Críticas

Crítica | O Rei do Show

O título original de O Rei do Show, The Greatest Showman, seria traduzido como o maior showman, como o maior nome do entretenimento, rei do showbusiness que na época em que o filme se passa ainda nem era consolidado. Mas esse pequeno título revela muito deste meio que estava sendo fundado ali, revelando o sucesso atrelado ao individual, o título hiperbólico e principalmente o anúncio chamativo. Algo que mostra como O Rei do Show é um filme sobre a vitória do Showbusiness.

Isso não é uma condição apenas passada pela temática do filme, a história de um homem que sonhava em fazer magníficos shows, mas na forma como o longa é realizado, feito sob medida, utilizando cada ponto e característica para ser aceito e abraçado pelo público, armado para fazer parte de uma cultura popular, quando na verdade entrega muito pouco. Hugh Jackman interpreta P. T. Barnun, o filho de um alfaiate, que casa com a filha do patrão, promete ganhar o mundo para ela, e num golpe do destino, vê a imaginação como a sua única saída, abrindo um grande museu de variedades, que logo se torna um circo atraindo os mais diversos artistas e curiosidades, entre elas a mulher barbada, o homem mais gordo do mundo, o anão general, os irmãos trapezistas, que são negros num momento racista e assim por diante.

Não é nenhuma surpresa como o filme aborda essa figura com tanto louvor, pois é o mesmo sentimento que consolidou a carreira daquele protagonista que agora tenta colocar o longa nas grandes bilheterias do ano. No showbusiness vale tudo, vale encenar uma exploração do circo de horrores – algo comum no final do século XIX e começo do século XX – como algo benéfico, como uma benfeitoria ao colocar aquelas pessoas nos holofotes. Uma inverdade tão grande que nem pode passar como inocência, há uma clara tentativa de transformar esses atos eticamente e moralmente questionáveis em algo que não se julga, sendo que uma pequena reflexão durante o filme leva ao pensamento de como aquele retratado era na verdade um oportunista.

E ver esse retrato grandioso desse homem faz com que o filme abra precedentes para estratégias tão questionáveis quanto as da vida daquele homem. A transformação da existência daquele freak show em algo como resistência de oprimidos ou algo do gênero demonstra uma tentativa de surfar nas ondas dos blockbuster com questões de representatividade, algo que nunca parece orgânico ao filme, ou uma verdadeira necessidade daqueles personagens. Pode até haver algo um pouco mais parecido com isso na trama romântica entre o galão sócio de Barnun (Zac Efron) e a trapezista Anne (Zendaya), mas essa força da representação sempre vem da boa vontade desses homem como se fosse mais uma de suas virtudes, proporcionando um grande discurso demagógico.

O Rei do Show é cheio de discursos grandiosos com grandes morais e ensinamentos. Mas tudo isso sempre colocado em palavras, sempre seguindo esse jeito fácil de chegar ao seu público. É perceptível como essas ideias não conseguem ser colocadas no roteiro, apenas em seus diálogos, o que se vê na tela é sempre a figura de um homem vencendo, sempre grandioso, onde o longa salta de suas conquistas para suas conquistas, sem que nada que ele faça tenha peso, menos ainda suas derrocadas sejam pesadas, colocando os problemas com pouquíssimo tempo de tela. Tudo é sempre resolvido com facilidade, sempre surge do nada uma resposta para reconquistar sua família, reconstruir seu circo, ou qualquer coisa assim. O que gera sempre esse sentimento de vitória, de uma exaltação que agrada o espectador, mas não gera nada além de uma animação superficial, destituída de crítica ou de uma verdadeira força dramática. Há apenas a perpetuação de uma figura que fez por merecer, mesmo que claramente não haja razões para este sucesso ser celebrado.

Com essa evidente dificuldade do roteiro de Jenny Bicks e Bill Condon em colocar suas ideias nas ações de seu roteiro, o filme vira toda sua conquista popular para sua forma. O Rei do Show, comandado pelo estreante Michael Gracey, tenta constituir seu musical através de algo que ficou popularizado pelo trabalho de Baz Luhrmann, ao utilizar a música pop atual para aproximar-se de uma narrativa de outra época. Se lá havia a apropriação de músicas já conhecidas, aqui o espectador tem que acompanhar esses discursos narrados em forma de letra, enquanto as músicas remetem a grandes sucessos pops do momento. O que se vê nesse musical é uma forma de atrelar seu público apenas pelos ritmos, fazer com que o envolvimento se dê a partir de ritmo e melodias já conhecidas, sem que seja necessário o rebuscamento das letras ou de uma clareza narrativa.

As músicas de O Rei do Show são claramente baseadas em outras, há samples (partes licenciadamente transcritas de outras canções) evidentes de grandes hits do momento, para que o espectador já entre no clima, não tendo que se acostumar com aquelas canções, utilizando claros padrões da música pop. É capaz de serem reconhecidos trechos de Despacito, de músicas da Sia, ou até mesmo títulos do Imagine Dragons, buscando sempre uma fácil assimilação de seu público. Algo que não vem de um trabalho exclusivo do filme, mas sim de características em voga na indústria da música, desconectando-se até mesmo do padrão de musicais modernizantes como Moulin Rouge, por exemplo, sem falar na tradição clássica. A sensação é simplesmente estar diante de uma playlist de pop que a letra realmente pouco importa, pois o hit, com todas as suas fórmulas, já está impregnado na cabeça do público.

Essa mesma prática é utilizada na concepção visual do longa, que faz de todo número musical um clipe que poderia estar sendo visto na internet. A montagem rápida, que se torna mais importante que a coreografia (algo essencial na tradição musical), os planos focados em seus atores cantando – algo que justifica a utilização de Efron – e os cenários que são explorados como simples adereços musicais, todos estes são fatores que o público já têm registrado em seu repertório audiovisual cotidiano. Há sempre um comodismo em O Rei do Show, apenas unificando coisas que já são aceitas, mais do que conforto é encontrado uma fórmula fácil. Apenas mais uma de suas práticas questionáveis.

Fato é que a junção de clipes não forma um filme, que as canções, tão parecidas com outras, podem ser esquecidas com os hits da próxima semana, e a demagogia sempre perderá lugar à verdadeira relevância social. O showbusiness provavelmente continuará a vencer e a ser celebrado, todavia, olhando de perto, percebe-se o quanto é vazio e sem significado esse reinado.

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