Críticas

Crítica 2 | O Filho de Saul

Talvez a Segunda Guerra Mundial e seus horrores sejam o tem mais retratado no cinema. Diante disso, diversos realizadores devem cair na questão de que esse é um tema já bastante discutido, mas que por sua importância não pode simplesmente ser deixado de lado. Mas como abordá-lo sem banalizar o terror do holocausto? Provavelmente esse foi um impasse vivido pelo húngaro estreante László Nemes para a criação de O Filho de Saul.

E talvez um bom diretor seja realmente aquele que consiga mostrar através da sua estética aquilo que sua obra deseja passar. E Nemes é hábil nessa experiência. O jovem cineasta, que começou como assistente do incrível Béla Tarr, narra a história de um judeu que nos campos de concentração é uma espécie de encarregado dos trabalhos sujos com os prisioneiros, por exemplo, incinerar os corpos das vítimas da câmara de gás. O diretor aprofunda as ideias que podem ser vistas em seus curtas, como o excelente With a Little Patience. Diante de todo caos da indústria do holocausto, o protagonista, Saul, decide assumir o corpo de um garoto como seu próprio filho e oferecer-lhe um enterro digno.

Assim, O Filho de Saul tenta, de todas as maneiras, colocar o espectador na pele de Saul, transformando o longa numa experiência catártica quase aterrorizante. Nemes opta apenas por planos e enquadramentos fechadíssimos, que combinado com a razão de aspecto da tela no 4:3 e com uma profundidade de campo muito reduzida (o que coloca apenas Saul em foco) faz com que aquele relato seja apenas a visão do protagonista e consequentemente a do público. Dessa forma, O Filho de Saul é uma obra sufocante e tensa, como se o público fosse colocado por 117 minutos dentro de um campo de concentração nazista.

A câmera na mão não deixa que se desvie o olhar por um instante, os longos planos-sequência (herança de Béla Tarr) que acompanham Saul por todo tipo de manifestação do horror do campo de concentração. É interessante notar como a profundidade de campo, que deixa as chamas do incineradores fora de foco fazem com que aquele ambiente fique inteiramente vermelho, sendo praticamente a materialização de um inferno, inferno que aquele homem e milhares de outras pessoas passaram. E se o espectador não vê explicitamente o que ocorre naquele local, de novo pelo inteligente uso do foco, é pelo espetacular trabalho de som, que todo aquele horror é presenciado por todos.

É em meio a todo esse inferno que aquela missão de Saul é tão edificante. Talvez o único ato que valerá a pena daquele homem nos diversos dias de concentração. Nesse caso é a única busca por redenção possível daquele homem. Mas o mais interessante é que mesmo com esse objetivo aparentemente nobre, a obra não se deixa levar pela narrativa mais fácil e maniqueísta, na qual essa ação significaria a glória em meio a destruição. Não, O Filho de Saul é sobre os terrores da guerra, por mais humana que seja a tentativa de Saul, o homem chega “a trocar os vivos pelos mortos” em certos momentos, revelando que há certo egoísmo naquela motivação. Não há redenção naquele espaço, há apenas guerra e o horror provocado por ela.

Assim, Nemes realiza uma obra bruta a respeito do Holocausto, sem nenhuma estetização ou salvação. O objetivo de O Filho de Saul é mostrar o quão sujo foi essa passagem da história. É exatamente através do incômodo e perturbação que o filme procura abordar o holocausto, algo não tão inovador. A questão é que Nemes consegue deixar mais uma vez o tema em pauta, de uma forma mais realista e visceral. O Filho de Saul trata a guerra como guerra, um verdadeiro horror.

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