Críticas

Crítica | Jason Bourne

A trilogia Bourne foi, sem dúvida alguma, um dos maiores sucessos do ano 2000. Talvez, a história do ex-agente secreto que perde sua memória tenha sido a última grande franquia que não derivava de um sucesso imediato, uma vez que a obra que baseou os três primeiros filmes da série tinha sido sucesso na remota década de 1980. Agora, nove anos após Ultimato Bourne e um pouco falado spin-off (O Legado Bourne), Matt Damon e o diretor Paul Greengrass comprovam que a franquia ainda não saiu de forma e tem muito a oferecer.

Em Jason Bourne, mais uma vez o personagem se vê no meio de uma intriga de espionagem que pode ser mais uma peça do quebra-cabeça de seu próprio passado. E assim, esse novo filme da saga segue e muito a fórmula de sucesso, o agente sendo perseguido por todos os lados, uma grande conspiração em que Bourne tenta descobrir o lado interno mais podre do serviço de inteligência americano e um intenso jogo de gato e rato, na qual poderosos tentam fazer de tudo para caçar o enigmático espião, enquanto a ele só resta utilizar todos seus truques e artimanhas para chegar a seus objetivos. No entanto, o filme não fica satisfeito em ser apenas uma cópia dos demais, parecendo que o tempo fez muito bem à franquia, Jason Bourne ganha em consciência, tornando-se um longa muito mais político e inteligente que os anteriores.

Muito mais experiente do que quando assumiu a direção de A Supremacia Bourne (2002), Greengrass, que agora também assina o roteiro desse novo episódio com Christopher Rouse, traz à tona em Jason Bourne questões extremamente atuais, não sendo um filme de ação meramente escapista. Pelo contrário, para se ter uma ideia, Jason Bourne começa numa incrível perseguição em meio a um gigantesco protesto na Grécia – não precisa ser nenhum mestre em geopolítica para saber quais são condições políticas e sociais no presente. Fatos como estes concedem ao longa um realismo ainda maior, conectando a missão do personagem fictício ao mundo real, ao que se vê nos jornais. É exatamente esse link com os fatos verídicos que Greengrass tem interesse, pois se é uma boa estratégia ambientar as ações em eventos reais é mais interessante ver como o filme aborda questões como segurança, privacidade e espionagem no mundo virtual, o mundo não é o mesmo pós-Snowden e Jason Bourne sabe disso.

Assim, Jason Bourne é um filme que expõe todo o mundo da vigilância líquida, um mundo em que todos são vigiados, um mundo que as próprias pessoas fazem sua própria prisão. O longa dilui em sua ação frenética os temas de como os serviços secretos conseguem cruzar dados através de sua rede social, conseguem vigiar através de um simples celular – hoje o virtual é o caminho mais fácil para a própria espionagem e a própria internet e o hackerismo que combatem isso. No filme, há peças chaves para entender isso como um personagem que revira inúmeros documentos oficiais e divulga-os através de um ciberativismo radical, seu nome Christian Dassault, qualquer semelhança com Julian Assange e o WikiLeaks não é mera coincidência. Outra figura extremamente interessante é Aaron Kalloor, um desses gênios do Vale do Silício, desenvolvedor de start ups e um grande nome das mídias sócias, que tem toda sua ascensão ligada a CIA e uma enorme contribuição com a agência, cedendo inúmeras informações pessoais ao serviço secreto. Jason Bourne não é apenas sobre o passado do personagem título, mas também sobre o presente dessa sociedade.

Nesse mundo de vigilância constante, o estilo visual de Greengrass faz ainda mais sentido, o diretor continua empregando sua câmera sempre na mão, com suas lentes longas que parecem sempre estar à procura de algo, ou alguém sempre espionando. E agora com anos de carreira e até uma indicação ao Oscar, o cineasta mantém sua forma de filmar, mas de maneira muito mais contida, empregando com moderação esse estilo frenético principalmente nas cenas de ação e de perseguição, que agora estão mais claras visualmente. O que não muda é o clima de tensão constante, em momento algum o espectador se vê relaxado, ficando completamente absorto naquela intrincada conspiração internacional. As revelações da narrativa aliadas ao inspirado trabalho de Rouse na edição fazem com que cada ação, cada movimento, cada diálogo pareça ser o estopim, parecendo que todo suspiro visto na tela seja também o último.

E essa atmosfera arrebatadora faz com que as duas horas de filme passem voando. Engana-se quem acredita que Jason Bourne é mais um filme que tenta ser dinâmico e apenas atabalhoa-se no roteiro e no desenvolvimento de seus personagens. O longa prova que é quase um dever um thriller fazer as duas coisas bem feitas. Jason Bourne apresenta uma série de novas figuras, que complementam os antigos personagens, dando uma abertura para novos caminhos numa possível segunda série de filmes. E tudo isso sem ser arbitrário, todos possuem suas nuances, sem serem tipos rasos ou planos, pelo contrário, apresentam-se de forma bastante complexa. Caso de Heather Lee, personagem extremamente surpreendente interpretada por Alicia Vikander, que parece estar constantemente jogando, não só nesse jogo político, mas também com o público, sendo uma figura que cresce com a projeção. E é uma gama de personagens como esse que dão a possibilidade de Jason Bourne ter um dos melhores finais do ano, e é claro que a última nota é essencial para uma grande obra.

Assim, Jason Bourne torna-se um filme extremamente prazeroso de ser assistido, oferecendo não apenas uma boa ação, mas sim um filme valoroso para quem gosta de um cinema bem feito, bem realizado, que não se desconecta nunca da realidade fora da tela e ao mesmo tempo consegue ser um dos melhores thrillers dos últimos anos. Em seu retorno à franquia, Paul Greengras e Matt Damon comprovam que sabem realizar um grande filme, e Jason Bourne vem para dar frescor às diversas franquias que estão por aí, sendo com certeza o melhor blockbuster do ano até o momento.

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