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Preacher | Crítica - 3ª Temporada

CONTÉM SPOILERS DA TEMPORADA

Já em sua temporada inaugural, Preacher se estabeleceu como uma das séries mais insanas da atualidade, rivalizando com poucas outras nesse quesito, dentre elas Legion, de Noah Hawley, e Rick and Morty. Irreverente e totalmente despreocupada em incomodar os religiosos mais devotos, a série da AMC estabeleceu toda essa loucura não apenas através de sua trama, como também através da forma como ela é contada, não muito diferente da já citada Legion – ainda que o resultado final seja essencialmente diferente.

Essa terceira temporada de Preacher já era indicada como um arco bastante pessoal para o protagonista, Jesse Custer (Dominic Cooper), que retorna para Angelville a fim de ter sua namorada, Tulip O’Hare (Ruth Negga) ressuscitada pela avó de Custer, vivida de forma perturbadora por Betty Buckley. Evidente que para tudo há um preço, e o pastor acaba ficando preso, sob contrato de sangue, na casa. Enquanto isso, a organização The Grail, continua na sua cola, o querendo como o substituto do Messias, que sofre de sérios problemas mentais.

A ameaça representada pela Vovó (em tradução livre, do original gran’ma) é estabelecida desde o episódio de abertura desse terceiro ano da série. Com um prólogo em preto e branco, vemos a personagem assassinando a mãe de Jesse, apenas para descobrir o segredo que ela escondia: que não passa do próprio Jesse, que ainda vivia com seu pai. Assim, de forma simples, o roteiro faz com que nos lembremos do flashback da morte do pai de Custer, um dos aspectos centrais da narrativa da série, visto que é o que motivou o protagonista a seguir o caminho de Pastor.

De início, temíamos que a temporada acabaria se tornando repetitiva, em razão do foco constante em Angelville, com sucessivas tentativas, por parte de Jesse, Tulip e Cassidy (Joseph Gilgun), de escapar do local. Com isso, a série acabaria caindo novamente no problema que afligiu a irregular segunda temporada, que demonstrou consideráveis sinais de estagnação na sua metade. Felizmente, esse não foi o caso, visto que o showrunner, Sam Caitlin, juntamente de sua equipe de roteiristas, conseguiu dinamizar esse relativo confinamento dos personagens, expandindo nosso conhecimento sobre o passado daquele lugar, além de trabalhar com núcleos paralelos.

Por sinal, Caitlin faz um ótimo trabalho em se aprofundar no The Grail, que, até então, basicamente girava em torno de Herr Starr (Pip Torrens) e seus dois, em geral, incompetentes lacaios. A introdução do Allfather, líder da organização, imediatamente aprofundou esse lado da história, explicando o porquê de Starr querer tanto que Jesse sirva como o Messias. A situação do descendente direto de Jesus Cristo já é motivo o suficiente para a substituição, claro, mas agora aprendemos que há alguém louco o suficiente para, de fato, querer colocar essa pessoa problemática como salvadora do mundo e, ainda por cima, quer destruir todo o planeta com bombas nucleares.

Dito isso, é impressionante como a série consegue transitar entre o risco oferecido pelo Allfather, que funciona como uma ameaça mais geral, e aquele gerado pela Vovó, que, naturalmente, funciona como um perigo mais imediato e pessoal para o protagonista. Melhor ainda que esses dois lados da história não se distanciam muito, permanecendo unidos através da alma de Jesse, que permanece nas mãos do The Grail e serve como a chave para desbloquear o poder do Genesis.

Já falando desse poder, o showrunner sabiamente o deixa fora da jogada pela maior parte da temporada, funcionando como o principal macguffin desse terceiro ano, visto que representa única maneira de Jesse conseguir sua liberdade de sua Avó. A superutilização desse elemento tornaria toda a narrativa repetitiva, visto que o Genesis cumpriu papéis mais ativos nas duas primeiras temporadas – além de que, é claro, serviria como fácil solução para todos os problemas que enfrentaram nesses últimos dez episódios. No fim, portanto, considerando todo o trabalho para conseguir o poder de volta, não há como enxergá-lo como um deus ex machina, e sim como a devida recompensa pelo sofrimento enfrentado.

Aliás, importante notar como, mesmo já com os poderes de volta, Custer evita usá-lo em certas situações, demonstrando não apenas um relativo (e não total) amadurecimento do personagem, como uma boa escolha dos roteiristas em tornar certos conflitos mais pessoais – vide o muito aguardado mano a mano de Jesse e Jody, que, acima de tudo, funciona como vingança pela morte de seu pai, introduzida lá nos primeiros episódios da temporada inaugural.

Não bastasse isso, a temporada ainda se renova através da subtrama envolvendo um culto de vampiros, que mais uma vez aumenta as doses de surrealismo da série, com Cassidy descobrindo a existência de muitos outros poderes dos quais ele não fazia ideia. Dessa forma, o personagem ganha a devida atenção, com uma história focada quase que exclusivamente nele, permitindo que os roteiros dos episódios o desenvolva de maneira apropriada, algo que vimos pouco nos dois anos anteriores de Preacher.

Mas há sempre um elo mais fraco na corrente e o dessa temporada é o arco de Eugene (Ian Colletti) e Hitler (Noah Taylor), que, após fugirem do Inferno, são relegados ao segundo plano, com pouquíssima progressão narrativa, servindo, basicamente como instrumentos para possibilitar a fuga de Tulip nos episódios finais, além de deixarem a ponta para a próxima temporada. Dito isso, sentimos que suas histórias poderiam ter sido melhor trabalhadas, especialmente o lado de Hitler, que começa a reformar seu regime nazista nos EUA, o que, ao menos, rende um dos momentos mais hilários da temporada, com a SS aparecendo para o resgate nos dois últimos capítulos.

Isso, no entanto, não influi muito negativamente em nossa percepção da temporada como um todo, afinal, como já dito antes, tão importante quanto desenvolver a história é a maneira como ela é contada e, nesse quesito, a série faz uso de alguns ótimos recursos visuais e sonoros para manter aquele ar de estranheza que sempre permeou Preacher.

Sejam os gigantes letreiros, acompanhados por sons dramáticos, cortes repentinos, closes inesperados, ou pura e simplesmente através dos movimentos de câmera, Preacher se mantém como um espetáculo da insanidade, são suas idiossincrasias que formam a sua identidade, permitindo que até a cena mais violenta, preenchida por tripas e sangue, acabe sendo engraçada. Trata-se de uma mistura homogênea entre tensão, terror, comédia e ação, que não tem medo de abraçar aspectos trash para se diferenciar da grande maioria das séries por aí.

De quebra, ainda ganhamos alguns trechos claramente inspirados no cinema clássico hollywoodiano, como a clara homenagem aos filmes de faroeste que temos em meio a um dos episódios, o que perfeitamente remete às origens da AMC, que nasceu, como um canal que exibia clássicos do Cinema (vide o nome, American Movie Classics).

Assim sendo, mesmo com o arco hesitante envolvendo Eugene e Hitler, além do risco de cair na repetitividade, graças ao foco em Angelville, Preacher consegue sair por cima, nos entregando uma temporada imperdível. Ao mergulhar no passado de seu protagonista a série entrega o que há de melhor nela, um humor negro irreverente, que traz ótima forma e substância. Não bastasse isso, ainda são deixados ótimos ganchos para uma quarta temporada, que promete mais insanidades envolvendo Jesse Custer e sua trupe.

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