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Crítica | Mudo

O que circunda os elementos do dito subgênero cyberpunk, inserido dentro de seu gênero primário, a ficção científica, pode estar subjetivo e interpretativo a diversas células narrativas correspondentes aos personagens e como eles dialogam com essa sociedade distópica, que escancara e disseca as divergência sociais. Mudo, novo filme de Duncan Jones (World of Warcraft), que estreou na Netflix nessa sexta-feira (23), está amarrado dentro dessa linha construtivista e pós-moderna sobre o cyberpunk, com alguns aparatos mais delicados e contextualmente sociais.

Inserido dentro de uma Alemanha futurista, Leo é um homem que por conta de um acidente quando criança, ficou mudo e não consegue mais proferir nenhum tipo de palavra. Poderia ter sido curado através de cirurgias, mas por conta da religião de sua família, os amish, conhecido por serem extremamente religiosos e conservadores e também alheios a eletrônicos, como celulares e computadores, a mãe proíbe a cirurgia e deste então, o jovem teve que lidar com a falta de som ao tentar se comunicar. 30 anos se passam e está agora apaixonado por Naadirah. Ambos trabalham em uma boate localizada na cidade de Berlim, que se desenvolveu tecnologicamente de maneira incompreensível, talvez – segundo indicações do roteiro -, porque a Alemanha foi vencedora de alguma guerra mundial e acabou se tornando uma potência excepcional.

Por falar em potências, há uma inscrição política-militar dentro do filme, que dialoga com o personagem Bill. Aparentemente, por conta de notícias nos jornais e de uma coesão militar entre os países, os Estados Unidos estão em guerra e com uma ordem militar de recrutamento. Ou seja, quem abandonar os postos ou não responder às convocações, é considerado desertor e por isso, pode ser denunciado e sofrer com punições e sanções cabíveis.

Bill trabalha para a gangue formada por pessoas do leste europeu (russos, eslavos), realizando operações médicas e outros serviços juntamente com seu parceiro Duck, um pervertido e renomeado cirurgião estético. Estes quatro personagens principais são envolvidos a partir do momento que Leo reconhece um comportamento estranho em sua namorada e desde então, ela desaparece sem deixar rastros. Com dificuldades de se comunicar, ele irrompe uma busca por respostas e conforto através de conflitos que se moldam dentro dos contextos sociais e políticos da atual Berlim.

Visualmente, a configuração de sci-fi segue os padrões: cores fortes em expositores de neon, tecnologias avançadas mas que não são acessíveis a todas as pessoas – nota-se uma estranha inviabilização social ao longa por não mostrar justamente estes pontos principais nos abismos econômicos entre quem possui dinheiro e benefícios e quem não têm -, uma desumanização perene e contínua por conta do uso da tecnologia em troca de um conforto e estabilização. Entretanto, há um desfoco dentro desse sistema de construção quando o filme começa a ter exclusividade nas dificuldades e nas características pessoais de Leo, bem interpretado por um enfático e emocional Alexander Skarsgard.

Seus irrompes de medo e fobia acontecem em alguns momentos de solidão. A relação de Leo com a água, desde o momento que a ingere até quando pratica natação pode ser vista através de um seguinte ponto: antes de beber o líquido ou submergir, ele prende a respiração e se entrega, em uma forma de se purificar ou até mesmo encontrar algumas respostas em um momento que se mostra pleno a ele. Através de olhares e feições mais leves, é observável sua consideração e amor pela jovem Naadirah, que maquia seus segredos e considerações próprias. Infelizmente, há uma falta de interesse do roteiro em construir uma persona mais coerente da personagem, que se vê sendo apenas um objeto de recompensa – em respostas, em sentimento, em conforto – ao principal, Leo. A ausência de características mais autônomas e identitárias da jovem com si e com a situação social poderia ser suprimida, mas há um mono-foco narrativo, o que custa à crer verossimilhança dentro das motivações dela.

Um dos destaques de Mudo é notar como são feitas, em uma espécie de transações e negociações, as prestações de serviços gerais, como limpeza e babá. Por exemplo, há uma babá que cuida da filha de Bill, que acaba se tornando um objeto de desejo para Duck, seu colega. Para conseguir ter relação com ela, Duck vai até uma casa noturna onde ela também trabalha para comprar um programa. Não fica claro que todas as mulheres da cidade, em decadência social, se prostituem, mas é uma análise de como inserir uma espécie de “trabalho” – aspas porque há controvérsias enquanto a considerar formas de exploração do corpo feminino como trabalho -, como uma espécie de compreensão dos problemas e desigualdades sociais.

Em termo narrativo e direcional, Duncan assimila uma boa obra com um olhar que emula ficções científicas mais descompromissadas com suspense, mas às vezes também disponibilizando sutilmente pequenos contextos que dispõem a favor de sua distopia. Assim como em World of Warcraft, a imposição de mitologias e credos como características narrativas dos personagens, principalmente de Leo, é um fator determinante para suas constatações e até mesmo, limitações óbvias para com a sociedade em atual vigor. Há uma certa inocência em seu modo de lidar com as coisas, principalmente quando envolve Naadirah. O distanciamento e isolamento social como um dispositivo de imposição de sua religião, mesmo que aparenta não estar mais tão presente regendo certos segmentos, é crível ao protagonista.

Mudo – sem qualquer tentativa de piada sem graça – dialoga com personagens próprios e suas disposições. Enquanto Bill e Dunk formam o núcleo que serve como contexto social, Leo e Naadirah formam um senso mais comum, ordinário e pessoal à história, que delimita seu subgênero à servir somente como uma ambientação e cauterização social, a ponto de identificar a história acontecendo em qualquer outra simbiose política. É um longa que possui continuidade e fluidez, mas que não se deixa seguir um rumo mais arbitrário e objetivo.

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