Em 2003, Dan Brown lançava seu grande sucesso editorial, O Código Da Vinci, criando rapidamente uma boa base de fãs. Evidentemente, Hollywood não deixou passar essa oportunidade e logo O Código virou filme, conquistando um ótimo público, no entanto com um resultado bastante duvidoso. Quatro anos depois, o diretor, Ron Howard, e o astro Tom Hanks, se reuniram para dar sequência ao blockbuster, realizando o razoável Anjos e Demônios. Agora, em 2016, a expectativa era que a próxima aventura do simbologista Robert Langdon demonstrasse uma evolução ainda maior em relação aos seus longas antecessores, mas parece que a franquia vem perdendo ainda mais força, não compreendendo nem mesmo o que fazia sucesso dentro de seus livros e filmes.
E o que causava mais interesse nas obras baseadas nos livros de Dan Brown era justamente a fabulação e criação de grandes teorias conspiratórias envolvendo instituições, grupos e seitas secretas bastante conhecidas. Dessa forma, tanto livro quanto filme conseguiam conectar-se facilmente a realidade. Os fatos ocorridos nas páginas e nas telas citavam nomes que provavelmente o público já ouvira, sejam pistas sobre Jesus Cristo nas obras de Da Vinci, ou uma trama entre Iluminatis, Vaticano e a CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear). Vale lembrar que Brown sempre inicia seus livros com algum fato verídico que inspira sua trama. E Inferno foge justamente dessa característica.
No novo filme, Langdon tem que evitar que um maníaco fascinado por O Inferno de Dante espalhe um vírus mortal pelo planeta. E se essa premissa básica revela que a trama de Inferno é bastante pretensiosa, também mostra que o longa distancia-se da realidade, não há um envolvimento direto entre os fatos que mostra e o cenário que sempre explorou. Pela primeira vez, um filme da franquia não se utiliza da realidade para fazer sua ficção, algo que embora seja bastante questionável era a grande força dos filmes. É bem verdade que o filme cita órgãos presentes na dinâmica mundial, como a OMS, porém isso mais situa a trama do que se utiliza de um imaginário em torno das conspirações. Assim como as locações nos grandes centros europeus, que aqui funcionam apenas como meros cenários, não havendo uma grande interação entre trama e aqueles monumentos históricos, como era fundamental em seus outros longas. Inferno deixa alguns pontos chaves de sua franquia e empalidece ainda mais tentando ser um filme de ação comum.
E parece que a película busca justamente isso, inserir-se num hall dos filmes de ação do momento. A câmera na mão, a montagem acelerada, o ritmo caótico e o roteiro dinâmico, porém colocar essas características na história de um professor acadêmico pode não dar muito certo. Dessa forma, Inferno parece ser um filme que tenta se moldar através de recursos estilísticos da moda, mesmo que não convenha. A direção de Ron Howard, que costuma ser um diretor bastante competente dentro da indústria americana, parece apenas ser de um veterano que busca compreender de modo apressado o que ocorre na atual cena dos filmes de ação, abrindo mão de tudo o que já funcionou na sua carreira.
Dessa maneira, o longa parece apenas cumprir uma obrigação burocrática, como se essa sequência fosse uma mera obrigação contratual. Sente-se que todas escolhas tomam como base a facilidade, tomando apenas o seguro como rumo a ser seguido. Tanto na direção, roteiro e edição o que se vê é algo que costuma dar certo e ponto, sem nenhuma elaboração em torno da trama de Robert Langdon. Sendo assim, Inferno também não consegue sair do lugar comum, todas as resoluções fílmicas são óbvias, vistas em tantos outros filmes. Esse pragmatismo é visto também na construção do roteiro. David Koepp faz um trabalho que não se envergonha de utilizar uma série de flashbacks ou verbalizar todos os pontos que a trama não consegue esclarecer. O último terço de Inferno é uma explicação constante de pontas soltas deixadas por Koepp.
Isso sem contar os inúmeros furos na trama. Num deles, Langdon está rendido numa cripta subterrânea ameaçado por um perigoso personagem, de repente outro indivíduo, que estava em outro país sem saber onde o simbologista se encontrava, chega e salva o protagonista, numa resolução sem explicação nenhuma que só serve para manter o protagonista vivo. Assim como a estrutura dramática do longa, que começa com Langdon na cama de um hospital sem se lembrar de nada, já imerso numa conspiração internacional, no entanto, esse fato só parece uma desculpa para iniciar o filme de forma distinta em relação aos outros dois, a quantidade de flashbacks que explica o que houve antes daquela maca de hospital comprova isso, uma trama que necessita ser explicitada e isso surge da pior maneira possível.
Sendo assim, Inferno é um filme que pouco funciona. Se a direção e roteiro não conseguem sustentar o longa, os outros pontos também deixam a desejar. Vale ressaltar a atuação de Felicity Jones que mesmo com as reviravoltas de sua personagem não consegue convencer, numa performance bastante automática. Idem para Tom Hanks, um dos carros chefes da franquia, que só acentua o caráter burocrático da obra, num pragmatismo absurdo, não conseguindo uma entrega emocional – característica que o personagem não proporciona, nem a disposição física que o gênero pede.
Seria manjado e até cruel dizer que o filme é um inferno. No entanto, a película de Ron Howard demonstra por completo o esgotamento de uma franquia que já vinha mostrando certo cansaço. Mesmo com a sobrevida ganhada com Anjos e Demônios, Inferno escancara que as aventuras de Robert Langdon podem fazer sucesso nas páginas de Dan Brown, mas nas telas de cinema costumam não funcionar.