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Crítica | Star Wars: Os Últimos Jedi

Star Wars: Os Últimos Jedi é o segundo título da terceira trilogia da franquia, e se seu capítulo anterior era marcado pela sombra de uma antiga tradição, esse chega aos cinemas após a Disney – a nova mandatária desse título – fazer com que a saga seja um constante de produto de sua enorme variedade de franquias. Óbvio que Star Wars sempre será Star Wars e suas narrativas principais sempre serão aguardadas, mas o que se vê nesse oitavo capítulo, tanto em sua produção, quanto nas ideias inseridas no filme, é que o longa é um impactante produto de seu tempo.

Os Últimos Jedi é um filme da incerteza, onde as fronteiras entre o lado da luz e da sombra parecem ser borradas a todo o tempo. Não é à toa que tantas teorias surgiram especulando quem seria o vilão, ou o jedi desse novo filme. O que se vê então é uma batalha em diversas frentes e personagens que parecem realmente não saber que caminhos podem recorrer, esperando que alguma fagulha de esperança realmente apareça por ali. Rey procura entender suas forças, objetivos e até mesmo seu passado, em busca de um mestre tão confuso quanto ela, um Luke que não deseja ser mais lenda e incapaz de acreditar na distinção entre essas forças. Os rebeldes estão tentando se manter vivos na resistência, enquanto parecem mais cercados pela Primeira Ordem, e até mesmo ali surgem dúvidas se todos estão caminhando a um mesmo objetivo. Até o próprio antagonista, Kylo Ren se mostra questionado por si próprio, pelo seu mestre e até mesmo pelas forças benignas que aparecem ao seu redor.

Esse ambiente de incerteza faz com que Star Wars: Os Últimos Jedi possua um de seus pontos mais interessantes. Se a trilogia clássica dizia respeito a um bem que pode surgir de uma terra semeada pelo mal. E trilogia de George Lucas comentava o nascimento do lado sombrio no lugar mais improvável. Esta, principalmente nesse filme, mostra que esses dois lados não são tão diametralmente opostos, mas que um está sempre acompanhando o outro, quando não habitando o mesmo espaço e também se confundindo. Talvez por isso seja um dos episódios mais realistas, no trabalho de seu tema e de seu tom. A Galáxia tão tão distante passa pelas mesmas dúvidas que esse tão conturbado período histórico, com líderes que não podem ser seguidos, caminhos que parecem inexistentes, resistências que se mostram acuadas e uma dúvida generalizada em relação a quem se pode confiar.

Não é à toa, por exemplo, que exista no filme um personagem como DJ, interpretado pro Benício Del Toro, um codificador encontrado por Finn para desarmar um rastreador dentro de uma nave inimiga. Um ser que mostra o tempo todo que ele está ali apenas porque o personagem de John Boyega pode pagar pelos seus serviços, deixando evidente que essa definição entre bem e mal, mocinhos e bandidos é apenas uma questão de ponto de vista. Algo evidenciado quando eles roubam uma nave para realizar uma missão e aquilo pertence a um vendedor de armas, que vende tanto para a Ordem quanto para os Rebeldes, Star Wars assume as condições da realidade em detrimento a um jogo de sucesso entre o lado da luz e da sombra.

É bem verdade que Star Wars: Os Últimos Jedi é um filme recheado de personagens, com muitas narrativas secundárias, com enormes conflitos e tudo isso faz com que a narrativa escrita por Rian Johnson demore para se desenrolar, e até mesmo demonstre algumas barrigas, deixando algumas narrativas mais curtas que outras e nem sempre todas estando no mesmo clima, algo que faz com que seja sentido certo descompasso rítmico. Fato compreensível dentro de um filme que também vive seu dilema, vive sua incerteza, uma batalha entre essa nova obra antiga. A relação entre as liberdades de um filme novo e a inserção dentro de uma franquia tão icônica.

Muito mais que no episódio anterior, que trazia com gosto pela reciclagem do episódio IV, fundamentando-se extremamente nas bases do primeiro filme da série, Os Últimos Jedi é um filme que se situa numa relação entre um distanciamento maior e a devoção pura. Se O Despertar da Força era marcado pela concisão narrativa e pelas rimas visuais com o episódio IV, o que se vê aqui é um filme muito mais caótico, menos acertado ou perfeito, mas que abre precedentes na franquia para colocar algo próprio, para propor o novo, ainda que haja constantemente algo que remeta àquelas pedras fundamentais que os fãs já conhecem tanto. Algo que por si só gera em Star Wars: Os Últimos Jedi uma potência muito forte.

O filme gira em torno de uma questão constante entre o embate entre o presente e o passado. Kylo Ren, o vilão, tem o plano de começar tudo do zero, não se submeter nem ao sangue de Skywallker, nem a herança de Darth Vader, ele almeja uma nova ordem, não os Siths, nem os Jedi, nem os rebeldes. Luke no seu período de resignação entende que os Jedi acabaram, e que seus ensinamentos não podem ser passados adiante, que algo de errado já aconteceu para que os mesmos parâmetros sejam continuados. Os Rebeldes, por sua vez, mantém a esperança nas antigas lendas, nas antigas práticas que poderiam gerar mais uma vez a rebelião, assim como foi vista na trilogia que começou nos anos 1970. Rey se insere nesses dois lados, a materialização dessa nova saga após duas outras trilogias tão opostas, buscando talvez a dosagem ideal entre o novo e o velho, entre novos heróis e antigas lendas. Na contradição onde o novo encontra-se do lado do mal ou do desconfiável, e o velho encontra-se do lado dos bons rebeldes, algo tão incerto quanto o que se vê na tela, e desse embate surge algo no mínimo interessante.

É curioso, assim, como cheio de ideias, Riam Johnson ainda deve realizar a jornada de descoberta de Rey, seguindo o manual clássico do herói e a sua passagem pelo mentor, que também se descobre nessa jornada; ou, como na outra trilogia, há uma esperança que o bem surja no pior vilão e ele mude de lado, mesmo depois de tudo que fez; ou como há ainda as frases de efeito sobre esperança, ou como o amor vencerá o ódio, algo marcante nos outros capítulos que se contrastam com o tom real deste. Há também as lutas de sabres de luzes, aqui repletas de câmeras lentas, tornando-as extremamente expressivas, modernizando aquilo que sempre gostaram. Ou por fim uma montagem interessante que sempre opõe closes – mesmo que em ambientes diferentes – de personagens de lados opostos, escancarando esse espelhamento dos dois lados da força. E isso está lado a lado às clássicas transições daquela primeira trilogia, de linhas abrindo-se para serem iniciadas outras sequências visuais.

Star Wars: Os Últimos Jedi é um filme então que nasce de um sentimento muito rico, algo com uma potência enorme de imagens e símbolos, marcadas por uma inevitável vontade de se situar frente a seu tempo, assim como entender-se como filme no meio de uma nova franquia tão referencial aos mais antigos títulos. Nessas operações de desconstruções e reconstruções surge um filme de impacto, novo sem poder se afastar dos demais, fiel sem renegar o frescor que uma nova franquia poderia dar. Por fim, uma obra não tão afeita à reciclagem, mas que ainda se utiliza das pedras fundamentais dessa marca, algo que mantém Star Wars sendo Star Wars.

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