Críticas

Crítica | Armas na Mesa

Não é necessário ser um especialista para perceber como o debate político anda acalourado pelos EUA – para falar a verdade essa é a conjuntura no mundo como um todo. A polarização, nas ruas e nas câmaras, é a grande questão política e toma conta de qualquer tema colocado em pauta. Um deles, com certeza, é a questão armamentista, com grupos que defendem a restrição ao porte de armas, e outro extremamente influente que condena esse tipo de intervencionismo. Diante de uma questão tão atual e tão importante, o que Armas na Mesa faz é transformar tudo isso num grande thriller político, dando tensão e dramaticidade ao debate político.

O longa faz um recorte desse debate através da atuação de lobistas, grupos organizados dentro da lei – no caso dos EUA, para intervir nas decisões governamentais. Armas na Mesa acompanha Elizabeth Sloane, uma influente lobista que após participar de uma série de bem sucedidas investidas é convocada por um grupo pró-armas para comandar a campanha de influência dentro do congresso. No entanto, contrária a ideia, Sloane parte para a concorrência e passa a defender, com todos seus artifícios, o grupo contra o armamento civil. Assim, o filme acompanha essas disputas de influência, em que todos se atacam de todas as formas, a fim de levar seu lado político à vitória.

Diante disso, é necessário fazer algumas colocações acerca de Armas na Mesa para entender as suas propostas como filme e principalmente como thriller político. A primeira é justamente não tentar encaixar o filme numa vertente política, não desejar encontrar na sua narrativa e concepção um alinhamento com lado A ou lado B. E é com isso que o filme se faz pertinente. Armas na Mesa é sobre ambições políticas, sobre o jogo de poder e principalmente sobre estar no controle de um país inteiro apenas movendo algumas peças de um jogo de xadrez.

Dessa forma, os personagens do filme se alimentam dessa atual conjuntura política, como se essa polarização ajudasse nessa manipulação de joguetes, cada um assumindo seu lado e usando suas forças para chegar à vitória. E a finalidade dessa guerra, não é a defesa de uma causa, mas sim o puro sabor do poder. O aviso de Armas na Mesa, antes de ser pró ou contra armas, é tentar compreender como essa extrema polarização abre espaço para um tipo de política que visa apenas o poder, numa lógica baseado simplesmente no embate entre vencedor e vencido.

Esse pensamento fílmico leva diretamente ao segundo ponto, extremamente ligado ao primeiro. Se Armas na Mesa se utiliza da temática da posse de armas na América isso não é o que valida o filme. Em momento algum o longa gira em torno desse assunto, a discussão atual permeia o longa, mas não é seu cerne. Armas na Mesa não busca fazer alguma análise sociológica sobre essa questão, opção que evita que o longa caia em superficialidades ou “panfletarismos”. O longa consegue, assim, explorar todo o universo político e como isso reflete das relações humanas de seus envolvidos, utilizando-se de uma temática em voga.

Se esses dois pontos fazem com que Armas na Mesa torne-se um filme acima da média, o tiro certo é o papel de Sloane por Jessica Chastain. O longa compreende perfeitamente bem a iconografia da atriz concebida em outros filmes, por exemplo, A Hora Mais Escura, e aqui não se trata de reciclar papel ou algo assim, mas utilizar um subtexto que combina perfeitamente bem com a persona de Chastain. O filme gira em torno da atriz, que entrega uma mulher obstinada que se coloca acima de tudo e de todos, a postura de Chastain afirma isso, a imponência de sua voz também, o espectador acredita cegamente que Sloane é dona infalível daquele mundo e pode sem sombra de dúvidas colocar todos a seus pés. É interessante como Sloane é uma personagem tão ambiciosa que em momento nenhum fica claro se ela é de fato anti-armas, ou só está naquela missão pelo desafio que representa. Até porque, a única coisa que se vê nos olhos de Chastain/Sloane em Armas na Mesa é ambição.

Dessa forma, com um terreno bem preparado e uma excelente personagem Armas na Mesa é um filme que se torna interessante, prendendo seu espectador na maior parte do tempo. O thriller político que contém armas no seu título não precisa investir em perseguições ou tiroteios para empregar um ritmo frenético e sufocante. Em muitos momentos Armas na Mesa lembra os suspenses de tribunais e suas disputas políticas tão fortes como tiros, durante todo o tempo há o interesse por quem vai ganhar aquela batalha e quais serão artimanhas de Sloane para derrubar o próximo peão. Embora pouco inspirada, a direção de John Madden, que um dia já esteve no Oscar com o superestimado Shakespeare Apaixonado, é segura e trabalha em favor do ritmo. Artesanal, o diretor trabalha para que aquela história flua e continue embalando seu espectador na disputa entre lobistas.

Se o trabalho de Maden é quase abrir mão de qualquer inventividade, a fim de preservar o fluxo narrativo, fica nas mãos do roteirista estreante Jonathan Perera essa incumbência. Se de fato Armas na Mesa embala do primeiro ao último minuto, e joga de forma inteligente com assuntos extremamente importantes, é necessário notar que a maioria dos problemas reside justamente no seu texto. O longa por muitas vezes opta pelas saídas narrativas mais fáceis, por exemplo, a personagem de uma lobista anti-arma que primeiro foi vítima de um atentado a uma escola, e depois é salva de um ataque por um sujeito com posse legal de armas, tudo isso além de facilitar e torna superficiais os caminhos do longa, também serve para colocar uma dúvida moral em Sloane. Dois artifícios extremamente frágeis que fazem o filme percorrer atalhos ao invés de concentrar suas forças narrativas na sua tensão e dinâmica. Nesse ponto também vale ressaltar que por muitas vezes Armas na Mesa toma rumos extremamente exagerados para seguir suas ideias narrativas, como as baratas cibernéticas que servem como escutas, artefato contratado por Sloane para investigar rivais e aliados, uma artimanha de roteiro que faz com que Armas na Mesa seja um vale tudo para manter seu espectador no ritmo, botando em risco até mesmo sua verossimilhança.

Assim, fica evidente que nessa concentração nas forças da narrativas de Armas na Mesa o filme demonstre algumas irregularidades. E embora funcione perfeitamente bem em seu ritmo como thriller, o que compensa nesse projeto é justamente Chastain, que consegue traduzir tudo o que o filme é, um longa sobre ambição, cobiça e poder dentro de um jogo político. A miss Sloane de Jessica Chastain é a síntese de Armas na Mesa, e seu trabalho vale por todo os 132 minutos de projeção.

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