Críticas

Crítica | Lino: Uma Aventura de Sete Vidas

Em 2001 a StartAnima, à época chamada Start Desenhos Animados, lançou o interessante filme O Grilo Feliz, dirigido por Walbercy Ribas. Era uma boa parábola – ou fábula – política, que tratava dos valores de legitimidade democrática, solidariedade e empatia, na defesa contra o autoritarismo. Além disso, tinha uma espécie de misticismo mitológico que dava traços fantasiosos ao filme – algo reforçado pelo seu muito bem trabalhado visual. Agora, a StartAnima lança seu terceiro longa de animação, este dirigido pelo filho de Walbercy, Rafael Ribas: a animação Lino: Uma Aventura de Sete Vidas. Animação esta que, contudo, têm pontos problemáticos em um número bem desagradável. O discurso de auto-ajuda (de cunho burguês) massificado, retratos estereotipados de grupos sociais que chegam a ser ofensivos,”amecaricanismos” por vezes mal usados, uma trama que não empolga e personagens que não convencem – além de uma “moral da história” sobre a qual é necessário discorrer com cautelas.

Em Lino: Uma Aventura de Sete Vidas, é interessante notar as cópias diretas de artimanhas do cinema americano neste filme – a começar pelo uso de um subtítulo – não só na linguagem estética, na qual a inspiração é pura e brutalmente as animações de Hollywood, mas também no próprio roteiro, com o uso repetitivo de piadas e situações caricatas megalomaníacas. E essas estratégias de fato retiram um pouco da personalidade do longa, além de torná-lo espalhafatoso nas suas caricaturas e desnecessariamente gritante em cada cena. Outra consequência disso é que se retira também muita sensibilidade: tudo é muito barulhento, jocoso, caricato, estrondoso, ruidoso… e a tudo os personagens reagem com bordões e tiradas cômicas genéricas. Só se esquece, com isso, de desenvolver esses personagens a um nível empático, sensível, com o qual fosse possível sentir dos seus dramas e não torná-los meros pedaços frios e maquinais de repetições de bordões e piadas, sempre previsíveis e opacos.

Vale a pena se falar da fatídica cena que se passa em uma reserva indígena. Esta dá um olhar culturalmente distorcido, estereotipado ao extremo e de herança preconceituosa eurocêntrica sobre a população indígena – fato que, imagino, soe ofensivo. Além de reproduzir traços e fenótipos que são, na verdade, próximos às populações indígenas norte-americanas (mas ainda estereotipados), se aproxima de uma representação daquelas velhas imagens que reduzem a população indígena a meros clichês mentirosos, superficiais e esfarrapados.

O filme narra a vida de Lino, um jovem de classe média azarado que, com a má fase profissional, se sustenta como animador de festas de crianças e vive em uma pensão da qual, por atrasar as contas, logo no início da história já é despejado. Tentando mudar a sorte na vida, conseguir um bom emprego e alugar uma casa, vai até o místico Don Leon – que conheceu nesses panfletos de rua – tentar usar de forças mágicas para reverter o quadro refutável cuja sua vida se emperrou. Contudo, o atrapalhado místico receita a magia errada, e Lino, ao realizar o feitiço, ao invés de mudar o rumo de sua vida se transforma em um gato gigante. Agora o gato Lino, o mago Don Leon e mais algumas figuras que surgem no meio do caminho para integrar esta “jornada épica” precisarão ir até o líder dos feiticeiros, chamado Harry Topper, para descobrir um feitiço que possa colocar tudo de volta como antes.

A parte na qual o passado de Lino e a sua vida antes da transformação, antes do nó da trama, são apresentados de fato é bem divertida. Há uma ironia sutil com uma boa colocação sentimental do personagem: a sua comovente prisão de tédio e frustração-desapontamento. Lino desde criança flertou com o azar, era cruelmente tratado pelos valentões da classe, sempre foi tímido, intrusivo e solitário (um perfil bem típico do mundo contemporâneo). Porém, logo após este bom prólogo, quem dá azar é o próprio filme: a inexpressividade dos personagens, regada a um certo tédio (Lino gato é alguém bem desinteressante em cena) que também rega as tramas paralelas (há a do vilão Vitor, a da policial Janine), as falas são redundantes e monótonas…

A impressão que se dá é de enfadonho dos personagens e tom cansativo das cenas, que logo se desgastam pela pouca apreensão e expectativa que criam para o desfecho dessas e da própria história em geral. Esses fatores sempre aprisionam a narrativa na repetitividade das falas e na tardança e embromação desnecessária em concluir as ações e episódios, além de não saber construir uma gradação empolgante para a descoberta do clímax e desenlace – aliás, pelo contrário: o que se quer é a volta do filme ao seu prólogo, antes desse ser interrompido pela transformação de Lino em gato, já que aí a história cativava.

E se temos uma narrativa sobre “a jornada do herói” que é “pouco apreensiva”, isto se dá pois a jornada não nos surpreende. Deveria, dado seu gênero, nos fazer não conseguir supor o que acontecerá com o herói e levar a narrativas à peripécias que, assim, levantem o espanto da plateia. Contudo, o que se vê é o roteiro optar pelo quase mais previsível e categoricamente óbvio.

Mas não nos esqueçamos do tema principal, que é o relato do tédio, solidão e insignificância da vida os quais, em nossos tempos, a repetição resignada de um cotidiano enfadonho (previamente estabelecido) e as vidas tornadas máquinas (sempre neuróticas focadas no trabalho) acabam por gerar. É um tema bem recorrente o cotidiano enfadonho e entediante, e é recorrente desde a virada do século do XIX para o XX provavelmente. Contudo, o discurso final do longa (e outro ponto que pode ser caracterizado como um americanismo) é do “quem acredita sempre alcança”, a velha tiragem do self-made man, na crença tipicamente burguesa no “fazer por si próprio”, no “superar as barreiras sozinho para chegar lá”, “só acreditar e ter fé em si mesmo”, “só depende do seu próprio trabalho” e coisas assim. Digo isso pois tal discurso tem uma veia ideológica, querendo ou não, burguesa – e não à toda é tão recorrente no discurso de Hollywood. É apenas um fato histórico, e do qual o diretor poderia se valer. Apenas polemizo a relação deste discurso com a colocação de vidas presas a rotinas entediantes, sem significado, solitárias e, sobretudo, de situação de má remuneração. Será mesmo que esses fatores, em especial o da má remuneração, depende apenas do esforço pessoal de cada um ou, ainda, da sua sorte? Ou será que isto está preso a forma como nossa sociedade está organizada? E, como no exemplo do vilão Vitor, será que se entra no mundo do crime apenas porque se é “puramente mal”, como o longa denota, quase que como uma condição do sujeito?

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