Críticas

Crítica | It: A Coisa

Por muito tempo a segunda adaptação audiovisual de It: A Coisa foi cercada de desconfiança. Com conturbado processo de produção, o filme era praticamente um projeto pessoal do realizador Cary Fukunaga (responsável por alguns episódios da primeira temporada de True Detective), afastado do projeto por conflitos criativos teve até mesmo seu roteiro dispensado. Com a chegada de Andy Muschietti o texto de Fukunaga, com algumas alterações foi retomado, e a adaptação de um dos livros mais conhecido do prolixo e cultuado Stephen King chega aos cinemas com muita pompa e expectativa.

Ao assistir It: A Coisa, uma das coisas que ficam bem claras é que o longa tem a pretensão de chegar ao grande público, de ser uma obra que realmente agrade não só os aficionados por filmes de terror. Esse é um fato que não torna um filme mais ou menos relevante, mas faz com que ele contenha certas opções a fim de buscar uma maior aceitação. It: A Coisa é um longa que tenta equilibrar a todo o momento essa noção entre uma obra diferente daquilo que se vê habitualmente, com elementos presentes em diversos filmes e blockbusters que atingiram o grande público recentemente. Talvez fosse isso que Fukunaga não desejava, mas com certeza é desse equilíbrio que nasce a força do trabalho de Andy Muschietti.

It: A Coisa conta a história de uma pequena cidade americana que passa a ter uma série de desaparecimentos infantis. Dos cartazes de desaparecidos ao toque de recolher, as férias de verão chegam à cidade e as crianças parece estar ainda mais próximas a um perigo inevitável, que atende pelo nome de Pennywilse, um palhaço maléfico e assustador que persegue garotos e garotas, assumindo diversas formas. O longa gira em torno de um grupo de garotos que não resistem a ficar apenas no conforto de suas casa, até porque um deles teve seu irmão mais novo devorado por essa onda de desaparecimentos.

O longa parece viver nesse equilíbrio entre pontos tão divergentes, algo que é ao mesmo tempo a grande potência do filme, como também seus pontos de maior irregularidade. It: A Coisa muitas vezes parece possuir dois filmes em apenas um só, algo que de alguma forma favorece o longa. O primeiro deles é o filme de terror, sobre o palhaço assassino que persegue as crianças da cidade. E outro o filme adolescente, à lá Clube dos Cinco, que não é utilizado apenas como fonte de horror, mas onde todos os clichês dos ritos de passagem estão ali. O resultado desse equilíbrio de obras bem distintas é um filme com um ou outro problemas, mas que sobretudo apresenta bem as suas ideias.

É evidente que desde o final dos anos 1970 e principalmente nos anos 1980, o mundo juvenil passa a habitar o universo do horror, aproximando o público das histórias horripilantes, realizando uma narrativa muito mais próxima da realidade. Porém, em It: A Coisa há toda uma estrutura do filme adolescente, os outsiders perseguidos por valentões e apaixonando-se, tornando-se um pouco mais adultos. Se em alguns filmes, como Carrie, A Estranha (1976), o universo infanto-juvenil é o motivo desse horror, ou se em outros, como Conta Comigo (1986), um fato mirabolante faz com que jovens amadureçam – citando dois exemplos de adaptações de King. Em It: A Coisa o que ocorre é a junção desse mundo, o horror e o medo estão completamente associados à realidade juvenil, como também faz com que os personagens amadureçam por conta daqueles fatos apresentados no filme.

It: A Coisa é um filme sobre medos, e como eles evitam qualquer tipo de crescimento. A metáfora é evidente e até mesmo citada para o espectador mais desatento. Todavia, um monstro capaz de tomar a forma de qualquer medo, que só aparece para as crianças e as privas de terem uma continuação a sua vida, deixa essa analogia bem clara. O longa é uma alusão muito forte e potente a esse período de amadurecimento. A medida que aqueles garotos vão enfrentando Pennywise, eles também demonstram a coragem frente à gangue que praticamente comanda aquela cidade e seus adolescentes, como também passam a demonstrar seus desejos e sentimentos, assim como se impõem no âmbito familiar. A temática do longa une-se ao terror presente no filme, fazendo com que o enfrentamento de um monstro que representa todos os medos resulta na possibilidade de crescimento, amadurecimento. Equilíbrio completo.

Ambientado nos anos 1980, It: A Coisa consegue ser tenso e amedrontador sem apelar para jumpscares a todo o momento, e mesmo assim parte para uma narrativa banhada por inocência. O longa, na sua aderência a opções que agradem todos os públicos, utiliza sua década da mesma maneira que faz outro horror (ou quase isso) juvenil, Stranger Things, como fruto de uma venda da nostalgia, utilizando os anos 1980 como uma vitrine daquilo que caracterizaria a década visualmente, sem buscar encontrar realmente raízes de suas referências, sendo um mero adereço pelo que está na moda (independente se esse é ou não o período presente no livro).

Outro ponto que gera incômodo é a presença constante de um alívio cômico, representado pelo papel de Finn Wolfhard (de Stranger Things, garoto que já passou mais tempo nos anos oitenta do que os que nasceram naquele período), que em toda ocasião faz alguma piada escrachada e divertida. Funcional, é verdade, mas que sempre serve para cortar a tensão, como se desejasse que o longa nunca passe do tolerável para o grande público. Chega até ser curioso como o filme possui certa violência gráfica, e como aborda os medos infantis de forma adulta, todavia o longa blinda-se de colocar a tensão dramática da obra de forma direta, como se os personagens e o público não suportassem aquilo que se vê, sendo necessárias essas constantes quebras cômicas.

Ainda que haja esses pontos de desequilíbrio, It: A Coisa possui alguns momentos marcantes que fazem do filme muito mais do que um pretenso blockbuster. Uma delas, quando a protagonista feminina do filme fica frente a frente de seu medo, que no seu caso é a menstruação – a virada física de uma garota para uma mulher – uma enxurrada de sangue toma seu banheiro, seus cabelos recém cortado tentam sufoca-la, na melhor representação do que é aquele filme, uma metáfora sobre os medos e como deixa-los para amadurecer. A outra, a vez que os garotos vão à provável casa daquele palhaço, e a sequência torna-se uma espécie de visita a um trem fantasma, em que cada quarto representa o medo de um personagem, surpreendendo o espectador, fazendo um espetáculo visual tenebroso. Ou quando os garotos investigam antigas imagens num projetor, e Pennywilse parece invadir aquele aparelho. Com uma construção perspicaz, o filme vai apresentando seu terror, sabendo fazer pausas para que logo em seguida tudo fique ainda mais amedrontador. Numa evidente clareza das ideias do gênero contidas no trabalho de Andy Muschietti.

It: A Coisa é um filme que nasce da força em combinar tantos elementos distintos, sem nunca livrar-se de seus conceitos, sendo fiel aos seus temas e a sua estética. O longa faz as as opções suportáveis e agradáveis conviverem com um filme no mínimo ousado. It: A Coisa é um grande blockbuster, como se fazia nos anos 1980, diriam os saudosistas.

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