Críticas

Crítica | John Wick: Um Novo Dia Para Matar

A primeira aventura de John Wick rapidamente tornou-se uma espécie de sucesso cult do momento. Aquele primeiro longa que chegou por aqui como de Volta ao Jogo parecia ser um herdeiro direto dos filmes policiais americanos do final dos anos 1970 e da década de 1980, Keanu Reeves como Wick parecia ter laços profundos com o Clint Eastwood de Dirty Harry ou com Charles Bronson em Desejo de Matar, tudo com uma boa dose de violência provinda diretamente dos games. Na continuação do bem sucedido filme de ação, logo nos créditos iniciais, fica evidente um afastamento dessa referência que assombrava Wick e seu filme, e uma aproximação com um tipo de longa que dialoga muito mais com a mitologia que o longa deseja criar, as produções de Hong Kong.

O tom sóbrio que tentava dar seriedade ao longa, as cores acinzentadas que concediam um peso ao projeto e a morte da família de Wick que justificavam aquela missão foram deixadas de lado. John Wick: Um Novo Dia Para Matar é um filme que abraça um novo estado de espírito, que rompe com qualquer aproximação do realismo ou da seriedade do que é visto na tela, assumindo um tom que parece muito mais caricatural do que qualquer outra coisa. John Wick 2 é um filme que retira essa pretensão de ser de fato um Dirty Harry, que por trás de seu bordão e de sua Magnum 44 possuía um peso para suas ações. Era esse pensamento pretensioso que fazia com que De Volta ao Jogo muitas vezes parecesse um simples jogo de estilo, que de uma hora para outro abria mão de suas cores cinzas para criar uma sequência só de neons, sem proposta nenhuma.

Sem esse peso, as regras em John Wick 2 são outras, e logo de cara é dado esse recado. Dessa vez o protagonista vê sua casa sendo incendiada, mas esse fato não torna a motivação do longa, é como se essa continuação apagasse todas as memórias afetivas daquele homem, como se tudo aquilo que um dia foi usado como justificativa para a missão de Wick se perdesse. O que mantém John no jogo é uma antiga dívida com a máfia, é o próprio crime organizado que deixa o personagem no crime organizado, possibilitando que o filme como um todo seja sobre esse mundo, que no universo de Wick não é nada realista.

O mundo dessa segunda aventura de John Wick é uma eterna caricatura, e tal adjetivo não serve como uma crítica ao filme, mas sim uma característica bem particular de Um Novo Dia para Matar. O longa por muitas vezes parece possuir o estilo de uma HQ, em que tudo é construído para uma identificação visual fácil, mas extremamente imaginativa e exagerada (para o bem e para o mal). Dessa forma, o mundo dos gangsters de John Wick é totalmente fantasioso, e o filme compra tanto sua ideia que isso nunca deixa de ser crível.

Em Jonh Wick: Um Novo Dia para Matar a máfia italiana, chamada de Camorra, tem um hotel cinco estrelas com direito a alfaiate que costura colete à prova de balas, um sommeliere de armas e um departamento burocrático que parece um banco da metade do século passado, tudo no melhor estilo Kingsman. É essa atmosfera que guia as mais variadas sequências de ação presentes no longa, se antes havia a pretensão de aproximação com a câmera em punhos sempre tremida presente nos filmes que tentam dar seriedade a suas batalhas, aqui isso se dá lugar à luta coreografada, assumindo esse tom muito próprio dos filmes de Hong Kong. Esse fato deixa ainda mais condizentes as ideias estéticas do diretor Chad Stahelski, que antes pareciam apenas fetiches.

Essa lógica caricata de John Wick faz com que o filme siga dois caminhos bastante interessante, o primeiro de conseguir fazer com que o espectador embarque nesse fluxo de situações extremas e nada reais, a construção desse universo é tão bem feita que não há um questionamento a ser feito em torno das questões dramáticas naquele filme, como se ele seguisse suas próprias regras dramatúrgicas sem ter que explicar ou justificar como seu herói parou naquele ponto da história. Como em um momento em que John Wick simplesmente pede ajuda para uma facção que vive nas ruas de Nova Iorque como mendigos, mesmo comandando boa parte do crime por lá.

Esses absurdos narrativos fazem com que o filme crie certo desapego com sua história em si, algo que no caso de John Wick funciona bem, em certo ponto da projeção diversos assassinos são designados a liquidar o protagonista e o longa, ao invés de mostrar linearmente as tentativas de assassinato, vai fazendo um grande painel, numa montagem paralela em que Wick está sempre em ação, independentemente de uma continuidade de espaço e tempo, como se aquilo fosse um grande bloco que não dependesse de causa e consequência no seu roteiro, mas apenas da eficiência de suas imagens quanto filme de ação.

O outro ponto bem sucedido é abraçar o humor proveniente nessa caricatura. Se no primeiro episódio sempre havia algo que relembrasse o peso das circunstância daquela missão, aqui o filme deixa com que suas figuras sejam tão carregadas que isso gera um humor que parece espontâneo, mas que na verdade é muito bem pensado, cada frase dita como se fosse a fala de efeito de um grande herói, ou como as situações vão sendo construídas em que a ação vai aos poucos se transformando em uma gag, tudo milimetricamente pensado para que surja como um humor que aparentemente não é proposital, mas afasta por completo aqueles tons de seriedade visto no primeiro filme.

Evidente que esse clima do filme também tem seu lado negativo, esse tom absurdo aliado ao seu humor intrínseco e assumido faz com que tudo aquilo pelo que John Wick passa por cima sejam meros bonecos, o filme é construído de forma que não se sinta a violência nele contida, sendo que John Wick 2 é bastante violento. O longa também carrega tantos exageros que alguns são difíceis de justificar. O filme tem uma série de intertítulos que aparecem na tela para ressaltar alguma frase de um personagem, num recurso que parece apenas deslocado, que parece uma simples repetição de um clichê já batido há muito tempo, Jonh Wick por muitas vezes se rende as firulas.

John Wick: Um Novo Dia para Matar é um filme de firulas, mas o que torna essa nova aventura desse novo anti-herói cinematográfico é justamente abraçar esse caráter, abrir mão de sua pretensa seriedade para seguir novos rumos que tornam a ação incontrolável do filme totalmente interessante.

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