Críticas

Crítica | O Clã

Uma das mais violentas ditaduras implantadas durante os anos 60 e 70 na América Latina foi a da Argentina. Portanto, histórias de abusos, torturas e horríveis crimes são o que não faltam vindas desse país ao sudoeste do Brasil. Integrantes de muitas famílias foram sequestrados e desapareceram. Muitos desses crimes foram cometidos por integrantes do governo. Mas um exemplo de crime cometido com motivação completamente diferente das demais está sendo contado pelo filme O Clã.

Família Puccio. Ela é formada pelo patriarca Arquimedes (Guillermo Francella, de O Segredo de Seus Olhos), pela mãe Epifania (Lili Popovich) e os filhos, Alejandro (Peter Lanzani), Adriana (Antonia Bongoechea), Guillermo (Franco Masini) e Silvia (Giselle Motta). Ainda tem Maguila (Gastón Cocchiarale) que vive há anos na Nova Zelândia. Alejandro é um conhecido jogador de rúgbi da seleção argentina. Maguila também foi jogador desse mesmo esporte até ir para a Oceania. O mais novos dos irmãos e as irmãs ainda são estudantes. Logo, esta é uma aparente família argentina no inicio da década de 1980.

Mas por trás da normalidade dessa família de classe média alta, do bairro de San Isidro, Buenos Aires, o patriarca Arquimedes Puccio, contador e, também, funcionário do SIDE (Sistema de Inteligência Nacional, órgão de espionagem argentino), mantinha o padrão de vida de sua família de uma maneira nada ortodoxa: ele sequestrava, geralmente, filhos de famílias ricas com ajuda de seu filho mais velho Alejandro e dois comparsas.

O Clã é baseado em fatos reais. Arquimedes, Alejandro e Maguila foram presos em 1985 e a história da família veio à tona e surpreendeu a toda Argentina. A adaptação desse macabro episódio da Argentina para tela grande foi realizada pelo também diretor do longa, Pablo Trapero (Elefante Branco, 2012) e por Julian Loyola e Esteban Student. Eles construíram um longa que explica perfeitamente as razões pelas quais Arquimedes Puccio realizava os sequestros e todos esses são mostrados. Cada integrante da família é apresentado de forma que os espectadores percebam qual é a relação de cada um com os eventos e qual era a opinião de cada em relação a eles.

Guillermo Francella, um tradicional comediante argentino, interpreta um assustador Arquimedes. Seu personagem é frio e não mede esforços para conseguir o quer e nem para proteger a sua família. Guillermo atua de uma maneira acertada em relação ao tom do seu personagem. Sua interpretação é segura e firme, assim como devem ser os movimentos do seu personagem. Ele deu o tom certo a ele.

Peter Lanzani faz uma ótima interpretação do filho, que mesmo ajudando o pai de forma espontânea, se sente forçado de certa maneira. Esta relação de respeito, mas, ao mesmo tempo, de temor ao pai fica explicitada em cena. Giselle Motta, Antonia Bongoechea e Franco Masini atuam de maneira bastante convincente, principalmente este último por um motivo mostrado no filme. Gastón Cocchiaral já expõe uma outra relação que o seu personagem tem com pai e sua interpretação deixa isto bem claro.

Lili Popovich faz uma esposa que é ao mesmo tempo cúmplice e submissa ao marido. Ela é comedida, como a sua personagem solicita que ela seja.

O Clã tem fotografia de Júlian Apezteguia (Abutre, 2010). Quase que totalmente, em um tom pastel, o filme passa impressão de uma velha fotografia esmaecida por causa do tempo. Esta ideia combinou perfeitamente com o que está sendo contado, porque acaba dando mais força para as cenas de violência. Apezteguia teve ótimas ideias de uso da câmera. A cena na qual a família inteira, de certa forma, é apresentada para o espectador através de um plano sequência – quando a câmera tem seu posicionamento mudado sem interrupções – é um exemplo disso. Assim, como os posicionamentos da câmera nas cenas de carro e nos closes usados nas conversas entre os personagens Arquimedes e Alejandro combinam perfeitamente com o clima das cenas.

A trilha sonora não poderia ser mais bem realizada por Sebastián Escofet. O argentino escolheu músicas da época para os momentos-chave da história que fazem com que o filme ganhe mais adrenalina, mesmo que a cena em questão não tivesse a tensão necessária.

A edição do filme realizada também por Trapero em conjunto com Alejandro Carrillo Penovi é básica. Os dois fazem este trabalho perfeitamente, quase sem destacar esse quesito. Porém, em algumas cenas envolvendo Alejandro, a edição dá um diferencial ao reforçar um sentimento do personagem de Lanzani. Trapero conseguiu fazer com que uma história – que se fosse ficção, poderia ser considerada fantasiosa demais – fosse contada da maneira certa. O que deu uma força ainda maior a ela. Pablo Trapero ganhou o prêmio de Melhor Direção no Festival de Veneza deste ano. O filme também encerrou o Festival do Rio.

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