Críticas

Crítica | Homem-Aranha: De Volta ao Lar

Após 9 anos, em seu 16° filme, a Marvel finalmente traz ao cinema aquele que é tradicionalmente um de seus maiores carros chefes: é a vez de Homem-Aranha: De Volta ao Lar. O personagem criado por Stan Lee em 1941 ganhou notoriedade no cinema, mesmo já sendo muito popular, somente em 2002, com o filme de Sam Raimi estrelado por Tobey Maguire – e o qual rendeu ainda duas sequências. Todavia, não podia ser usado na saga do Universo Cinematográfico da Marvel por questões legais que envolviam a Sony e a Marvel Studios – questões enfim resolvidas com a parceria entre ambos e cujas resoluções foram celebradas com o papel de Tom Holland no filme Guerra Civil.



Popularmente o Homem-Aranha/Peter Parker é conhecido justamente pela antítese entre a vida banal de um sujeito nova iorquino e o fardo épico de ser um super herói – ou seja, entre o mitológico e o trivial. Essa contradição é trabalhada desde a primeira adaptação cinematográfica (com Tobey Maguire), passando pela saga do Espetacular Homem-Aranha (com Andrew Garfield) e, enfim, sendo um dos pontos mais trabalhados nesta nova fase do Homem-Aranha nas telonas ou, pelo menos, nesse primeiro filme solo da “era Tom Holland”.



Contudo, sobre a relação entre herói épico x homem banal, é interessante notar uma grande diferença deste filme de 2017 com aquele lançado em 2002: enquanto o de Tobey Maguire parecia se centrar mais na passagem entre a adolescência e a vida adulta – a entrada no mercado de trabalho, a dificuldade em achar oportunidades de emprego -, o de Tom Holland centra-se no auge da vida de colegial, com toda aquele idealismo do desabrochar da vida amorosa e da busca por popularidade no colégio. Logo, enquanto o de Maguire focalizava situações como a busca de Parker por um emprego para ter um salário – ser fotógrafo de um jornal ou entregar pizza -, a ajuda deste para manter a casa financeiramente estável, as dificuldades em manter vivo seu relacionamento com Mary Jane e situações transtornantes como tais; o de Tom Holland fala sobre a festa de debutante, o trabalho de química, ser o popular do colégio, ser o “looser” do colégio e todo este imaginário romântico e cujas preocupações, comparadas as do Parker de Maguire, são menores.



Logo, a vida banal de Parker, em De Volta Para Casa, é mais colorida, clichê, fabulosa e otimista que a da versão de 15 anos atrás. Até mesmo a atmosfera daquele Homem-Aranha de 2002 é muito mais noir e gótica – a cena do “nascimento” do Doutor Octopus é digna de um filme de Tod Browning ou George Romero – perto dessa dirigida por Jon Watts e cuja grande inspiração foi o sorridente sentimentalismo de John Hughes (“Clube dos Cinco”, “Curtindo a Vida Adoidado”). É perceptível que este recorte mais colorido talvez seja consequência da adaptação ao MCU (sigla em inglês para Universo Cinematográfico da Marvel) também. Contudo, devido a esta pegada mais “Hughes” neste filme, além da atuação de Holland, o Peter Parker (que tem 15 anos no roteiro, mesmo seu intérprete tendo 21) de De Volta ao Lar consegue estabelecer muito melhor a “ingenuidade” da mocidade típica de seu personagem do que todos os outros dois.



Porém, mesmo capturarando todo aquele imaginário estereotipado de “High School” para dentro do filme, De Volta ao Lar não consegue atingir o sentimentalismo apaixonante dos melhores filmes de Hughes e nem estabelecer com tamanha comoção os laços de amizade entre os secundaristas. Estes, os amigos de Parker no ensino médio, não passam apenas de coadjuvantes para alívio cômico ou interesse amoroso para o roteiro (mesmo que Liz, vivida por Laura Harrier, o interesse amoroso de Parker neste filme, tenha sua relevância para a trama em um momento bem pontual). Isso, contudo, não significa que o núcleo da trama sobre o ensino médio seja desgostoso: pelo contrário, ele tem lá seu ponto envolvente e é divertido de ser assistido. Ned – Jacob Batalon, o melhor amigo de Parker e uma espécie de “Sancho Pança” seu, servindo definitivamente como alívio cômico para o longa – é um personagem carismático, bem como Michelle, amiga de Parker vivida por uma ótima Zendaya e que, infelizmente, é sem justificativa sub-aproveitada: aparece em algumas poucas cenas e com falas contáveis nos dedos mas, mesmo assim, ela se sai bem no papel.



Na verdade, se a Marvel quisesse fazer um filme em que apenas contasse os dilemas de Parker no ensino médio, entre os deveres heróicos e afazeres banais do cotidiano escolar, tendo de lidar com a fama de “looser” e, simultâneo a isto tudo, conseguir a aprovação de Tony Stark para se consolidar enquanto herói já renderia um roteiro muito interessante. Contudo, para se enquadrar melhor no estilo épico da franquia, constrói uma trama principal pautada no vilão Abutre (Michael Keaton), bem encenado por Michael Keaton. Adrian Toomes, identidade por trás do vilão Abutre, era um cidadão médio estadunidense que, após ficar desempregado por sua pequena empresa de construção civil perder a licitação para recolher os entulhos deixados pela batalha contra os aliens – lá no primeiro Vingadores (2012) – justamente para uma empresa comandada pelo bilionário Tony Stark (logo, a concorrência era totalmente desigual), jura vingança à Stark e, durante esses anos seguintes, com a tecnologia alien que resgatou dos entulhos, começa a vender armas que prepara a partir destas. É curioso porque, se olharmos a forma com a qual o roteiro defende Stark e rivaliza à revolta de Toomes com as grandes empresas parece até mesmo que faz uma espécie de propaganda burguesa… Mas por fim, Homem-Aranha: De Volta ao Lar é, como podíamos esperar, um filme sobre o rito de passagem do despreparo à maturidade para ser herói.



E a trama entre herói e vilão, o suspense da perseguição entre o Abutre e o “Spidey”, também é bem dirigido, embora sem muita originalidade e apenas cumprindo o “feijão com arroz”, o prototípico de um épico hollywoodino com todas as suas fórmulas. Watts, porém, lembra de usá-lo incrementando o mínimo de personalidade e empatia necessário para gerar o ponto satisfatório de comoção que caracteriza um cinema suficientemente tocante.



E no final das contas De Volta ao Lar é isto: um filme que não é uma obra-prima, não eleva o espectador a um nível indescritível de comoção mas que, porém, cumpre o mínimo para se dizer que não caiu em situações apáticas e desinteressantes. Sua realização é bem efetivada, embora sem nenhum brilho que o destoa de tudo aquilo que já vimos quanto ao cinema de super heróis. É um roteiro redondinho, que faz tudo de acordo com as fórmulas para este tipo de cinema contudo sabendo conciliar carisma e empolgação. Não é entediante e muito menos tem protagonistas que o são, e suas tramas conseguem se conciliar a ponto de estabelecerem um nível agradável de comoção.



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