Críticas

Crítica | As Aventuras do Capitão Cueca: O Filme

Dizem que hoje, mergulhados sobre nessa rapidez de informações e chamados de luzes que é viver em meio a um mar de tecnologia, nossa capacidade de manter o foco e a atenção vem abaixando. Estamos ficando mais ansiosos, impacientes. Eu não consegui achar nenhum texto que comprovasse essa hipótese, e sei que de crendices populares já estamos cheios. Mas, okay, é fato que no circuito comercial o número de cortes, de chicotes e a rapidez dos movimentos com a câmera, além do número de informação visual e gritaria, aumentaram. É a lógica do consumismo: quanto mais, melhor! Quanto maior a tela, maior os efeitos especiais, mais alto o som e o diabo à quatro.

E se houve algo que tenha me frustrado em As Aventuras de Capitão Cueca, certamente, foi o nível quase histérico com o qual todas as cenas são animadas. O som adiciona efeitos para tudo, não há respiro entre uma fala e outra, a câmera sempre em movimentos bruscos… Cortes rápidos, personagens gritando e etc. Não há respiro, não se digere nada de uma cena para outra. Entre uma piada e outra não há espaço, o filme anda em trupicões.

Como levar o público ao riso se não é pego de surpresa pelo imprevisível cômico? E como levá-lo à catarse nas cenas mais sentimentais se, de mesma forma, não há respiro entre um choque sentimental e outro? E como, agradavelmente – eu disse agradavelmente -, manter o público instigado à narrativa se esta não tem ritmo – ou tem um ritmo indecifrável de tão rápido e histérico que é. As Aventuras do Capitão Cueca peca pela verborragia poluente que em nada lhe ajuda.

Narra a história Jorge e Haroldo, duas crianças que em meio ao seu ensino fundamental são amigos inseparáveis. Em meio ao espaço entediante, domesticador, restritor, impositivo e cerceador que é a escola na visão do filme, eles são os que a todo momento pregam peças e fazem gracinhas querendo tornar a vivência escolar mais suportável para todas as crianças e romper com a lógica repressora do ambiente escolar. Por isso, são perseguidos pelo diretor da escola, o diretor Krupp. Contudo, um belo dia Haroldo e Jorge hipnotisam o seu algoz, e este começa a crer que é o Capitão Cueca, um super herói inventado pelas crianças, e que deveria salvar o mundo.

Seu ponto positivo talvez seja esta visão crítica da escola como esse espaço disciplinador restritivo, corretor, impositor de uma domesticação dos corpos em torno de um modelo de regras. Não sei se podemos criar um paralelo com as ideias do filósofo Michel Foucalt, para quem instituições como a escola, a prisão ou o hospital eram “instituições de sequestro”: “são aquelas instituições que retiram compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam etc.”, como resume o doutor em Educação Alfredo Veiga-Neto. Essa visão da escola como um espaço para tornar corpos dóceis está, arriscaria afirmar, presente no filme.

A gente pode falar ainda que os protagonistas são carismáticos, simpáticos e têm até certa química na tela. Mas o ritmo desenfreado e a histeria grotesca levam os personagens a serem insuportáveis lá pela metade do filme… Para auxiliar, o roteiro por vezes, no miolo da trama, se perde ao focar eventos que não são interessantes para a narrativa principal, o que acaba por atravancar um pouco a fluidez da história, torná-la um pouco entediante no meio de sua ação.

O diretor David Soren, que já havia sido assistente em alguns outros longas da DreamWorks e havia dirigido, como primeiro longa, Turbo (2013), agora se perde no típico exagero cômico dos filmes dessa produtora: este exagero, que era antes simpático e caricato (levando em conta as pretensões humorísticas de animações como Shrek, Madagascar e companhia – que fazem parte do currículo da produtora), agora perde a mãe, e vira uma histeria desgastante e confusa (dá dor de cabeça!).

Contudo há ainda no filme um certo quê de fazer coro ao dito “é só uma brincadeira”. Quando se ri de alguém por um fato do qual ela sente vergonha, por um erro que cometeu ou, mais gravemente, por um preconceito, e essa pessoa se sente humilhada com isso… não podemos afirmar, como o filme deixa subentendido, que esse tirar sarro de alguém a ponto dela se desapontar com aquilo é apenas uma falta de “senso de humor” da pessoa atingida pela piada. Uma pessoa mostra muito do seu caráter pelas coisas das quais ela ri, já dizia Goethe. Não é só uma questão de “senso de humor”, se se ri de piadas que fazem um outro alguém se sentir humilhado se está sendo cúmplice daquela violência.

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