Críticas

Crítica | Ella & John

Alguns filmes tecem uma análise a respeito do processo de envelhecimento partindo de um mergulho infindável por uma rotina apinhada de enfermidades das mais diversas, outros se concentram na saudade de tempos que jamais retornarão. Sarah Polley incutiu essa sensação, unida a um iminente desamparo, ao tratar sobre o Mal de Alzheimer no longa Longe Dela (2006). Esse é apenas um dos exemplos de obras que apostam nesse período da vida vinculado a essa doença específica, que geralmente chega para deteriorar um matrimônio, até então, feliz.

Em contrapartida, existem narrativas solares com casais da terceira idade, que fazem questão de afirmar que essa fase da vida ainda tem muito a oferecer em termos de descobertas, dispensando a ótica amarga de preenchimento dos dias que restam aos personagens retratados. Ella & John, de Paolo Virzì (Loucas de Alegria, 2016 e Capital Humano, 2013), concentra-se no tratamento otimista de sua história, que se relaciona muito com enredos agridoces de produções como Num Lago Dourado (Mark Rydell, 1981) e Elsa & Fred – Um Amor de Paixão (Marcos Carnevale, 2005), que apesar dos obstáculos, focam no método para contorná-los, sem perder a alegria de vista.

Colocando o velho trailer que estava sem utilidade para rodar, Ella (Helen Mirren) recruta o marido John (Donald Sutherland) como o motorista de uma aventura e eles caem na estrada. A residência em Massachusetts está às moscas, quando Will (Christian McKay), filho do casal, desespera-se ao constatar que não deixaram nenhum tipo de pista, a não ser a garagem vazia como evidência.

Sem saber do paradeiro dos pais, ele convoca a irmã Jane (Janel Moloney) com o objetivo de compartilhar a angústia, até o momento que recebem uma ligação da mãe, ainda que não muito esclarecedora. Alojados num campo de trailers da Pensilvânia, assistimos a dupla enveredando por um universo que prova a eficiência do enredo do longa, ao exibir a clareza da apresentação de seus personagens no primeiro ato.

A tagarelice de Ella ao relatar causos do passado a várias pessoas que cruzam o caminho do casal já anuncia o seu tom expansivo, que é a antítese de John, ex-docente, mais introspectivo, preso no seu mundo onde tudo parece possuir uma analogia com as histórias de Ernest Hemingway, por quem é fascinado, tendo como uma das paradas obrigatórias da viagem, a casa do escritor localizada em Key West, na Flórida.

Virzì demonstra despreocupação ao não destacar o Alzheimer de John como algo degenerativo e demencial, mas não a ponto de comprometer o papel do filme, que é o de desconstruir as ideias pré-concebidas do desconforto absoluto associado à terceira idade. Tampouco, a trama se aprofunda nas súbitas dores de Ella, mais interessada em manter a sua relação estável diante de declarações comprometedoras de John em meio a suas confusões mentais, envolvendo o nome de Lillian (Dana Ivey), vizinha e amiga de longa data do casal.

Mesmo utilizando elementos como uma sequência de slides com recordações remotas, o filme agrega esse componente à narrativa com o propósito de ativar a memória de John. Constituintes que em outras obras soam como um recurso padrão, aqui encontram justificativa devido à precisa execução do roteiro, que além da altivez cômica, possui acuidade para inserir cenas de adversidades, que assaltam a muitos de nós, mas sem macular a sua leveza tão proeminente.

Ao contrário do que afirma o estribilho de It’s Too Late, canção de Carole King executada logo no início da película, nem sempre é tarde demais para aproveitar o tempo que temos à nossa disposição, tornando-o adepto de nossos desejos mais desenfreados. Ella & John é um road movie que bota fé num otimismo, às vezes cego, mas o simples fato de não focar na deterioração da velhice o torna um encantador registro sobre a celebração da vida.

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