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Crítica | Aliados

Aliados começa no deserto marroquino, numa hábil composição entre computação gráfica e realidade, logo entra um letreiro afirmando que o filme se passa na década de 1940 durante a Segunda Guerra. O protagonista, Max Vatan (Brad Pitt) parte para Casablanca a fim de encontrar uma espiã da resistência francesa. Eles vão para um suntuoso bar, toca Jazz, poderia estar tocando As Time Goes By. Esse início de filme possui por si só muito material para cinefilia, como se muito daquela construção estivesse ancorada na tradição de filmes como Casablanca, clássico absoluto da década de 1940.

Aliados, dessa forma, segue uma espécie de fórmula para se aproximar desses sucessos do passado com uma elaboração visual do que há de mais moderno no grande cinema americano. Assim, o longa de Robert Zemeckis mistura amor, drama e suspense num filme que perpassa esses gêneros de forma fluída, tendo suas forças na presença no casal de protagonistas – Marion Cotillard e Pitt, no roteiro pacientemente estruturado de forma clássica e nos maneirismos atuais do CGI e no trabalho de câmera de Zemeckis e seus “impossibles shots”.

Em linhas gerais, Aliados conta a história desses dois espiões, Vatan e Marianne Beauséjour (Cotillard) que se envolvem e se apaixonam durante essa missão no Marrocos, mas que na sua volta à terras aliadas surge o indício de que ela possa ser uma espiã dupla. Esse misto de gêneros é presente a todo o momento, a tensão sempre se divide ao flerte daquele casual, e é bastante significante que esse projeto seja tocado justamente por Zemeckis.

O conhecido diretor de Forrest Gump: O Contador de Histórias, De Volta para o Futuro e Contato, é reconhecido justamente por sua versatilidade, como consegue sempre de forma eficiente e elegante contar histórias tão diferentes. Talvez seja impossível encontrar marcas autorais no trabalho de Zemeckis, diferentemente de Spielerg, Joe Dante ou De Palma, por exemplo, que mesmo atuando em gêneros diferentes possuem uma marca autoral marcante que une quase todas as obras de suas filmografias.

Zemeckis é muito mais um artesão da indústria hollywoodiana, diretor de diversas possibilidades narrativas, com domínio técnico e estético que agradam público e crítica e se assentam em diversos estilos, assim como era Michael Curtz (diretor de Casablanca). Dessa forma, em Aliados Zemeckis assume essa sua condição de artesão, passeando por diversos gêneros, construindo sequências hábeis de romance, de drama e de suspense. Zemeckis traz sem preconceitos essa forma de se filmar digna da Hollywood clássica, em que uma matinê no cinema com um único filme serviria para toda a família, assim como a extensa cartilha de filmes do diretor.

Isso é presente também na construção do roteiro de Steven Knight (do excelente Locke), o desenvolvimento de Aliados tem o cuidado de não depejar essa série de referências e gêneros de uma só vez. No longa é como se cada estilo fílmico tivesse seu momento e não dividndo a atenção do espectador numa mesma sequência. Assim, as situações presentes em cenas vão sendo construídas com paciência, dando tempo para o envolvimento, o primeiro ato inteiro é dedicado a construir esse afeto entre os protagonistas e isso funciona perfeitamente bem.

Se essa elaboração se distancia dos viciados roteiros que buscam em qualquer circunstância a agilidade, há também o que parece ser uma falta de tato na construção de um texto como esse. Como se fosse necessário manter essa construção paciente em todos os momentos, parece haver uma falta de treino nesse roteiro extremamente clássico, o que gera cenas que parecem se arrastar, principalmente no clímax, onde necessita um ritmo ainda mais acelerado.

O trabalho de Knight e Zemeckis fazem de Aliados um filme simples com muito classe e eficiência, e as figuras centrais e todo seu poder cênico que tornam esse longa acima da média. O filme compreende muito bem o quão são impactantes e magnetizantes as figuras de seus astros principais, em que sua simples presença faz com que qualquer cena gire em tornos dele, assim como Ingrid Bergman e Humphrey Bogart em Casablanca. Pitti encarna uma persona gélida na árida e quente Marrocas, até tornar-se um homem movido por seu amor na chuvosa e nublada Londres, esse arco é movido muito mais pelo ator do que pelo texto, e Pitti consegue mostrar gradualmente essa entrega emocional num filme que teoricamente é uma aventura amorosa de espionagem.

Já Marion Cotillard é um espetáculo em cena, se seu parceiro está bem a atriz é quem eleva em todos os sentidos essa produção. A francesa é uma atriz do olhar, em que seus olhos dizem ou escondem tudo de sua personagem. O mistério, o amor e principalmente a sensualidade encontram-se no quão cerradas estão suas pálpebras. Sensualidade esta que não significa apenas apelo sexual, mas sim de induzir personagens e o próprio filme num turbilhão de emoções que ninguém sabe ao certo onde pode levar.

A Marienne de Cotillard é uma espécie de Femme Fatale que também encontra o amor, nos seus olhos oblíquos há perigo, mas também há paixão; há excitação, mas também há entrega. Por exemplo, a atriz é tão competente em seduzir, como quando se vira nua de costas para Pitti e conquista de imediato o espião (num plano mais sensual do que qualquer nu frontal), quanto poderosa ao mostrar afeto quando se declara a sua filha recém nascida que está em perigo sem dizer nenhuma palavra. Numa série de nuances presentes em simples trocas de olhares, algo que só atrizes como Cotillard são capazes.

Essas nuances presentes na perfomance de Cottilard não induzem apenas o personagem Max Vatan, mas também o filme como um todo. Essa sensualidade de Marianne atinge o trabalho de câmera de Zemeckis, se aqui já foi dito que há toda essa atmosfera referencial a um cinema quarentista, há também um preciosismo técnico, estético, em movimentos carregados de maneirismos. Quando Pitt e Cotillard estão em cena nada é um simples enquadramento, mas sim fruto de uma composição mirabolante, como a cena de amor entre os espiões no meio de uma tempestade de areia, em que Zemeckis emprega um travelling circular dentro de um carro, um movimento fisicamente impossível, mas que se faz presente pela habilidade cênica Zemeckis. /aqui é como se o diretor se rendesse aos encantos de sua história, de seus personagens e da época que retrata.

Assim, Aliados é um filme simples, que poderia ser um simples e pretenso blockbuster. Todavia, mesmo com seu ritmo que se arrasta em certo ponto, é um filme que pelo habilidade de Zemeckis, pela presença de Pitti e Cotillard e por toda sua consciência de ser fruto de um rico artesão fica acima da média. Ainda que não seja uma obra-prima, Aliados é um filme muito maior do que parece.

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