Críticas

Crítica | Com Amor, Simon

Com Amor, Simon é um filme sobre o medo de ser desaprovado. Viver à espera da aprovação do outro é, decerto, um grande vazio, mas quando o outro consiste em sua família e em seus melhores amigos, a situação adquire nova configuração. Atento às competências do material que tinha em mãos, Greg Berlanti (atrelado a séries da DC Comics, como Flash e Supergirl) soube preservar signos patentes da adolescência, ao mesmo tempo em que optou por trafegar por vias pouco usuais em filmes young adult, revelando os matizes de seu protagonista, tão adorável quanto o restante da obra que ajudou a arquitetar.

Baseado no livro Simon vs. A Agenda Homo Sapiens, de Becky Albertalli, o longa nos apresenta aos estudantes do colégio Creekwood, local frequentado por Simon (Nick Robinson, do drama adolescente Tudo e Todas as Coisas, 2017) e seus amigos inseparáveis, Leah (Katherine Langford, da série 13 Reasons Why, 2017), Nick (Jorge Lendeborg Jr., de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, 2017) e Abby (Alexandra Shipp, de X-Men: Apocalipse, 2016). Em meio à correria cotidiana, mal sabem eles que Simon encara um dilema que o consome, mas que logo se tornará notícia.

Privacidade na era das redes sociais é algo, até certo ponto, questionável, visto que é um ambiente onde há uma linha muito tenuê entre público e privado. Pegando carona nessa problemática, a obra insere vários signos que dialogam com esse assunto, desde quando discute a questão da propagação de notícias, revelando o alcance do blog CreekSecrets e sua eficiência em difundir fofocas, até o momento em que exibe uma situação vexatória, que no segundo seguinte se torna um meme, divulgado massivamente.

Avesso à superexposição, Simon é vítima de sua própria falta de atenção, ao deixar seu endereço de e-mail alternativo aberto no computador do colégio, criado apenas para se corresponder com o pseudônimo Blue, por quem se apaixona. Desde então, ele é chantageado por Martin (Logan Miller, da série The Walking Dead, 2016-2017), que possui as mensagens comprometedoras e de cunho íntimo. Caso Simon não o ajude a conquistar a atenção de Abby, todo o conteúdo será vazado e o colégio inteiro saberá que ele é gay, informação que, até esse período, guarda a sete chaves.

No decorrer do filme, as situações ganham forma com uma naturalidade envolvente, que ajuda a injetar ritmo à narrativa. O roteiro de Elizabeth Berger e Isaac Aptaker ainda investe num prodigioso humor direcionado a personagens como Mr. Worth (Tony Hale), vice-diretor adepto de encontros marcados pelo Tinder e uma espécie de stalker de Simon, reservando também tiradas memoráveis à Natasha Rothwell, que encarna Ms. Albright, professora de teatro com um senso crítico afiado, além de não ter papas na língua ao exibir o seu desconforto diante das atitudes de estudantes imaturos.

Porém, logo no início da projeção, somos surpreendidos negativamente com a inclusão de registros sonoros do protagonista como elemento onisciente da narrativa, dando uma impressão errônea em relação ao longa, uma vez que esse recurso além de ultrapassado sofre com o desgaste de seu uso, por ser uma alternativa rápida e barata, além de funcional. Todavia, percebemos que aqui é utilizado como um método de anunciação das sequentes elucubrações de Simon, que virão à tona na eloquência das trocas de e-mails com Blue.

Partindo de uma ótica mais superficial, Simon se encaixaria na personificação de um adolescente com uma vida perfeitamente normal, como ele mesmo se define. Contudo, não é o segredo que guarda o gatilho para o esfacelamento de seu ânimo, tampouco as ameaças de Martin, mas sim a consciência de sua condição, que anseia por um desabrochar ao longo desse processo de maturação.

Após a minuciosa averiguação interior a que se submete, o jovem ainda parece confuso por não encontrar subsídios para a execução da tarefa de se assumir, que passa a se tornar um dever a si próprio, levando a um adiamento que colocará em xeque a sua índole diante de manipulações que envolverão suas amizades, componente que expande a construção do personagem. O ótimo roteiro de Berger e Aptaker, propositalmente, desarmoniza as relações do protagonista, dando margem para o público questionar as suas escolhas perante a bifurcação que se instaura em sua vida. Ele opta por sair ileso, mesmo que por pouco tempo, criando uma oposição ao seu bom caráter, até então, indubitável.

Entretanto, se existe alguma grave reserva em relação à obra é enquanto ao subaproveitamento dos pais de Simon na história. No primeiro ato, presenciamos Emily (Jennifer Garner) sugerindo à família que assistam juntos um episódio da série The Affair, cujo enredo está repleto de cenas de sexo em meio a um caso de adultério, sendo logo vetada por Simon. Descobrimos aí uma ação que revela despojamento por parte da genitora, porém isso não se desdobra no desenrolar do filme. O mesmo ocorre com Jack (Josh Duhamel), o pai que profere um discurso taxativo sobre o reality show de encontros amorosos The Bachelor ser gay, mas que junto com a mãe tem uma atitude compreensiva diante do anúncio de Simon, agregando momentos emotivos ao longa, mas sem grandes surpresas, por não termos tempo de assimilar esse breve envolvimento que temos com os pais do protagonista.

Conectado à contemporaneidade, Com Amor, Simon escancara referências que vão do sucesso da TV Game of Thrones a sonhos constantes com a figura de Daniel Radcliffe, o imorredouro Harry Potter, porém também referencia o passado, seja com o poster do cantor Elliott Smith, adornando a parede do quarto de Simon, ou com a divertida performance da canção I Wanna Dance With Somebody, de Whitney Houston, em formato que remete a um videoclipe, equilibrando momentos de tensão com a leveza da paleta de cores dessas cenas.

Vinculado à função de produtor e roteirista em séries adolescentes como Dawson’s Creek (1998–2003), marco na trajetória de vida de muitos jovens no final da década de 90, Berlanti transitou por esse enredo constituído por um personagem que carregava similitudes com Simon; Jack McPhee (Kerr Smith) teve de lidar com o fato de ser gay e trabalhar ao longo das temporadas a aceitação de sua sexualidade. Outros indícios de sua identificação com histórias centradas nesse universo é sua filiação ao drama familiar Brothers and Sisters (2006-2011), cujo papel de Matthew Rhys (atualmente na série The Americans) também tinha de encarar de frente sua condição sexual, dando voz ao advogado Kevin Walker, que rompia com inúmeros estereótipos gays.

Ademais, o diretor esteve associado a outras narrativas seriadas como Everwood: Uma Segunda Chance, de clima bucólico e lacerante, e a recente Riverdale, que renova sua linguagem em relação aos outros trabalhos mencionados. O acúmulo temático em obras de caráter distinto exibe a familiaridade do realizador, assumidamente gay, com o assunto, posto isto, é explícito o know-how que demonstra ter pela naturalidade na condução da história, que soa como um eficiente patchwork de referências de suas produções passadas.

O carisma que o elenco jovem carrega ajuda a nutrir uma narrativa já muito bem fomentada. Todavia, Com Amor, Simon contagia não somente por isso, mas por ser um sopro de encorajamento frente às dificuldades que podemos encontrar ao aceitarmos a nossa identidade e nos afeiçoarmos a ela, tornando-se um filme que explana a respeito da autoaceitação, mas sobretudo investe na busca pelo amor como sentimento universal.

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