Críticas

Crítica | Paterson

Paterson é o novo filme de Jim Jarmusch, autor seminal para entender o chamado cinema indie americano. Se hoje o termo parece apenas uma espécie de merchandising para vender certo tipos de filmes, esse tipo de longa começou lá atrás e Jarmusch foi um grande responsável por seu desenvolvimento com os notáveis Estranhos no Paraíso e Daumbailó (ambos com exibições especiais nessa mostra) – os dois títulos mostram aspectos muito diferentes do que havia sendo feito no cinema americano até então.

Paterson não é diferente. O longa acompanha uma semana na vida do personagem título do filme, um jovem motorista de ônibus aspirante a poeta (feito por Adam Driver, de Star Wars: O Despertar da Força), que vive desde a infância na cidade de Paterson. O filme basicamente consiste no registro do cotidiano daquele homem comum, todo o anti-drama tão constante na obra de Jarmusch está presente ao longo de todos os 113 minutos de projeção.

E o que torna Paterson tão interessante é que Jarmusch emprega um novo olhar ao banal. Não é como se algo extraordinário fosse acontecer naquela pequena cidade de Nova Jersey, mas há contido nesse filme uma visão diferenciada em relação ao cotidiano. Como se o cineasta conseguisse compreender as nuances da vida comum, Jarmusch tem um olho que flana pela vida de Paterson, enxergando muito mais que a vida de um simples motorista de ônibus. Só assim é possível captar a beleza e as alegrias do mundo comum.

Assim, a vida de Paterson é longe de ser um poema épico, ou um bem formulado soneto lírico. O que se vê ali se aproxima muito mais da poesia moderna, que se debruça pelo normal. E é justamente isso que causa interesse pelo filme, a forma como após a segunda-feira já se entende toda dinâmica presente naquela vida, fato que faz com que o espectador sinta-se parte daquele mundo. É pelo registro do normal que os personagens ganham importância e assim são capazes de conquistar a audiência. É engraçado que depois que a esposa de Paterson, Laura, começa a pintar os móveis e cômodos de preto e branco, o espectador já espera qual será o próximo item a ser customizado. O público é convidado a participar daquele dia a dia.

Dessa forma, Paterson pode se dar ao luxo de não precisar criar fatos mirabolantes, já há o vínculo afetivo ali, e pela sua simplicidade ele é extremamente forte. A forma como Laura e Paterson conversam sobre seus planos e sobre seu dia revelam uma inocência tocante, algo que parece não ter espaço no cinema. E o interessante é que não há uma romantização daqueles diálogos, não é como se o filme colocasse importância nas falas deles, mas sim se permite a encantar-se com aqueles diálogos extremamente convencionais, que apenas ressalta um relacionamento puro.

Como quando Laura dá apoio para que Paterson continue escrevendo suas poesias, fugindo do clichê da família que não apoia o senso artístico do outro; ou até mesmo como Paterson embarca nas ideias de sua esposa, acreditando que ela realmente pode ser a rainha do cupcake da cidade, mesmo sem saber cozinhar direito, ou tornar-se uma grande cantora country sem saber tocar violão. E de repente, uma visita ao bar no meio da noite não significa desencanto, desilusão ou perdição, mas apenas mais um verso comum do poema de Paterson.

Dessa forma, o que é corriqueiro acaba se transformando em tocante. Há um desejo em continuar acompanhando aquela poesia habitual. Num filme construído a partir de suas aliterações, em que diversos elementos vão se repetindo ao longo da trama, como a figura dos gêmeos que sempre aparecem no caminho de Paterson após sua esposa dizer que gostaria de ter dois filhos de uma vez, ou a pergunta sobre se o ônibus poderia explodir em certo momento da projeção. São esses elementos que criam um anseio por aguardar a próxima rima daquele personagem, que é interessante justamente por ser extremamente parecido com quem está do lado fora da tela.

Assim, Paterson é um filme que faz um retrato do banal, através de um olhar diferenciado e delicado. O novo filme de Jim Jarmusch, assim como tantos outros em sua obra, é diferente de tudo que você pode encontrar no cinema americano atualmente (até mesmo dos filmes “indies”). E prova que o lirismo reside não somente nas grandes epopeias ou nos articulados sonetos, mas sim nesse simples registro cotidiano.

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