No ultimo domingo (30), Westworld chegou ao seu quinto episódio. Serão 10 na primeira temporada da série da HBO (mais um ponto para os fanáticos por comparações imediatamente relacionarem com Game of Thrones) – logo, estamos na metade do caminho. Cinco semanas de história depois, já está na hora de quebrar com o mito de que Westworld chegou para ser a “nova Game of Thrones” da HBO, um “golpe” publicitário que teve muito mais a ver com oportunismo do que com semelhanças artísticas entre as duas séries.
E sim, eu sei bem que são, ambas, produções caras e importantes da mesma emissora, com cenas de violência e sexualidade explícitas, uma multidão de personagens envolvidos na mesma história, passada largamente em um reino fantasioso (seja o Velho Oeste, o futuro distante ou um mundo de fantasia inspirado na Idade Média). É difícil para quem observa de fora, talvez, perceber como essa lista de semelhanças é absolutamente superficial, e não tem nada a ver com a essência das séries e seus possíveis paralelos.
Westworld não é da mesma estirpe de narrativa do que Game of Thrones, não quer dizer as mesmas coisas, e não conta com os mesmos instrumentos, ou a mesma sensibilidade, para dizê-las. Cinco episódios depois de seu início, a produção da HBO se desprendeu tanto de sua suposta “série-irmã” que fica até difícil compará-las, mesmo que para propósitos de paralelo cultural na intenção de entender o que conversa com a cultura pop do momento.
Na realidade, essa é a única possível relação útil entre as duas séries. Como produtos da mesma filosofia de produção (já que estão na mesma emissora), são marginalmente interessantes, mas podem ser comparadas com tantas outras que fica difícil achar um elo especial; como histórias, são diametralmente opostas, seja explícita ou metaforicamente; é como parte da cultura pop proeminente de duas eras diferentes da televisão e do ambiente social que Westworld e Game of Thrones estabelecem um vínculo – e talvez ele seja mais complicado de observar do que a campanha de marketing pode te indicar, mas é também é mais cheio de possibilidades.
Por trás das cortinas
Game of Thrones estreou com uma audiência total ligeiramente maior do que Westworld, lá em 2011. Desde então, a série só fez crescer, atingindo pico de quase 9 milhões de espectadores no final da sexta temporada – em seu começo, por enquanto, Westworld luta para permanecer nos 2 milhões nos EUA, mas o hype on-line deve ajudar a série a atingir novas alturas conforme os episódios foram se seguindo. Há a preocupação, no entanto, que por toda a sua publicidade, Westworld não venha a se tornar um hit tão grande quanto Game of Thrones, e talvez uma parte disso tenha a ver com seus criadores.
Apesar de ser inspirada nos livros de George R.R. Martin, Game of Thrones é de fato criada por David Benioff e D.B. Weiss – uma metade dessa dupla (Benioff) é um roteirista de cinema bem-sucedido e eventualmente elogiado, com créditos em filmes como A Última Noite, Tróia, O Caçador de Pipas e X-Men Origens: Wolverine. A coprodução britânica (pouca gente se lembra, mas Game of Thrones é só parcialmente responsabilidade da HBO) e a novidade de uma obra épica na TV deram à série centrada nas histórias de Westeros uma vantagem no mínimo considerável.
Westworld, por sua vez, vem com o carimbo de Jonathan Nolan, cuja série anterior, Person of Interest, foi perdendo audiência na TV aberta conforme a CBS permitiu que ela se tornasse cada vez mais conceitual e cada vez menos convencional. Produção americana por excelência (afinal, o faroeste é o gênero mais americano de cinema), a série parece limitar seu público ao se posicionar como uma voz pensante em meio a uma paisagem televisiva de prestigio que, cada vez mais, esconde suas tendências reflexivas por baixo de muita violência e técnicas baratas de atração de audiência.
Essa não é uma condenação de Game of Thrones, mas há algo de admirável na forma como Westworld, e Jonathan Nolan como autor em geral, procuram pegar o espectador pelo braço e conduzi-lo, em seu ritmo, à discussões importantes que não se escondem sob o verniz de entretenimento barato. Westworld quer dizer coisas profundas tanto sobre a nossa humanidade, como parece na superfície, quanto sobre o caráter repetitivo da vida que levamos, e as pequenas coisas que nos afastam dessa alienação voluntária no mundo “normal”. Westworld quer que você se pergunte o quão real o seu mundo é, e não só os dos androides que passeiam pelo parque temático de seu título.
Ficção científica vs. Fantasia
Essa abordagem é uma diferença muito marcada, também, entre fantasia e ficção científica. Em alguns sentidos, elas podem parecer próximas por serem reflexões da realidade através de mundos e sociedades que não existem e, em muitos casos, nem podem existir. A fantasia e a ficção, no entanto, refletem a natureza humana de perspectivas diferentes e com objetivos experimentais diferentes.
Enquanto a fantasia usa a identificação humana com traços reconhecíveis para ajudar o espectador a superar a irrealidade do mundo que apresenta, a ficção procura encontrar esses traços no humano de hoje para examinar de que forma eles seriam exacerbados e expressados em um futuro ou universo alternativo imaginável. A fantasia de Game of Thrones busca aproximar a política de Westeros da nossa, e os exames de temas como crença e opressão daqueles que vivemos, como forma de nos envolver ainda mais em sua história – e funciona.
Enquanto isso, o propósito expresso de Westworld é tentar entender a forma como esse mundo paralelo criado por nós no parque modifica, provoca ou reproduz a experiência e a natureza humana. Ao observar os androides interagindo e quebrando com sua “programação”, Westworld quer que pensemos na forma como essa inteligência artificial, que, no mundo da série, nós mesmos criamos, se assemelha a inteligência “natural” de seu criador. Será que não buscamos, também, quebrar programações? Será que, por outro lado, não somos constantemente reprimidos por elas?
Em Westworld, os “convidados” vão ao parque para libertar seu lado mais “selvagem” sem nenhuma consequência. Ao mesmo tempo, os androides sofrem e, aos poucos, começam a se rebelar contra essa instituição que, para permitir a liberdade e o “descarrego” de uns, promove a infelicidade de outros. Caso soe familiar, não é por acaso. A identificação com Westworld é muito mais cerebral para o indivíduo da sociedade de hoje do que emocional, o oposto do acontece com Game of Thrones, que procura se encontrar sensitivamente com o seu espectador.
Um Djawadi não faz Game of Thrones
O caso de Westworld e Game of Thrones, em muitos sentidos, é também uma lição sobre o quanto não podemos tentar compreender uma produção televisiva, no nosso atual cenário de diversidade, antes que ela se apresente. A HBO vendeu Westworld como uma série sofisticada, violenta e sexual – dos três adjetivos, talvez só o primeiro se aplique à série. Embora tenha uma média de violência e até sexualidade maior que séries de TV aberta, Westworld guarda suas potencialidades não-censuradas para os momentos em que a história exige, e não faz dela uma de suas principais armas.
Após cinco episódios, “violenta” e “sexual” não seriam os primeiros adjetivos que eu atribuiria à Westworld – nem mesmo “intensa” parece adequado, uma vez que a série mostrou que as superfícies frias de seu cenário futurista se refletem no ritmo impresso à série pelo showrunner Jonathan Nolan. Em sua paixão por si mesma, Game of Thrones é um pedaço espetacular e inesquecível de ficção; em sua falta de paixão por si mesma, Westworld encontra as ferramentas para refletir propriamente sobre o caminho que segue e a mensagem que passa.
Uma era de TV mais pensada e menos instintiva parece estar nascendo. Os medalhões de uma era de televisão à flor da pele vão morrendo aos poucos – Thrones termina em 2018, The Walking Dead já se aproxima da oitava temporada, Breaking Bad ficou no passado. Após o feliz adeus à época do anti-herói, com o fim de Don Draper em Mad Men, nasce a era de narrativas ponderadas e verdadeiramente sofisticadas da TV a cabo americana, que não veem mais a necessidade de apelar aos instintos mais básicos do espectador.
Westworld é o primeiro grande título dessa era, e nem os temas do compositor de trilha sonora Ramin Djawadi, mesmo de Game of Thrones, puderam livrar a HBO desse fardo. Assim como a alma humana, esteja ela em um androide ou em uma rainha dos dragões, o progresso do tempo não pode ser contido.