A franquia americana de O Chamado parece ter sempre sido movida pelo interesse econômico, do que por qualquer interesse em manter uma narrativa concisa que demonstre algo de interessante de fato. Após o sucesso estrondoso de Ring no Japão, Hollywood correu para refazer o filme a sua maneira, com mais visibilidade, mas sem acrescentar muito ao que o filme japonês trazia.
Após os altos números na bilheteria, sua nova continuação chega aos cinemas com mais sustos e maior rentabilidade. E após alguns anos adormecida, na busca por alcançar o público, reviver essa franquia poderia ser interessante financeiramente, mas O Chamado 3 é um filme que deseja conquistar seu público, e esse é seu único fim.
O longa tem início num prólogo dentro de um avião em que a personagem ícone da franquia, Samara, consegue atacar seu amaldiçoado no espaço aéreo. Esse início parece apenas uma extravagância, mostrar que naquele terceiro filme as coisas podem ser muito maiores do que seus capítulos anteriores. Essa extravagância não é sinônimo de destreza cinematográfica, não é a extravagância do estilo que muitos diretores do gênero propõem. O exagero consiste em como aquela situação é colocada no filme, como se quanto mais absurdo o momento, mais interessante ele pode ser. O Chamado 3 crê que suas imagens possam ser interessantes apenas pelo seu absurdo, pela sua extravagância, não através do rebuscamento fílmico, ou formal, mas apenas pelo seu absurdo situacional.
O curioso é justamente que em sua essência O Chamado contém uma relação íntima com as imagens. O mote do filme é justamente a curiosidade, quase mórbida, em ver uma imagem que pode causar a morte. A proposta de O Chamado 3, e talvez esse seja o maior mérito do filme, é pensar essa relação vista nos outros filmes num mundo da replicação total da imagem, da informação que se reproduz ad infinitum, do viral que instantaneamente chega a todo o mundo. O Chamado 3 faz a fita de Samara perder sua aura, transformar-se num arquivo, se antes havia o contato físico com o vídeo e a maldição, a tentativa de destruir/queimar o VHS ou a cópia do tape realizada de forma manual, agora a periculosidade de Samara reside num mundo fluído que se replica através de códigos informacionais e pode residir em qualquer lugar ou aparelho, a maldição pode estar num computador, numa TV ou num celular, Samara habita qualquer espaço.
O curioso é como o filme trai esse pensamento, como de repente deixa se ludibriar pelas imagens que reproduz e acredita que aquele vídeo é realmente o que há de interessante em seu mundo, como se não fosse a imagem que causasse fascínio mas sim o que há por trás dela. De certa forma todo filme de terror é sobre as imagens e como lidar com sua providência duvidosa, seja um horror real ou sobrenatural, o longa do gênero é basicamente ver um mundo através de um buraco de fechadura de uma porta sempre fechada, é lidar sempre com o mínimo de informação de um espaço que nunca pode ser visto, é sempre jogar com o lado invisível de algo que se mostra, é saber que aquilo que se vê sempre contém uma parcela escondida, não vista e não revelada. É justamente ai que O Chamado 3 se perde, assim como os outros filmes da série, há uma pretensão em mostrar o que causa excitação naquele vídeo, sendo que o interessante é justamente o fascínio que ele causa e não o por quê.
Ao se distanciar da relação com o vídeo em si e tentar procurar/explicar as imagens que se vê, O Chamado 3 se mostra como mais uma cópia, assim como fazem com aquele vídeo enigmático. Quando o casal protagonista parte rumo a uma cidadezinha para rever e entender o que está contido naquela fita, o longa torna-se uma simples repetição de clichês, e aqui não operando na lógica das referências, mas acreditando estar mostrando algo novo quando na verdade não está. A cidadezinha mal assombrada, a igreja abandonada ou o fantasma à beira da estrada parecem imagens saídas de uma história de terror de acampamento, como se não entendesse que esses símbolos estão nesse mundo antes mesmo do cinema de terror. Crer, em pleno 2017, que essas imagens ainda possam causar algum temor sem entendê-las como clichês, como símbolos de toda uma cultura da narrativa fantástica é fragilizar enormemente seus sistema imagético. Se a relação entre personagens e vídeo é interessante, se o vídeo sempre mostrado causa alguma curiosidade, suas explicações parecem apenas uma forma de encher a narrativa do longa.
O Chamado 3 sofre com essa falta de concisão, e muito disso se deve ao fato do projeto visar somente esse retorno financeiro. O longa é incapaz de fazer um recorte, de abordar apenas uma relação, deve mostrar tudo, deve explicar cada coisa que aparece, deve ser aberta a porta que se vigia pela fechadura, problema é que muitas vezes o é revelado por trás dessa porta não é tão interessante. Nessa confusão de fatos, nesse filme que a cada momento se torna uma coisa doferente (do terror urbano ao filme da cidade interiorana mal assombrada), O Chamado 3 vai fazendo pontes baseadas em coincidências, os personagens do filme vivem numa conveniência narrativa absurda, eles entram na pousada que contém as pistas para o mistério, enxergam um acidente que outro personagem importante está envolvido, caem num buraco que leva a resolução do enigma.
Isso poderia passar despercebido se O Chamado 3 fosse um filme de ritmo ou de atmosfera, mas o diretor Javier Gutiérrez é incapaz de contruir algo do tipo. Sempre prolífico, não sente-se o pavor dos personagens em resolver o problema, muito menos um clima que tudo aquilo está amaldiçoado, há apenas algumas sequências que são apenas desculpas para um susto fácil, uma vez que são sempre explicitados por uma trilha que a todo momento premedita o que será visto a seguir.
O Chamado 3 é o despreparo em forma de filme, do roteiro sempre conveniente, da trilha óbvia, da incapacidade do diretor em empregar estilo, ritmo ou atmosfera e das atuações. Nesse último caso vale o exemplo de Johnny Galecki (de Big Bang Theory) como um professor de biologia que comanda as pesquisas sobre Samara e seu vídeo, numa tentativa de utilizar o papel mais conhecido do ator com uma nova roupagem. Mas é tudo tão frágil que essa cópia de Leonard em tons mais escuros parece mais uma superficialidade, mais uma ideia que não funciona, que deixa O Chamado 3 ainda menos crível.
Sem dúvida, o despreparo maior de O Chamado 3 é não saber lidar com as próprias imagens que cria. Não compreender que a força do filme está justamente na relação das pessoas com o vídeo e não em sua explicação. Justificar aquelas imagens é retirar todo seu mistério, todo seu fascínio, é revelar acima de tudo que por trás de algo interessante não reside nada além de uma cópia. O Chamado 3 é justamente isso, na sua repetição de clichês é a prova de um filme realizado por um estúdio apertando apenas o botão copiar com o lado direito do mouse na esperança de alguma rentabilidade.