Críticas

Crítica | O Que Eu Fiz Para Merecer Isso?

A comédia francesa, antes mesmo do surgimento do cinema, já era conhecida mundialmente. E um dos responsáveis por esta fama que a França tem nessa área foi o dramaturgo Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière (1622 – 1673). Através do riso, os franceses conseguem fazer com que vários aspectos da sociedade sejam mostrados para si mesma para que ela perceba por qual caminho está indo. Esta capacidade de fazer os espectadores pensarem sobre os seus problemas cotidianos ao mesmo tempo em que suas bochechas doem de tanto rir está presente no filme O Que Eu Fiz Para Merecer Isso?

Este longa francês é de 2014, mas só está chegando por estas bandas neste ano. Ele é baseado em uma peça de mesmo nome escrita pelo jovem dramaturgo Florian Zeller, de 2013. A história tem uma premissa muito básica: em um sábado, o dentista Michel Leproux (Christian Clavier, de Astérix e Obélix contra César) encontra em um mercado de pulgas de Paris um disco de jazz que há muito tenta encontrar, intitulado Me, Myself and I. Ele tinha decido escutá-lo sozinho quando o encontrasse. Porém, sozinho é tudo o que ele não conseguirá ficar.

Assim que consegue chegar em casa, os problemas de Michel começam. Uma hora é a sua esposa Nathalie (Carole Bouquet, de A Cidade das Crianças) que, aflita, não consegue deixá-lo a sós. Outra hora, é o empreiteiro “polonês” – na realidade, um português que se faz passar por polonês, porque estes conseguem todo os serviços – que começa a reforma no quarto que era do filho do casal derrubando as paredes a marretadas. Em outra, é a empregada espanhola Maria (Rossy de Palma, de Abraços Partidos) que resolve passar aspirador no apartamento. Existe um amigo, Léo (Arnaud Henriet, de Nunca Na Primeira Noite) que já tinha combinado de ir visitá-lo neste sábado.

E um dos vizinhos de Michel, o polonês Pavel (Stéphane De Groodt, de Sobre Amigos, Amor e Vinho) cuja sala tem uma infiltração causada pela reforma no quarto e ainda está convocando os vizinhos para uma festa no prédio para aproximar uns aos outros. Ainda tem o filho de Michel e Nathalie, Sébastien (Sébastien Castro, de Grandes Garotos) ainda está abrigando, em seu apartamento logo a cima do dos pais, refugiados da Indonésia. Sozinho é uma das pouquíssimas situações pelas quais Michel passará.

A peça de Florian foi adaptada por Patrice Leconte, que também é o diretor do filme. Ao ter tanto o texto, quanto a direção da produção em suas mãos, Patrice fez sutis modificações, como adicionar outros cenários além do apartamento de Michel, que acabaram não deixando o longa com cara de peça de teatro filmada. Ele provavelmente adicionou partes que não existiam no texto original da peça, conseguindo dar uma forma de filme à história.

Muitos podem assistir O que Eu Fiz Para Merecer Isso? como simplesmente uma comédia. Porém, percebe-se em seus detalhes um reflexo da situação da Europa atualmente. Além de remeter às diferentes migrações internas entre os países membros da União Europeia, também lembra – um pouco – a questão dos refugiados que buscam abrigo no continente. O humor está justamente na ideia de uma pessoa que se pretende sozinha, porém é a todo o momento perturbada por situações internas e externas que a fazem deixar de fazer o que quer. A questão do isolacionismo versus acolhimento e integração é uma entre tantas que está em voga na Europa há muito tempo.

Patrice teve nas mãos um ótimo elenco. Ele conseguiu o tom de comédia correto, sem parecer forçado. O ator que faz o protagonista, Christian Clavie, é um ótimo ator. Consegue fazer comédia, como consegue fazer drama. Christian sabe dar a medida certa na sua interpretação conforme a personagem e a cena exigem. Sem problema algum. E isso fica claro neste filme.

Carole Bouquet está bem no papel de Nathalie. A personagem dela não tem muitas cenas, entretanto quando ela aparece, o faz perfeitamente. Carole, uma experiente atriz e um Bond girl, não teria mesmo como errar em sua atuação. Outra atriz que é muito bom de ver em cena e traz muitas boas recordações é Rossy de Palma. Rossy é uma atriz inconfundível. Ela é uma das musas do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Apesar de seu personagem ser coadjuvante, assim que surge em cena, todo um contexto se entende apenas com um levantar de sobracelha dela.

As personagens de Arnaud Henriet, Stéphane De Groodt e Sébastien Castro, apesar de também serem coadjuvantes e caricatas, são responsáveis por momentos-chave na história do longa. E os três atores as interpretam fielmente ao que é esperado delas pela descrição que as outras personagens.

Outro responsável por tirar a história da caixa cênica e passá-la para a tela grande é o diretor de fotografia, Jean-Marie Dreujou (O Príncipe do Deserto, 2011). Ele realiza um trabalho simples e muito eficiente de fotografia. Esta história não necessitava de muitos enquadramentos, movimentos e efeitos para ser contada e é com precisão que Jean-Marie posiciona sua câmera e deixa fluir a cena.

E o filme flui muito, também, por causa da edição realizada pela montadora Joëlle Hache (Dois Amigos, 2015). Hache não deixa o ritmo da história perder sua força. Deixando o espectador saborear os momentos e criar o clima para o episódio seguinte. E a trilha sonora de Éric Neveux (As Férias do Pequeno Nicolau, 2014) embrulha o longa com uma trilha sonora que amplifica a frustração de Michel ao tentar escutar o seu long play de jazz.

O filme O Que Eu Fiz Para Merecer Isso? deixa muito claro que o isolacionismo de Michel será quebrada, em algum momento, por pessoas de dentro e de fora do seu círculo de relacionamentos. Quer ele queira, quer não. Assim, como a Europa está tendo a sua tentativa de isolacionismo quebrado.

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