Críticas

Crítica | Logan Lucky: Roubo em Família

Steven Soderbergh definitivamente não está aposentado! Ele disse que estava quando lançou Magic Mike XXL, quase três anos atrás. Agora lançou Logan Lucky: Roubo em Família. Não só saiu da aposentadoria como chegou no nível de Onze Homens e Um Segredo com este seu nome filme estrelado por Channing Tatum (Magic Mike), Adam Driver (Star Wars: O Despertar da Força) e Daniel Craig (007: Operação Skyfall).

Jimmy Logan (Channing Tatum) foi recentemente demitido e Clyde Logan (Adam Driver) tem como única fonte de renda um barzinho à beira da estrada. Falidos, eles decidem assaltar o cofre de um dos maiores autódromos dos Estados Unidos. Para tanto, vão à procura de mais cúmplices para o esquema: além de Joe Bang (Daniel Craig), um experiente golpista e assaltante de cofres, a irmã de Jimmy e Clyde, Mellie Logan (Riley Keough), e os estabanados e atrapalhados irmãos de Joe, Sam e Fish Bang (vividos por Jack Quaid e Brian Gleeson, respectivamente), fecham a equipe. O longa conta ainda com Hillary Swank (Menina de Ouro), Katie Holmes (Batman Begins), Seth MacFarlane (Ted).

Talvez Soderbergh não esteja, em Logan Lucky, no mesmo nível de recepção pela crítica de Traffic: Ninguém Sai Limpo e Sexo, Mentiras e Videotapes – este último, para muitos, seu melhor filme na carreira. Mas certamente é equiparável a Onze Homens e Um Segredo. É um bom filme para sua carreira – e estamos falando de uma carreira que ainda dirigiu Erin Brockovich e Che (aquele estrelado por Benicio Del Toro, que lhe rendeu o prêmio de melhor ator em Cannes inclusive).

Mas, mantendo as comparações com Onze Homens e Um Segredo, já que as sinopses são praticamente iguais, Logan Lucky ganha força com a espécie de sátira feita com o idealismo por trás do American Dream e todos os fetiches hollywoodianos. Os irmãos Logan são ambos amputados: Clyde perdeu o braço no Iraque, Jimmy em uma obra. Jimmy é vítima do sonho americano: era dito como um futuro jogador da NFL, era a estrela do time da escola. Seria o herói americano que saiu do zero e se tornou o herói, pelas próprias mãos. Mas o destino não depende tanto apenas de nossa força de vontade às vezes, como dizem os discursos de auto-ajuda, e ele acabou por não vingar no esporte.

Em Onze Homens e Um Segredo havíamos o fetiche do galã hercúleo hollywoodiano e todos esses clichês arrogantes e massificantes. Porém, pelo menos ainda havia uma espécie de tiração de sarro da cara do self-made man, vivido por Andy Garcia (e vale lembrar que o diretor do Onze Homens e Um Segredo original de 1960, Lewis Milestone, também dirigiu um dos maiores filmes anti-guerra da história do cinema, Sem Novidade no Front). Contudo, em Logan Lucky já não há muito coisa que possa ser creditada como da exaltação dos “valores do american way of life”: os protagonistas são visíveis nêmesis ao arquétipo do galã de Holywood e todo seu idealismo galante – Tatum está barrigudo, Craig faz um papel de parvo e está caricato… Todos os personagens estão disformes, deformados, talvez uma metáfora do EUA pós-crise de 2008 e da decadência dos discursos patrióticos. Clyde leva no corpo as marcas do projeto de poder estadunidense, e talvez seja isso que Soderbergh nos quisesse dizer: um país que vive pelos lucros dos poderosos (e visando a isso ocorrem as invasões em diversos países), mas não pelo seu povo – que inclusive pagou caro por tais lucros em 2008.

Em Onze Homens e Um Segredo combinava-se dinamismo e sofisticação. A trilha sonora tinha músicas que lembravam os rocks de Elvis Presley, cores quentes chocando com cores frias, cortes ágeis, diálogos requintados de ironia e sagacidade. Aqui usa-se do mesmo dinamismo, mas a sofisticação é diferente. O sentimento de ironia e decadência persegue o longa, uma vez que ele é uma comédia sobre a decadência econômica e na vida privada dos irmãos Logan. Mas as falas, no ótimo roteiro escrito por Rebecca Blunt (estreante, inclusive), são pontiagudas: precisas, certeiras e inteligentes. Não há nada de histeria, gritaria: o humor do filme se baseia na sagacidade do roteiro de Blunt e nas atuações contidas e perspicazes de Adam Driver – que se tornou o principal rostinho do cinema indie estadunidense nesse último biênio – e do cada vez melhor Channing Tatum. Com menos tempo em tela, Riley Keough não fica atrás e é ótima também. Craig se sai bem “caricaturizando” o clichê do galã astuto e arrogante – como se fosse uma grande caricatura do protagonista de Onze Homens e Um Segredo, Danny Ocean, vivido por George Clooney,

Rebbeca Blunt se sai muito bem! Escolhe sabiamente os caminhos da trama, constrói maravilhosamente bem o saga de mistério com os enigmas e charadas do plano mirabolante e é ótimo nas peripécias e “plot twists” da história. É um mix de suspense e ironia. Peter Andrews (um heterônimo de Steven Soderbergh, ou seja, o próprio Soderbergh) poderia ter sido mais ousado na fotografia do longa. O diretor de fotografia escolhe planos que tem ângulos muito mirabolates e bem imaginados: adicionam, em bom tom, um pingo de excentricidade – o tom humorístico e satírico do longa pede isso. Mas poderia ousar mais em aspectos como paleta de cor, iluminação e coisas do tipo. Foi um trabalho muito bem feito em Onze Homens e Um Segredo, poderia te se repetido (por mais que a fotografia de Lucky Logan não seja decepcionante).

Talvez com um pouco mais de impacto emocional teríamos um filme mais marcante. Para tanto precisaríamos de ter trabalhado melhor o aspecto dramático e emocional de cada personagem a ponto de não só de provocar mais empatia pela situação difícil de suas vidas pessoais mas também aumentar a crucialidade do significado do cumprimento daquele roubo no autódromo para Jimmy, Clyde e toda sua trupe. Contudo, de resto, ponto para Soderbergh.

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