delegacia de polícia de uma cidade pequena, será um deleite.

Grande ironia o nome desta cidade, Paradise, na tradução, paraíso. Pois está mais para um inferno repleto de traficantes, racistas e molestadores. Aí entra a esperteza dos variados roteiristas desta animação: ao invés de tentar elevar qualquer um dos personagens criados, optam por nivelar em graus baixos. Mesmo quando estes buscam fazer a coisa certa, seguem por caminhos antiéticos, ou que levam à maiores imoralidades.

Para se ter a ideia qual o tipo de mundo elaborado por O’Guin e Black para a série da Netflix, algumas descrições: temos o chefe de polícia Randall Crawford, o machista nervoso sem-noção; seu filho Kevin, o aprendiz de polícia nerd imaturo; Gina Jabowski, a policial desequilibrada pró-violência excessiva; Fitz, o agente corrupto e complexado; além de Bullet, o cão tarado e viciado, que usa todo tipo de droga, seja medicinal ou recreativa. Tendo em vista, estes tipos estereotipados, somados a um texto de escrita das mais ácidas, que trata de assuntos como rinha de cachorros, transtorno pós-traumático, polarização social na América e crescimento da indústria de metanfetaminas nas partes mais pobres do país. Este último, o mote central da história, sendo apresentado logo no primeiro episódio até o final da temporada, que termina com um gancho para a próxima.

Em Paradise Police, não há sentimento de culpa por qualquer um que seja, até porque a animação não poupa ninguém. Isso já ficava claro pelo trailer, inclusive. Curioso que no episódio três, definitivamente, o melhor e mais sensato, além de também ser o mais criativo, vemos a pecha se transformar em virtuosismo, através de uma amostra das mais absurdas e abjetas, mas provida de grande inteligência emocional em uma análise do fanatismo polarizado que tomou conta de boa parte do planeta nos anos mais recentes. Usando do transtorno bipolar do personagem Fitz, que no episódio acidentalmente atira em si mesmo, o que leva a aflorar seus distúrbios criando uma dupla personalidade, metade policial, e a outra parte, um marginal. A partir disso, o roteiro vai por duas vias: uma visando serviço público pró-social, e a outra, uma caricatura farsesca simplesmente brilhante sobre o momento político da América do presidente Donald Trump.

Pela via do serviço público, a série mostra que tem coração mole, talvez, apenas um por cento de coração mole. Pelo roteiro de Aaron Lee para o terceiro episódio, é oferecida a melhor chance para redenção em toda a série, e esta se apresenta pela personagem ultraviolenta Gina, que fez pouco caso da condição de Fitz. Mas, foi no campo político onde Paradise Police conseguiu real choque. Através de grupos sociais distintos: um que defende a vida das pessoas negras, os Black Lives Matter, traduzido, Vidas Negras Importam, e o outro que defende a vida dos policiais, os Blue Lives Matter, traduzido, Vidas Azuis Importam, cada um destes, apoiado pelas redes de notícias CNN e FOX News, respectivamente. Conscientes dos partidos políticos que cada uma destas redes de notícias geralmente mostram maior apoio, CNN com os liberais democratas, e FOX News ao lado dos conservadores republicanos, os criadores de Paradise Police conseguem algo raro. Ao mesmo tempo, humor do mais hilariante e uma reflexão filosófica sobre o momento atual.

Em uma mistura de audácia e irreverência descarrilada, com os dois pés fincados na ofensa, vários temas e situações são colocados na mesma bacia sem qualquer filtro: raça, religião, identidade de gênero, pró-armamento, aborto, nazismo, pró-vida e pró-direitos aos LGBTs. Aqui, em uma imagem atordoante na mesma medida que é efusivamente cômica, a animação da Netflix nos apresenta, de maneira muito consciente, a complexidade do mundo atual, paradoxal, contraditório, polivalente e completamente incompreensível pelo viés da lógica. Afinal, fazer comédia nada mais é do que compreender quantos dramas cabem dentro desta, e fica claro que em Paradise Police, aparentemente, cabem todos.

Apesar de tratar com lucidez tais abordagens, seus criadores Waco O’Guin e Roger Black não escondem discursos partidários. No nono episódio, o roteiro tira sarro, descaradamente, do jornalista do canal FOX News, Tucker Carlson, que um dia disse em rede nacional que um dos maiores problemas da América era a invasão cigana que instaurou o caos nas ruas com fezes, lixo e cabeças de galinha decepadas. Tal notícia foi veiculada como o apocalipse cigano.

Outro aspecto interessante da série, voltado aos aficionados por cultura pop e celebridades, são as variadas referências citadas. Da aparição, em versão animada, das crianças da série original da Netflix Stranger Things, até uma versão tarada do físico mundialmente famoso Stephen Hawking; do astro Johnny Depp confundido com um cigano e ironicamente apanhando, ao uso de máscaras de borracha usadas em um assalto a banco com a cara do comediante, agora assediador Louis C.K.

Paradise Police, assim como outras animações advindas do tipo de humor praticado em Os Simpsons, servem como mais um degrau na escala evolutiva deste formato. Entenda evolução, não como uma forma superior, mas como uma constatação reflexiva do tempo presente. Se a série dos personagens amarelos, pode ser indicada, como algo mais requintado, ou bem ponderado, também pode-se dizer da assertividade ao retratar aspectos relevantes como religião, consumismo, política e sociedade. Assim também, mas de uma maneira muito mais ultrajante com Paradise Police, ou como as asneiras ditas pelo folgado Eric Cartman de South Park. Esta série é para aqueles que conseguem rir com, ou de Cartman e todas as suas falhas de caráter.

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