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Crítica | Aniquilação

Alex Garland é um dos cineastas de mais foco e consideração nos últimos 15 anos de cinema. Começando como redator para filmes como o remake de Dredd e Extermínio, Alex fez sua estreia e triunfo direcional em 2014, com a ficção científica Ex-Machina, onde ali, já expunha um domínio para com temas de maior consideração social e humana, como a Inteligência Artificial. Em Aniquilação, filme que estreou na Netflix nessa segunda-feira, 12 de março, Garland conseguiu apresentar um enredo que mesclasse esse particular domínio de um roteiro sobre a tecnologia e contestação biológica dela, mas também manifestou um flerte com o senso do horror cósmico.

Horror cósmico é um termo que enquadrou primeiramente obras literárias. A mais famosa foram os contos de H.P. Lovecraft, especialmente, Call of Cthulhu. Nesse aspecto narrativo, o horror ele se emancipa para algo além da compreensão propriamente humana e estabelecida, como se não somente o terror e medo assustassem, como também, enlouquecessem e colocassem seus personagens como reféns de uma linha épica que foge de sua percepção mental. A insanidade é um espelho do terror sobre o desconhecido e em Aniquilação, Alex utilizou de alguns elementos para rodear esse cenário, principalmente dentro da jornada da protagonista, Lena (Natalie Portman). No início, a bióloga apresenta o que é uma célula e como é sua estrutura, mostrando que todas são geradas e divididas a partir de uma única célula, que deu origem a tudo.

Indiretamente, esse fato de elo e ligação colocam Lena presa dentro de uma espécie de inconformismo sobre o desaparecimento/morte de seu marido, Kane (Oscar Isaac), que após uma expedição para uma região chamada de Área X, controlada pelo governo dos EUA, é dado como morto. Então ao mesmo tempo que Lena acredita que possa se desgarrar e continuar sem ter mais uma síntese de ligação com o ex-marido, seu retorno aparentemente em completo estado de preservação, traz em vida uma espécie de anomalia, presente dentro dessa área, que fez Kane voltar repentinamente sem uma consciente memória sobre como era o lugar, o que era esse lugar e o que ele representava, tanto fisicamente quanto biologicamente, seu bioma e sua construção político-social. Não necessariamente, o filme se desprende dessas últimas considerações e viabiliza verdadeiramente o contato humano e como sua mente se molda e se adapta às descobertas que não possuem componentes lógicos e morais.

Como explicado, Lena é envolvida dentro de uma operação militar ultra-secreta, que está relacionada diretamente com essa Área X, que utiliza seus conhecimentos como bióloga para investigar uma espécie de zona dimensional que está consumindo um parque florestal, onde qualquer pessoa ou coisa que é enviada para lá, não volta, exceto por Kane, que está com risco de morte após contato com o que há lá dentro. Uma típica missão para coletar dados, analisar biomas e reportar à base, mas o filme já no começo começa a dar um cenário muito mais complexo e inidentificável. Como uma célula tumorosa, que apresenta um conjunto de leituras que não conseguem ser lidas om analisadas e que enquanto ela não é diagnosticada ou tratada, destrói um organismo. São analogias indiretas mas que amarram sistematicamente essa jornada em que há uma fraca disposição e clareza sobre a nova área, baseada apenas em contestações que delimitam uma interação.

Não é somente uma nova área, um universo novo e em constante emancipação, com suas características biológicas. É uma desafio que circunda elementos de temor. Cada pessoa envolvida na exploração possui uma leitura e uma percepção sobre o fenômeno e a partir disso, a narrativa consegue criar um modelo forte de identificação de cada uma, que se dispõe a interagir da forma como se sente mais original e independente. Necessariamente, a catalogação desse filme não passa por uma simples análise. Aniquilação é um pouco mais complexo perante sua forma de acrescentar o que é, de fato, essas ameaças e o que são elas dentro da física e da biologia próprias. Não é somente uma deterioração física, alimentada por monstruosidades, é também uma forte perda de matéria lógica e mental, como se nada fosse realmente coerente ou apresentasse sentido. São esses tópicos que remontam um terror cósmico e uma clara fragilidade emocional, que dão conta de contrariar todo um sentido real e racional. É mutação correspondente à genética dentro da redoma e da área dita “contaminada”, alterando genes das espécies animais e também da flora.

É uma mudança sutil, gradual e degradante dentro da narrativa. Todo senso de realidade é transformado em metáfora e percepção ilógica. As 5 mulheres enviadas para a missão de coleta de dados não só compartilham histórias próprias e um laço de irmandade. Elas também são vítimas da mesma desestabilização e fundição de sua sanidade. A ficção está ligada a apresentar uma base científica, fundamentada nos estudos cognitivos da biologia, da mutação celular e da desorientação. Às vezes, se pede uma sobriedade ao lidar com esses assuntos, mas elas são justamente contrapostas pela quebra da sanidade e pela racionalidade, se entregando a um universo que já foi aceito como incompreensível, mas totalmente significante. Não se sabe se é uma manifestação alienígena que pressupõe-se à forma biológica do Planeta Terra e assim, a assimilando e até mesmo gerando uma nova forma de vida.

O que se sabe, do pouco que sabe, é que é uma face estranha, sem rosto, na verdade. Ela consome a sanidade e a lógica dos humanos e a põe sob seu domínio, como uma manifestação singular de si mesma, possuindo sua própria cadeia de elementos físicos, biológicos e sociais. Não de hierarquias, mas sim de uma remontagem sobre todos esses cenários. A inserção da psicóloga atenua esses sensos e prospecções sobre a vida e os rumos que elas são baseadas. É um debate que não é totalmente indisposto e degenerado pelo afunilamento da história, mas ele se coloca em segundo plano e se desloca da propriedade, o que não necessariamente é uma análise menor. Assim como no livro que se adapta de Jeff VanderMeer, que é o 1º livro da trilogia Comando Sul, Aniquilação se molda dentro dessa característica do horror sobrenatural, mas não que seja necessariamente espírita ou algo relacionado a um contexto religioso, apesar da análise que parta desse ponto seja tão válida quanto.

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