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Um adeus a Teen Wolf, a última boa série ruim da televisão americana

Teen Wolf me foi indicada por um amigo muitos anos atrás, e bastou a sugestão do “remake” de um filme com Michael J. Fox na forma de série de TV para me fazer dar play no primeiro episódio. Dias depois, o mesmo amigo me perguntou o que eu achava de Tyler Posey, o protagonista Scott McCall, e me lembro distintamente de responder: “Ele é muito ruim, mas é difícil não gostar dele”. Com o episódio final da fantasia da MTV exibido nesse domingo (24), me deparei com a conclusão de que essa frase não passa tão longe de descrever Teen Wolf como um todo.

Em plena era de Peak TV, eu não teria a coragem de dizer que Teen Wolf é um pedaço de cultura “essencial” para o nosso tempo – mas eu ainda me sinto um pouco mal por quem não teve o prazer de acompanhá-la nesses últimos seis anos. A última boa série ruim da televisão americana, antes dessa era de preto-no-branco crítico, cresceu com o passar dos episódios mantendo uma coerência e um senso de diversão e identidade que falta a muitas produções mais ambiciosas e elogiadas.

A arte da boa série ruim pressupõe uma falta de ambição enganosa, aliás. Em 100 episódios, Teen Wolf se mostrou audaciosa de uma forma que realmente poucas produções são hoje em dia – fraturando narrativas e brincando com gêneros o tempo todo, especialmente da 3ª temporada adiante, desbravando tabus de sexualidade e discretamente montando histórias empoderadoras para suas mulheres. Sem medo de sua própria falta de sutileza, Teen Wolf conseguiu entreter e surpreender de forma incansável por seis temporadas, o estilo e a força de sua equipe criativa passando por cima das storylines mais convolutas e pontas soltas mais absurdas do roteiro.

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Russell Mulcahy (esquerda) no set de Teen Wolf com o ator Daniel Sharman (centro) e o criador, Jeff Davis

Em muitos e muitos sentidos, Teen Wolf é o rebento de Russell Mulcahy, um dos diretores de história mais singular de Hollywood. Ele é o homem que dirigiu “Total Eclipse of the Heart”, o delirante clipe de Bonnie Tyler, e fez outros vídeos musicais para Elton John, Duran Duran, Spandau Ballet e Queen – em suma, Mulcahy basicamente inventou a inflada sensibilidade pop dos anos 80. No cinema, criou obras-primas da breguice e da inovação cega, como O Corte da Navalha (1984), Highlander (1986) e O Sombra (1994), mas também dirigiu o sensível Rezando por Bobby (2009), com Sigourney Weaver, uma história devastadora sobre um garoto LGBT (como Mulcahy, que vive com seu namorado na Austrália).

Mulcahy dirigiu 38 episódios de Teen Wolf, o bastante para moldar, de forma inevitável e irrevogável, o que a série é e se tornou. É desnecessário dizer que Mulcahy não é afeito a pisar no freio – suas sequências de ação são ridículas e cheias de câmera lenta, suas cenas de alucinação filmadas ligeiramente fora de foco (créditos para o diretor de fotografia David Daniel, que assinou 66 episódios da série), a música de Dino Meneghin sempre alta e variando rapidamente entre sinistra e alucinante. Nas mãos de Mulcahy, Teen Wolf é uma bobagem deliciosa de se assistir, insuspeitamente ousada e fascinante, perpetuamente com um olho no trash e o outro em Hollywood.

Parte do segredo para esse ato de equilíbrio da boa série ruim, no entanto, também tem a ver com envolver o espectador na história dos personagens. Teen Wolf pode não ser sutil, mas jamais presumiu ser inócua – foi uma série sobre amadurecimento, responsabilidade, perda e luto, que olhava com sinceridade e consideração para os dramas adolescentes contemporâneos, retratando com precisão uma geração super-exposta ao mundo que, apesar de todas as suas particularidades, ainda passa por ritos e momentos semelhantes àqueles que seus pais enfrentaram para se tornarem adultos. A salada mista de referências mitológicas da série e sua trama ziguezagueante sempre foram secundárias para as relações estabelecidas entre os personagens.

Dylan O'Brien como Stiles
Dylan O’Brien como Stiles

E embora Tyler Posey não tenha se tornado um grande ator com o passar dos anos, a série nos apresentou a um intérprete que ainda impressionará com o que é capaz de fazer: Dylan O’Brien (Stiles). O carisma e o bom timing cômico são só a superfície de seu talento, que construiu um Stiles inteligente e engraçado, mas cheio de conflitos – seja nos trágicos subtons de sua relação com o pai, na ansiedade constante que parece dominar o personagem, ou no lado sombrio de sua personalidade. Quando permitiu que O’Brien brincasse de vilão na 3ª temporada, na qual Stiles é “possuído” por uma entidade maligna, Teen Wolf se tornou, por breves semanas, um pedaço obrigatório de televisão.

Eu não tenho mais o tempo hábil para assistir uma série como Teen Wolf – são produções excelentes demais, que exigem atenção e dedicação, para que um drama sobrenatural adolescente se torne prioridade –, mas eu fiquei até o final mesmo assim, e vou sentir falta da minha dose semanal das melhores cenas de alucinação da TV americana. Essa honra, ainda que dúbia, é o mínimo que Teen Wolf, a última boa série ruim da televisão, merece.

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