Críticas

Crítica | Crô em Família

Às vezes, dentro de narrativas maiores, alguns personagens coadjuvantes conseguem se destacar tanto e são tão marcantes que acabam ganhando, a certa altura, suas próprias produções derivadas. Aparentemente esse é o caso do mordomo Crô (Marcelo Serrado), que marcou presença na novela Fina Estampa em 2011 e agora ganha seu segundo filme nos cinemas, Crô em Família, dirigido por Cininha de Paula e com roteiro original de Aguinaldo Silva. Digo “aparentemente” porque não assisti à novela criada por Silva e, pessoalmente, não entendo muito o apelo que o personagem tem para garantir dois filmes seus, especialmente nos dias de hoje.

Sem exigir conhecimento da trama do primeiro filme de Crô, que foi dirigido por Bruno Barreto, Crô em Família traz o personagem do título em uma má fase, apesar do sucesso da escola de etiqueta que agora comanda. O ex-mordomo, que enfrenta uma turbulenta separação de seu namorado, está completamente vulnerável e ainda vai parar nas notícias por causa de um colapso emocional. O personagem vê as coisas ficarem ainda mais confusas quando, logo após sua exposição na mídia, um grupo de pessoas aparece de surpresa em sua casa e dizem que são sua família há muito tempo perdida. Querendo conforto mais do que nunca, Crô decide confiar nos estranhos, mesmo que sua amiga Geni (Jefferson Schroeder) suspeite que eles não sejam quem realmente dizem ser.

Uma trama brilhante não é o que se espera de um filme como esses, mas até para seus baixos padrões, Crô em Família tem uma narrativa que por vezes beira o nonsense no desenvolvimento atrapalhado do roteiro, co-escrito por seis pessoas. Personagens entram e saem a quase toda hora, muitas vezes sem servir qualquer propósito, em especial a suposta sobrinha de Crô, cujo coração de ouro é desenvolvido de maneira pífia – ela quer ser astrônoma, não astróloga – mas ainda assim é usado para deixar uma apressada mensagem final sobre família, que acaba sendo murcha.

Fora isso, com exceção da menina, os familiares desconhecidos de Crô representam estereótipos batidos e questionáveis de pessoas de baixa renda, comportando-se de maneira escandalosa e, é claro, ficando de olho na grana do protagonista, o que reforça uma visão desnecessariamente elitista para o filme. Nem os LGBT, público sobre o qual o filme se promove, são representados com qualquer naturalidade, limitando-se a figuras como Ferdinando (do Ferdinando Show), Dorothy Benson (Geração Brasil) e Seu Peru (da Escolinha), que aqui é interpretado via Skype por Marcos Caruso. É um filme que está preso ao passado, tanto quanto suas piadas com a banda Village People.

Estruturalmente, Crô em Família se torna repetitivo dentro de instantes, e o longa mal consegue se sustentar pelos meros 87 minutos de duração, apostando em cenas e situações pouco variadas. O filme basicamente consiste de Crô em refeições bagunçadas com a nova família, Crô congelando sua nova família para conversar com o público, Crô ignorando os avisos de sua amiga Geni, Crô jantando com Ferdinando (Marcus Majella) e Dorothy (Luis Miranda) e, por fim, alguma pequena cena que insere uma marca ou produto. Essa falta de variedade deixa a forte sensação de que o filme é, na realidade, um compilado de cenas de um núcleo específico em uma novela, algo que é comentado pelo próprio roteiro com breves tiradas mas que não deixa de tornar a experiência maçante. Para piorar, a trilha excessiva e os diversos problemas de montagem deixam o filme de Cininha de Paula aquém até mesmo de comédias do calibre de O Candidato Honesto 2.

Mas e o prato principal? O motivo da existência de Crô em Família? Pode-se dizer que, partindo de um roteiro desses, é compreensível que Marcelo Serrado esteja no piloto automático em seu retorno à persona que o marcou. Sem boas situações para interpretar, Serrado demonstra desânimo até mesmo quando sobe ao palco para dançar com Pabllo Vittar e Preta Gil, que fazem uma breve participação especial. A extrema repetição das frases de efeito também agrega a essa sensação de cansaço, mostrando que o personagem já não tem muito a oferecer. Fazendo caretas e vozes gratuitamente, Crô até chega a brincar com essa muleta em uma cena, aprovando uma piada sem graça de um personagem só porque “sua voz tava boa”.

Falando em vozes, quem talvez represente o único ponto positivo do filme é Jefferson Schroeder, que recentemente ganhou fama com um vídeo de bastidores no canal Porta dos Fundos, no qual demonstrou grande flexibilidade vocal e um timing cômico excepcional. Aqui, Schroeder claramente se esforça para conferir carisma a Geni, chegando até mesmo a demonstrar afeto genuíno através de seu olhar, o que acaba não agregando a nada já que Crô, o protagonista do filme, não transparece a mesma espontaneidade. Mesmo assim, apesar de entregar bem suas frases de efeito e não pesar demais a mão na interpretação, Schroeder também não escapa da falta de criatividade do filme, sendo obrigado a repetir em tela o mesmo truque da dublagem a la Investigação Discovery que o deixou famoso.

Ainda desperdiçando os talentos dos veteranos Arlete Salles e Tonico Pereira com papéis excruciantemente óbvios, Crô em Família desafia a boa vontade do espectador com seu teor elitista e seu completo desinteresse em criar situações cômicas criativas ou inusitadas. Há muitas comédias rasteiras que, enquanto cinema, conseguem segurar o público ao menos por algum motivo, seja ele o carisma de um ator ou pinceladas ocasionais de criatividade. Sem nenhuma dessas coisas, Crô em Família se trata apenas de um teste de paciência.

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